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Estado de Minas

Campanha nacional de combate à obesidade sofre ameaça na porta das escolas

Da lanchonete ao baleiro, atrativos ajudam a explicar por que só na rede municipal de BH 15% dos alunos estão com sobrepeso


06/03/2012 06:00 - atualizado 06/03/2012 06:44

(foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)


A sirene do recreio soa, e, junto com ela, um outro alarme, diretamente ligado à balança, dispara: no meio da correria da meninada, destacam-se cada vez mais estudantes com peso incompatível com a pouca idade. São fartos os dados apontando que a obesidade cada vez mais responde presença nas salas de aula: em Belo Horizonte, nada menos que 15% dos alunos da rede municipal de 6 a 14 anos têm massa corporal acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). São cerca de 12,3 mil jovens gordinhos sentados em carteiras da capital, praticamente a população de Dores do Indaiá, cidade do Centro-Oeste mineiro. Também avantajadas são as tentativas de conter o problema, como o Programa Saúde na Escola, implantado em 2008 na rede pública. No ano seguinte, foi a “Lei Anticoxinha” (nº 18.372/09) que proibiu o fornecimento de alimentos com excesso de gordura, calorias, sódio e açúcar em colégios de todo o estado. Mas a receita vem se revelando insuficiente, diante das tentações sortidas nas proximidades das unidades ou das que acabam se infiltrando nos pátios escondidas em merendeiras ou nos bolsos dos alunos.

A pesquisa que mediu a obesidade nas escolas municipais de BH, realizada em 2011 pela Secretaria Municipal de Saúde, é um recorte de estatísticas que assustam um país onde o excesso de peso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos, conforme os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que subsidiam as autoridades. Os números foram destacados ontem pelo secretário nacional de Atenção à Saúde, Helvécio Magalhães, que esteve em BH para o lançamento da Semana de Mobilização Saúde na Escola, que ocorre  em todo o país.

Mas a realidade observada no entorno de instituições públicas e particulares mostra que, se a intenção é controlar o apetite da garotada, as autoridades vão precisar olhar por cima dos muros das unidades de ensino. Em escolas das regiões Leste e Centro-Sul de Belo Horizonte, balas, doces, chicletes, sorvetes, refrigerantes e salgados estão ao alcance de todos em lanchonetes e sorveterias. Há também ambulantes simpáticos, amigos da garotada, alguns com quase 40 anos de ponto bem em frente aos grandes portões escolares. A goma de mascar, por R$ 0,10, é, disparado, a campeã na preferência de alunos em todas as classes sociais. O “cardápio” ajuda a explicar por que, na capital, quase 18,5% dos adolescentes se acham gordos ou muito gordos, segundo dados do IBGE.

Tapeação

É intervalo nos estudos, portanto hora de tapear a fome na Savassi, no encontro das ruas Pernambuco e dos Inconfidentes, próximo a conceituado colégio particular. Ao lado de quarteto que ferve no carteado, Lucas, de 16 anos, acabou de comer pastel frito de frango. Primeira refeição oito horas depois do café com pão da manhã. Para o estudante, com os horários apertados pelas aulas regulares e o curso de inglês, fica difícil ter mais cuidado com a alimentação. A maior parte do grupo, embora prefira suco a refrigerante, confessa que na hora do lanche “acaba comendo salgado mesmo”.

Perto dali, o sinal que marca o fim da última aula do turno da tarde do ensino fundamental de outro conceituado colégio é a senha para a corrida de muitos alunos em direção aos carrinhos de pipoca e churros, à pastelaria ou à padaria. Vera, de 11 anos, estudante da 7ª série, diz que a mãe libera a pipoca uma vez por semana. “Normalmente, deixo para as sextas-feiras. Mas esta semana antecipei”, diz a menina, que diariamente leva lanche de casa. As colegas de sala da 8ª série Ana, de 13, e Ana Clara, de 12, contam que duas vezes por semana, nos dias de educação física, o sorvete na saída da aula é regra. Ontem, elas levaram o amigo Alysson, de 13, que estuda em outra turma e não dispensou o sorvete de chocolate.

Fora de sorveterias ou lanchonetes, a tentação ganha rodas em carrinhos que se aproximam das escolas pelas mãos dos baleiros. Na Avenida Alfredo Balena, em esquina estratégica entre duas grandes instituições públicas, o homem vindo de Itaúna, de 40 anos, há um ano tenta a sorte e a vida como vendedor de guloseimas. Se tem filhos? “Não.” Caso tivesse, permitiria que comessem essas bobagens? “Bala e chiclete, não. Ia preferir que comesse estes aqui”, aponta, indicando dois sacos de biscoitinhos e batatas, altamente calóricos e cheios de sal. No Bairro Floresta, os brinquedos ajudam a atrair a clientela para o pequeno comércio de besteiras do vendedor de 64 anos. “Horário bom aqui é 12h40, 13h e 17h40”, confirma. O senhor já levou alguma bronca dos pais da freguesia? “Não. Eles não se importam”, revela. No meio de cata-ventos coloridos e dinossauros de plásticos, sortimento de balas, doces e chicletes por precinhos bem camaradas. Caro, mesmo, acaba sendo o resultado na balança. (Com Landercy Hemerson)

 

Palavra de especialista


Maria José Nogueira, pesquisadora da Escola de Saúde Pública (ESP)

Problemas futuros


“O número de crianças acima do peso é preocupante, porque demonstra problemas com a alimentação e atividade físicas. Significa que no futuro estarão vulneráveis a doenças e, mais que isso, com prováveis conflitos psicológicos, como a redução da sociabilidade. O Programa Saúde na Escola (PSE) está avançando na estruturação de dados para subsidiar ações dos gestores estaduais, mas precisamos de um sistema intersetorial de monitoramento funcionando adequadamente, reunindo as áreas de saúde e educação. Junto às crianças, o principal desafio é a mudança dos hábitos alimentares não só delas, mas das famílias, pois os pais são exemplos. E onde a questão já está instalada, é necessário acompanhamento nas unidades básicas de saúde.”


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