Pelo processo, em 12 de outubro de 2000, Marcelo Ferreira da Silva, na época com 25 anos, e o irmão dele, Eterno Ferreira da Silva, de 21, foram retirados de casa sem mandado de prisão e algemados, sem flagranteO motivo seria porque ouviam som alto, bebiam e conversavam com amigos na porta de casa, quando a vizinha reclamou do barulhoSegundo a ação, quando um policial desligou o som e apreendeu o aparelho, Eterno teria ficado irritado, quebrado um copo e chamado os militares de “cachorros do governo, meganhas, policinhas de m.”
Entenda detalhes da ação policial
Segundo a acusação, os irmãos, por terem desafiado a PM, foram detidos e espancados diante de criançasConsta no inquérito que Eterno foi levado para a cadeia e Marcelo até a delegacia, sendo submetidos a mais de uma sessão de tortura, com chutes, socos, golpes de cacetetes e afogamentos em um tanque de lavar roupasEram dois homens contra cinco militares armados
Eterno sobreviveu porque era jovem e tinha saúde boa “Sabe aqueles ossinhos do peito, igual tem no frango? Ficaram abertos durante muito tempoDoía quando eu respiravaGraças a Deus, parouSó meu rim ficou com problema”, revela o homem que, desde aquela época, trabalha no frigorífico localJá o irmão Marcelo preferiu deixar a cidade e se empregou em uma usina no interior de São Paulo“Nós tentamos entrar na Justiça e não deu em nada, porque somos pobres e não temos famaÉ melhor deixar quieto e viver dos braços”, diz Marcelo, encerrando a conversa
Abuso de autoridade
Segundo o Ministério Público, mesmo com todas as acusações de arbitrariedades, os réus já estavam sendo absolvidos do crime de tortura em primeira instânciaOs réus Cláudio Francisco, Luiz Carlos Gonçalves, Ingler Tomaz da Silva, Zigomar Corrêa dos Santos e Marcelo Ricardo de Oliveira, todos policiais militares, seriam enquadrados apenas por abuso de autoridade“Pela lei da época, a pena por abuso de autoridade era o pagamento de 10 dias de multa e o crime prescrevia em dois anos; agora, passou para trêsPedimos a reformulação da sentença para aplicação do crime de tortura, cuja prescrição é de 12 anosNeste tipo de crime, a instrução é complicada e demora até sair a sentençaOs réus poderiam escapar ilesos”, diz Antonio Sérgio Tonet, procurador do Ministério Público de Minas Gerais.
Ele elaborou parecer com 22 laudas, esclarecendo que o delito de tortura consiste em sujeitar à autoridade alguém que se encontre sob seu poder, provocando intenso sofrimento físico ou mental, isto é, causando dor profunda na vítima“O Tribunal de Justiça foi sensível à gravidade do caso e identificou provas suficientes para a condenação dos réus, eliminando a sensação de impunidade que então prevalecia”, afirma.
Com linguajar próprio, Eterno contesta a versão dos autos“Quebrar copo eu quebrei mesmo, mas xingar, nãoIsso foi invenção para livrar a cara delesSe eles já quebraram a gente sem xingar, se eu tivesse xingado, teriam me matadoBateram demais em nós”, desabafa a vítima, contando que “apertaram a algema até as mãos ficarem roxas”E conclui: “Não xinguei porque não tinha nada contra a polícia, mas hoje tenho horror Se pudesse, morava num lugar onde não existisse policial”.
"Não volto um milímetro na minha decisão", garante juiz
Reservado, o desembargador Pedro Vergara não costuma comentar processos em que atua, ainda que já tenha manifestado sua decisão nos autosNeste caso, abre uma exceçãoVergara não esconde a indignação com a covardia dos policiais“Não volto um milímetro na minha decisão”, declara o desembargador, relator do processo junto à 5ª Câmara Criminal pelo Tribunal de Justiça de Minas GeraisSeu voto foi seguido por unanimidade pelos desembargadores
O processo já estava caminhando para a absolvição dos militaresO que levou o Tribunal de Justiça de Minas a condenar seis policiais por tortura?
O tribunal existe para corrigir enganosQuando alguém é condenado por tortura, a perda da função pública faz parte da penaO Supremo pode até reformar minha decisão, mas não volto um milímetro atrásEstou absolutamente convencido de que cumpri meu dever
O advogado das vítimas alega que não há provas suficientes para comprovar o crime de tortura…
Como advogado deles, pode ser que ele entenda que a prova é fracaPara mim, a prova é justaHá uma testemunha que mora em frente à delegacia e que depôs nos autos dizendo ter visto dois policiais usando a cabeça de Eterno, por duas vezes, para bater na porta de entrada da cadeiaEla é uma testemunha que nada tem a ver com os fatosOutra vizinha das vítimas assistiu aos dois sendo arrebatados de dentro de casa e afirmou ter ficado abismada com a atitude dos policiais de agredirem as vítimas na frente de crianças
Na primeira instância, a juíza entendeu ter havido apenas o crime de abuso de autoridade…
Não vou me furtar a cumprir com meu dever depois de 38 anos de funçãoMeu juiz é o Pai EternoEle é quem julga, se achar que estou errado Ele que me condene, mas na minha opinião houve violência desnecessária
Esse processo pode ser considerado exemplar na condenação de policiais pela prática da tortura?
Não sei se seria exemplar, mas é justoNão se pode revestir de poder público uma corporação para cometer violência e não ser punida, principalmente se ela tem por obrigação defender a população e não incutir medo e pavor