Jornal Estado de Minas

Às vésperas do carnaval, proteção do patrimônio muda agenda de foliões em Minas

Em BH, Iepha veta eventos na Praça da Liberdade. Em Mariana, Justiça acaba com a festa no Centro Histórico

Gustavo Werneck

Estrutura montada na Praça de São Pedro, na primeira cidade de Minas: MP teme ameaça ao patrimônio de mais de 300 anos - Foto: Fotos: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS

 

 

Mariana – Na briga do carnaval com o patrimônio, sobrou para o foliãoA três dias do feriado, decisões visando proteger bens históricos em Belo Horizonte e Mariana, na Região Central do estado, lançam um clima de incerteza para quem se preparava com base na agenda oficial e dividem quem defende a preservação, representantes das prefeituras e aqueles que apenas planejam se divertirEm BH, partiu do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a cassação de todas as autorizações para eventos na Praça da Liberdade, Região Centro-Sul, diante da depredação registrada em show no último domingoNa cidade histórica, primeira capital de Minas, a proibição veio da Justiça, atendendo pedido do Ministério Público.

Os moradores do Centro Histórico do município, a 115 quilômetros de BH, comemoraram na tarde dessa terça-feira, com foguetes, a decisão judicial que proibiu a folia na área tombada pela União desde 1938A decisão do juiz da comarca, Alexsander Antenor Penna da Silva, atendeu ação proposta na segunda-feira pelo promotor Antônio Carlos de OliveiraAlém de impedir bailes populares, desfiles de escolas de samba, concentrações e shows nas praças Minas Gerais, Benevides, Gomes Freire (Jardins), de São Pedro e respectivos entornos, o juiz determinou o cancelamento dos eventos programados para o Campo do Guarany, próximo ao Centro Histórico.

Segundo o promotor Antônio Carlos, no Centro Histórico poderá haver apenas apresentação de pequenos blocos e bandas com instrumentos de percussão, que não gerem ameaças ao patrimônio cultural, composto de igrejas, capelas, casarões e outros monumentos dos séculos 18 e 19“Nosso objetivo maior é zelar pela segurança do acervo colonial e também pela vida das pessoas, já que não há autorização do Corpo de Bombeiros para as festividades”, disse, lembrando que também não houve sinal verde do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)Em caso de descumprimento da decisão, o município deverá arcar com multa diária de R$ 20 mil

Em seu despacho, o juiz considerou que as informações contidas na ação civil pública, aliadas à proximidade das festividades e à “conveniência de se permitir que o município possa promover ações para a realização da programação prevista para o carnaval 2012 em local próprio e adequado, indicam a necessidade de uma rápida decisão judicial”.

Prejuízos

O coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Marcos Paulo de Souza Miranda, informa que desde o dia 25 a Prefeitura de Mariana foi orientada pelo Ministério Público estadual sobre as medidas a serem adotadas“Se não fizeram nada, foi por incompetência e falta de seriedade”, observouA superintendência do Iphan ressalta que não é responsável pela proibição do carnaval no Centro Histórico, mas confirma não ter recebido documentação alguma de Mariana, ao contrário de cidades de carnaval tradicional, como Ouro Preto, na Região Central, e São João del-Rei, no Campo das Vertentes.

Preservação

Mesmo com a proibição da Justiça, a montagem da estrutura no Campo do Guarany, para onde estão programados vários shows a partir de sexta-feira, continuava normal na tarde dessa terça-feira, como muitos operários trabalhando

Na Praça de São Pedro, onde também estão previstas atrações, uma tenda já está pronta, e foi diante dela que moradores comemoraram com foguetesTomando café numa padaria, Renata Brandão, de 39 anos, moradora da Rua Cônego Rego, considerou excelente a decisão judicial“A regras de proteção do Centro Histórico precisam ser seguidasMariana é uma cidade antiga, tem mais de 300 anos e precisa ser preservada”, afirmou

Já o estudante de história Helton Lourenço Carvalho, de 21, morador do Bairro da Chácara, não vê problemas para a folia“A cidade já está um caos, por que então não pode ser aqui?”, perguntou, enquanto batia papo com amigos na Praça Gomes Freire (Jardins)A amiga Elicene Alves Martins, de 24, estudante de música, não gostou da sentença: “E o comércio, o turismo, gente que se preparou o ano todo? Como esse povo vai ficar?”, questionou.

Para muitos donos de pousada, a proibição não vai mexer no caixa dos estabelecimentos“Não estamos com reservas para o períodoAcho que a chuva atrapalhou muitoUm grupo de paulistas que vem todos os anos já cancelou a estada aqui”, afirmou Antônio Diniz, gerente do Hotel Providência, um dos mais tradicionais e antigos da cidade
A dona da Pousada da Tipografia, Eliane Lima, também disse que o movimento está muito fraco e que tem apenas três apartamentos reservados.

Custo

A estimativa é de que o investimento global com o carnaval de Mariana, que já trocou de prefeito seis vezes nesta administração, esteja em torno de R$ 3 milhões, avalia a vereadora Aida Anacleto (PT), que na tarde dessa terça-feira participava de sessão legislativa para cassação da prefeita Terezinha Ramos“A nossa população, que é de 53 mil pessoas, praticamente dobra no carnaval, pois muita gente que vai a Ouro Preto acaba vindo para cáEstavam programados grandes shows para perto de igrejas como a Catedral da Sé, de São Pedro e de Nossa Senhora da Boa Morte, do século 18Essa decisão atende um clamor da populaçãoNós estamos vivendo em uma cidade em estado de emergência, com muito buracos”, disse a parlamentarA prefeitura informou, via assessoria, que vai recorrer da decisão judicial(Colaborou Valquiria Lopes)

 

 

Apesar da decisão, montagem de estruturas continua na cidade histórica - Foto: Fotos: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS

 

 

Cartilha da folia

O enredo da segurança, segundo o MP

» A instalação de barracas, palcos, arquibancadas, caixas de som, telões e equipamentos em geral deve guardar distância dos bens culturais e da rede elétrica

» O órgão de proteção ao patrimônio cultural deve ser previamente consultado antes da instalação desses equipamentos

» Imediatamente depois do carnaval, o local em que ocorreram as festividades deve retornar à situação original, mediante limpeza (varrição, lavagem etc.), retirada de faixas, cartazes, enfeites etc.

» As prefeituras, a Cemig e o Corpo de Bombeiros devem fiscalizar as instalações elétricas e o uso de materiais inflamáveis, como botijões de gás e fogos de artifício

» O Corpo de Bombeiros Militar deve aprovar o local em que se concentrarão as atividades carnavalescas

» A emissão de ruídos deve estar de acordo com os níveis e horários considerados adequados e aceitáveis pela legislação vigente

» Deve haver policiamento ostensivo, contínuo e permanente durante todo o período das festividades

» Deve haver banheiros públicos suficientes, instalados em locais adequados e afastados das fachadas dos imóveis e monumentos culturais

» As prefeituras devem orientar os trajetos de trios elétricos e carros alegóricos para que não provoquem danos ao patrimônio ou exponham a segurança dos foliões

» As prefeituras devem advertir os foliões para que não lancem ou acionem serpentinas, confetes, balões, foguetes, rojões e outros adereços em direção à rede elétrica

Fonte: Ministério Público estadual (recomendações feitas em 25/01/2012)