Houve um tempo, lá pelos idos do século 19, em que as más notícias eram dadas com tarja preta. Cartas relatando a morte de parentes, comunicados sobre guerras e outras linhas sinistras vinham no papel branco e emoldurados com a marca da tristeza. O quadro muito apropriadamente chamado de A má notícia, datado de 1897 e de autoria do mineiro Belmiro de Almeida (1858-1935), traduz bem o clima de consternação: uma mulher em desespero contempla a página lançada ao chão. Em mais de 100 anos, a tela já passou por vários órgãos públicos e ganhou fama de “agourenta” até chegar sã e salva ao lugar mais adequado, que é a Sala de Artes Visuais do Museu Mineiro, em Belo Horizonte. Quem contempla a obra pode ficar tranquilo, pois ela só inspira beleza, assim como as outras 2,6 mil peças que compõem o acervo da instituição. É bom lembrar que, na reserva técnica, estão mais 6 mil obras dos séculos 17 ao 21.
No ano em que completa três décadas de fundação, o Museu Mineiro, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, mantém a tradição de preservar, pesquisar e difundir a cultura das Gerais, informa o seu coordenador, o historiador Thiago Carlos Costa. No casarão em estilo eclético, da época da construção da capital e onde funcionava o Senado (Avenida João Pinheiro, nº 342, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul), moradores e visitantes fazem uma viagem sensorial ao caminhar por quatro ambientes distintos. No primeiro, na Sala das Colunas, ao som de música barroca, há imagens, oratórios e prataria, a maioria originária da Coleção Geraldo Parreiras, adquirida pelo estado em 1978.
Na Sala das Colunas, causa impacto o pórtico de madeira trabalhada, com anjos, que pertenceu a uma igreja, já demolida, do interior. Nas vitrines, é de encher os olhos as imagens de Santana Mestra, São José de Botas, Nossa Senhora da Conceição e outros santos. Com a nova concepção museográfica da instituição, fechada durante três anos e reaberta em 18 de janeiro, há novidades que valorizam o acervo. Ao chegar diante do São Miguel Arcanjo, o visitante vai vê-lo girar e exibir a sua riqueza de detalhes, devido ao sensor de presença instalado na base. Thiago conta que toda a parte elétrica foi trocada e, com moderno projeto de luminotécnica, as cores e formas das pinturas parietais – feitas diretamente nas paredes e teto, sobre o reboco – ganharam vida nova.
Telas de ataíde
A próxima parada será no espaço, ao lado, com as seis telas de autoria de Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), expoente do barroco. São necessários vários minutos, diante de cada uma, para admirar a expressão dos santos, entre eles São Pedro Apóstolo. Na sequência, vem a sala com objetos antes pertencentes ao Arquivo Público Mineiro, como a colher de pedreiro que assentou a primeira pedra da construção de BH, moedas, armas, brasões e telas. O superintendente de Museus e Artes Visuais, Leonardo Bahia Diniz, conta que a história do museu tem como primeira referência o ano de 1895, quando, pela Lei nº 126, foi criado o Arquivo Público. O documento deixava bem clara a intenção de se criar o museu, estabelecendo que, até o seu funcionamento, seriam recolhidos e classificados, em sala especial no arquivo, “os quadros, estátuas, mobílias, gravuras, estofos, bordados, rendas, armas, objetos de ourivesaria, baixos-relevos, esmaltes, obras de cerâmica e quaisquer manifestações da arte no estado, desde que tenham valor propriamente artístico ou histórico”.
A instituição foi juridicamente consolidada 15 depois, pela Lei nº 528/1910, abrangendo as seções de história natural, etnografia e antigüidades históricas e reunindo acervo relacionado a Minas, nos períodos da capitania, província e estado. A lei citava as coleções do Arquivo Público que comporiam o acervo inicial do Museu, a ser instalado "quando as circunstâncias financeiras do estado o permitissem, a juízo do governo".
“O museu é uma referência na arte e educação, conservação do acervo e segurança. É fundamental que a comunidade entenda que esta instituição pertence a ela”, explica Thiago, mostrando a Sala das Sessões, nome que faz referência ao antigo Senado mineiro. As pinturas parietais do teto voltam a atrair os olhares, e o coordenador adianta que a instituição busca recursos, no valor de R$ 300 mil, para restaurá-las. Além da tela A má notícia, há quadros de Yara Tupynambá, Chanina, Amilcar de Castro, Inimá de Paula, Márcio Sampaio e outros artistas – todos obrigatoriamente mineiros.
O ano de 1982 foi uma marco na história do museu, não só pela inauguração dele como pela incorporação, ao acervo, da Coleção Pinacoteca do Estado de Minas Gerais, formada por pinturas, desenhos, gravuras , incluindo também esculturas, num total de 26 peças. A coleção começou em 1926, com cinco telas de Anibal Mattos doadas pelo artista, mas a ideia não foi adiante e os quadros ficaram guardados no Arquivo Público. Em 1971, por iniciativa da primeira-dama do estado, Coracy Uchôa Pinheiro, o projeto foi retomado com a reorganização e o crescimento do conjunto, valorizado pela presença de obras de Mário Silésio, Chanina, Sara Ávila, Ildeu Moreira, Herculano e outros. Essas obras foram integradas à relação de bens móveis do Palácio da Liberdade até serem incorporadas em definitivo ao museu, em 1982.
Saiba mais: ferramenta histórica
O olhar curioso do visitante vai encontrar muitas preciosidades no Museu Mineiro. Na Sala do Arquivo Público, uma peça chama logo a atenção pelo simbolismo. Trata-se da colher de pedreiro (foto) que assentou a primeira pedra da construção da Cidade de Minas, nome anterior a Belo Horizonte. A ferramenta, com inscrição datada de 7 de setembro de 1895, tem lâmina de ouro e prata e cabo de madeira. Na sala, há ainda uma série de peças, como uma tela de dom Pedro I (1798-1834), brasão da família real, armas, a um pequeno canhão, moedas, o livro contando a festa do Triunfo Eucarístico – realizada em Ouro Preto em 21de maio de 1733 e considerada pelos estudiosos uma das mais ricas e belas do Brasil colonial –, um relógio pertencente a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792) e outros objetos que contam parte da história de Minas.
Serviço
Museu Mineiro: Avenida João Pinheiro, nº 342 – Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte
Aberto às terças, quartas e sextas, das 10h às 19h; às quintas, das 12h às 21h; e sábados e domingos, das 12h às 19h
Telefones: (031) 3269-1103 e 1106 (visitas de grupos devem ser marcadas com antecedência)
Entrada gratuita
LINHA DO TEMPO
1895 – O acervo do Museu Mineiro começa a ser constituído com a criação, em Ouro Preto, do Arquivo Público Mineiro
1910 – Lei nº 528, de 20 de setembro, autoriza a formação de coleções de objetos para composição do futuro museu
1977 – Decreto nº 18.606 determina a implantação do Museu Mineiro e o desvincula do Arquivo Público
1978 – Museu recebe 187 peças de arte sacra (séculos 18 e 19), da coleção Geraldo Parreiras, adquirida neste ano pelo governo do estado
1982 – Museu é inaugurado em 10 de maio e funciona no prédio do antigo Senado Mineiro
1984 – Em abril, museu passa a ser vinculado à recém-criada Secretaria de Estado da Cultura
2002 – Término do processo de revitalização do Museu Mineiro, iniciado em 1999, que culminou na abertura da Exposição Colecionismo Mineiro
2012 – Em 18 de janeiro, Museu Mineiro é reaberto, com espaço multiuso e novos sistema elétrico, projeto luminotécnico, pintura e museografia.