No momento em que invadiu a pista contrária, supostamente iniciando uma ultrapassagem sobre um caminhão carvoeiro, na tarde de sábado, em plena faixa contínua da BR-040, em Felixlândia (Região Central de Minas), o ônibus da empresa Conserge que transportava 43 passageiros entrava em um corredor sem voltaQuando do sentido oposto da estrada surgiu uma carreta com carga excedente, o motorista já não tinha quase nenhuma chance de evitar a tragédia: ainda que conseguisse retornar à sua faixa de rolamento, o espaço restante seria menor do que a largura do ônibus, de 2,6 metrosO veículo de carga que se chocou com o coletivo media 4,5m de largura, um metro a mais do que os 3,5m da faixa em que cada um trafegava (veja arte)O resultado foram as 15 mortes que cobriram de luto ontem cinco cidades, a maioria no Vale do Aço, onde os corpos foram sepultados, além de ferimentos em 17 pessoas.
Vias estreitas como essa são mais que uma ameaça em que veículos, principalmente os de grande porte, se cruzam a poucos centímetros uns dos outros: elas são uma regra no estado, onde apenas 1.300 quilômetros de estradas são duplicados, o equivalente a 3,6% da malha rodoviária total de 35.960 quilômetrosCom o fluxo cada vez mais pesado do transporte de carga e passageiros, a tendência é de registro de acidentes cada vez mais gravesDe acordo com o chefe do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) responsável pelo trecho onde ocorreu a tragédia, inspetor Marcelo Espíndola, a via está em perfeitas condições de pavimentação e a sinalização é adequadaMas ele admite que um fator importante para acidentes com veículos de grande porte na rodovia, como o registrado no sábado, são as dimensões modestas das pistas“A soma da largura dos dois veículos, sete metros, era a mesma medida da estrada Se somarmos as duas faixas de trânsito, desprezando o acostamento, elas não comportariam a passagem do ônibus e do caminhãoPrecisariam usar o acostamento”, diz.
“O ideal em linha reta é que o espaço seja de 3,6 metros, no caso de pista simplesO acidente aconteceu em ponto de ultrapassagem proibida e houve o agravante de vir um veículo de carga especial no sentido contrário”, avalia o especialista em transporte e trânsito Frederico Rodrigues
No caso do desastre em Felixlândia, a carga transportada pela carreta estava dentro das normas, pois tinha guia de Autorização Especial de Trânsito emitida pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)O veículo saiu de Santos (SP) rumo a Fortaleza, transportando um tubo de aço que serviria de base para uma usina eólicaAo bater no coletivo, arrancou metade do ônibus no sentido do comprimentoApesar das informações iniciais da polícia, segundo as quais a carreta teria 3,20 metros de largura, ontem à tarde a delegada Mércia Leite Pinheiro de Ávila, de Curvelo, informou que na cópia da autorização especial emitida pelo Dnit consta que as dimensões são 29,5 metros de comprimento, 5,30m de altura e 4,5m de largura
O inspetor Antônio Edélcio, da Polícia Rodoviária Federal em Sete Lagoas, informou que a largura de 4,5 metros configura excesso lateral, mas acrescentou que o transporte não representa irregularidade, desde que tenha autorização do DnitEle explicou que nem sempre um veículo desse tipo pode viajar no acostamento para impedir a invasão da pista contrária
Conforme o inspetor, no trecho monitorado pelo posto da PRF de Sete Lagoas pelo menos três acidentes envolvendo ônibus, com mortos e feridos, foram registrados desde novembroNo entanto, a violência da última ocorrência impressionou os próprios agentes“Os policiais aqui têm quase 20 anos de profissão e o que percebi foi que todos ficaram muito chocadosJá atendemos muitos acidentes com ônibus, mas nada chega perto dissoDa forma como o acidente ocorreu, os passageiros não tiveram nenhuma chance de sobreviver”, relatou.
Operação de tráfego
Veículos com cargas especiais exigem dos responsáveis pela rodovia tratamento diferenciado não só na concessão de licenças de circulação, mas também no monitoramentoA avaliação é do engenheiro e mestre em transportes Silvestre Andrade, que critica a diferença de tratamento desses veículos nas rodovias públicas e privadas“Nas estradas gerenciadas por concessionárias, a viagem é acompanhada com câmeras e por veículos da empresaNas sem concessão, sinto falta de um operador rodoviário, alguém que tome conta da operação na viaA Polícia Rodoviária não tem esse papel”, afirma.
Enquanto isso, motorista é interrogado
O condutor que dirigia o ônibus da empresa Conenge, Armando Anselmo Farias, prestou depoimento ontem ao delegado regional de Sete Lagoas, André PelliApesar da urgência na oitiva, já que o motorista ainda está internado no Hospital Imaculada Conceição, em Curvelo, o policial preferiu não divulgar o teor da conversa, afirmando que precisa checar informações passadas por Farias“Ele está medicado e muito emotivo ao falar do acidentePrestou esclarecimentos que precisam ser averiguados e que não podem ser revelados ainda”, disseSobre a dinâmica do desastre, o policial não adiantou se Farias confirmou que fazia uma ultrapassagem no momento da colisão“Mas, segundo o outro motorista (da carreta), ele estava, sim, na contramão, fazendo uma ultrapassagem”, disseArmando Anselmo Farias sobreviveu ao choque entre os dois veículos com apenas uma fratura no braço.