A Prefeitura de Belo Horizonte tem um desafio pela frente: tirar do papel as ações previstas na Lei nº 10.443, publicada ontem no Diário Oficial do Município (DOM), que trata da ocupação das áreas sob os viadutos da cidade. A ideia é levar brinquedos, feiras de artes, música, dança e artes cênicas a esses locais, que serão destinados à prática de esporte, lazer e cultura. A iniciativa é vista como positiva pela população, mas na prática esbarra em uma série de problemas. Basta dar uma volta pela capital para perceber que os viadutos estão tomados por moradores de rua, população que chega a 1,2 mil pessoas. Muitos são usuários de droga, especialmente de álcool e crack. Há ainda o problema do lixo e da degradação das estruturas viárias.
Previsto para ser regulamentado em 120 dias, o texto não detalha quais serão os locais e quais equipamentos cada um terá. Isso será possível em um estudo técnico multidisciplinar, capaz de mostrar o potencial dos espaços embaixo de cada viaduto, que será elaborado pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano. “Essa é uma lei bem completa e com texto muito apropriado, já que prevê o uso de áreas que hoje são ociosas. Os viadutos cumprem sua função como estruturas viárias, mas causam um impacto muito grande na ambiência da cidade. Vamos mapear esses espaços e implantar ações e equipamentos”, explicou o secretário municipal de Governo, Josué Valadão. O custo para implantação do programa ainda não foi estimado, mas o secretário afirma que o estudo deve estar pronto no segundo semestre.
REAÇÃO
Dona de uma banca de revistas em frente aos viadutos do Bairro Lagoinha, Leda Lúcia Francisca de Paula, de 38 anos, recebeu bem a proposta. “A gente fica doido para ter um banco e brinquedos aqui na praça. Os trabalhadores da região não têm espaço para descansar. Com espaços de lazer sob os viadutos, isso estaria resolvido.
A convivência entre a população de rua, conta Wagner, faz com que eles criem uma nova família. “A gente fica tudo junto. Todo mundo é irmão, amigo. Um vem e traz uma garrafa de pinga, um cigarro. A comida a gente pede no comércio. Hoje vamos fazer muxiba de frango com pimentão”, disse. A comida, preparada pela também moradora de rua Simone Pinto São Miguel, de 35, era feita em uma lata de tinta vazia colocada em um fogão à lenha improvisado sobre a calçada de um dos viadutos da Lagoinha. Todo mundo aqui tem problema com a bebida. Já tomamos uma 10 garrafinhas de pinga hoje”, disse Simone. Sobre a proposta da prefeitura , diz reticente: “Acho que não vai dar certo. Quem vai querer ficar em baixo de viaduto?”
ESTRATÉGIA
Do outro lado da rua, no gramado do viaduto de ligação do Centro com a Avenida Antônio Carlos, uma turma fuma crack. Eles não gostam de conversar com estranhos e são hostis na abordagem. A poucos metros da turma, o morador de rua Helton Jony Cardoso Reis, de 21, há três anos no Complexo da Lagoinha, conta: “Vim para cá por desavença familiar. Não tenho onde morar. Vivo na rua, escondo minhas roupas por aí”, conta. Apesar de achar boa a proposta da prefeitura, o rapaz diz não ver muito efeito prático. “Eles vão colocar equipamentos para as pessoas usarem, mas como vão fazer com as pessoas que moram aqui?”
Entre as estratégias para fazer com que a população de rua não se torne um entrave na implantação do programa, o secretário Josué Valadão aponta que todo um trabalho de assistência e promoção social será feito. “Não temos o direito de retirar as pessoas da rua, mas temos a esperança de que eles também participem das ações. Vamos fazer um trabalho social intenso com eles”, afirmou.