Jornal Estado de Minas

Homens-bomba ao volante

Carretas pesadas em velocidade máxima ameaçam a vida nas estradas mineiras

Reportagem acompanhou flagrante de excesso de velocidade

Mateus Parreiras

  Em trecho de 80km/h, em ITABIRITO, carreteiros chegam a desenvolver até 94 km/h, um perigo para veículos menores - Foto: Renato Weil/EM/D.A Press

 

Carregadas com mais de 20 toneladas de minério de ferro, carretas a serviço de mineradoras transformaram a BR-040, principalmente no trecho entre Belo Horizonte e Conselheiro Lafaiete, numa estreita pista de corrida, empurrando outros

veículos de carga, ônibus, carros e motos para fora da estradaCom um medidor de velocidade instalado no km 570 da rodovia, em Itabirito, na Região Central de Minas, o Estado de Minas constatou que de 16 veículos com minério que passaram no trecho em 10 minutos 10 (62,5%) estavam acima da velocidade máxima permitida, de 80 km/hAfobação ocorre por conta da ânsia dos carreteiros em lucrar mais, uma vez que recebem das mineradoras e frotistas terceirizados um salário fixo de R$ 1.190, acrescido de R$ 8 por viagemQuanto mais transportam, carregam e descarregam, mais lucram, tendo, para isso, de percorrer várias vezes a rodovia.

A estrada federal é a terceira com mais mortes em acidentes de Minas GeraisForam 136 entre janeiro e agosto do ano passado, perdendo apenas para as BRs 381 (186) e 116 (140)Na reta do km 570, as carretas de mineradoras registraram a velocidade mais alta entre os veículos de carga, com duas delas atingindo 94 km/hA média de velocidade desse tipo de cargueiro foi de 87 km/h, enquanto a de todos os 31 veículos de carga que passaram pelo trecho ficou praticamente no limite, de 79 km/h.

A correria é considerada um componente crítico para acidentes na análise do especialista em transporte e trânsito Frederico Rodrigues, da consultoria Imtraff“Os veículos de carga estão trafegando numa velocidade altaA própria sinalização alerta para issoE temos de pensar que o limite não leva em conta o peso exagerado que as carretas transportamPor isso, é indicado que se trafegue abaixo do limite”, afirma

Os riscos da soma de velocidade alta com peso excessivo, de acordo com o especialista, são os tombamentos e a impossibilidade de frear“É uma velocidade que tem como resultado, em caso de acidentes, choques muito mais graves com uma severidade maior nos estragos”, avalia.

Foi o que ocorreu no dia 27, em Congonhas, a apenas 33 quilômetros do local onde foi medida a velocidade dos veículos pesadosNa ocasião, uma carreta carregada de minério de ferro não conseguiu frear, ao encontrar pela frente uma fila de carrosPelo menos sete veículos foram arrastados pelo cargueiro e transformados em aço retorcidoCom a força do impacto, a aposentada Iolanda dos Santos, de 60 anos, morreu na horaCinco dias depois, morreu o empresário Hugo Miranda Fiuza, de 30, que estava internado no Hospital de Pronto-Socorro João XXII com grave traumatismo craniano.

Imprudência

Na análise do especialista em transporte e trânsito Frederico Rodrigues, a imprudência muitas vezes é cometida pelos caminhoneiros sem conhecimento ou ciência das mineradoras“Tenho trabalhado no setor e posso dizer que uma das preocupações é com o limite de velocidade e a segurança dentro das minasO que estão fazendo é fora da área de trabalho”, disseNinguém do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) se dispôs a falar sobre os abusos de caminhoneiros nas rodovias e sobre as medidas adotadas para evitar a imprudência.

Em toda a BR-040, foram registrados 137 tombamentos de carretas, que provocaram seis morte e deixaram 112 pessoas feridas, entre janeiro e agosto do ano passado, segundo dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), apurados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

 

  No dia 27, carreta desgovernada arrastou sete veículos e matou duas pessoas na rodovia - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press

 

Cargueiros em pista estreita

A pista extremamente estreita da BR-040 é outro fator que adiciona perigo à correria desenfreada por lucro dos carreteiros de mineradoras que transitam principalmente entre Belo Horizonte e ItabiritoO Estado de Minas mediu a largura da pista no trecho de maior tráfego de veículos de minério, no km 600, em Itabirito

No local, a largura da estrada inteira é 15,5 metros, compreendendo duas pistas por sentido, fora o acostamento, que terminam com canaletas profundas para o escoamento de águaDescontando-se as marcas que separam as vias, que somam 1,10 metro, sobram para os veículos circularem 14,4 metros de pavimento Especialistas estimam que a dimensão ideal das rodovias duplicadas seja 20 metros.

Para se ter uma ideia de como a pista é inadequada ao tráfego pesado e constante, no pátio de um posto de combustível em frente, onde os motoristas de mineradoras costumam almoçar, a largura média de seus veículos era de 2,5 metros, chegando a 3,2 metros com os retrovisoresCada faixa da BR-040 tem 3,6 metros, ou seja, se quatro carretas passarem lado a lado sobrará 20 centímetros entre seus retrovisores“É estreitoO ideal é termos 14,5 metros de largura somente para as quatro faixasMas, considerando que o ideal é ter a valeta de drenagem um pouco distante, para ter uma margem de cerca de três metros chegaríamos a um total de 20 metros”, avalia a o especialista em transporte e trânsito Frederico Rodrigues.

Nessas condições, não são raros os flagrantes de carretas em alta velocidade fazendo curvas sobre as divisórias do asfalto e obrigando quem vem do lado oposto a se desviar para evitar acidentesÉ um jogo de empurra impulsionado pelo lucro“Trabalhar com mineração é muito perigosoA gente faz umas oito viagens por dia, em média”, conta o carreteiro A.L.B., de 42 anos“Na mineradora tem fila que dura uma hora para carregarAs estradas são de terra e cheias de poeiraTudo é tempo que se perdePor isso, precisamos compensar na estrada, acelerando entre a mina e a siderúrgica”, acrescenta.

Impunidade amplia abusos

A impunidade dos motoristas de carretas que usam estimulantes, drogas e álcool ao volante para rodar por mais de 24 horas completamente dopados pode ser medida pelos número de acidentesMas em apenas 1,3% (74) das 5.665 batidas nas rodovias federais de Minas em 2011 a polícia conseguiu comprovar o uso de álcool ou substância entorpecente pelos carreteiros Os flagrantes que chegaram às delegacias também foram poucos, somente 77A situação foi mostrada na edição dessa sexta-feira da série “Homens-bomba ao volante”, que o Estado de Minas publica desde domingo, sobre as condições de caminhoneiros e veículos de carga que trafegam pelas estradas em volume cada vez maior