Jornal Estado de Minas

Penitenciária José Maria Alkmin completa 75 anos e preserva origens agrícolas

Os detentos trabalham na lavoura cuidando do gado. O prédio faz história, o cartunista Henfil nasceu lá

Glória Tupinambás

Hoje, 1,25 mil presos estão encarcerados na penitenciária. A maioria trabalha. Inaugurado em 1938, presídio foi tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Ribeirão das Neves - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Grades, muralhas e portões que privam os condenados da liberdade também guardam, a sete chaves, parte importante da história de MinasA primeira penitenciária do estado, a José Maria Alkmim, completa 75 anos de funcionamento em 2012 com uma coleção de fatos e episódios que vão muito além da sua trajetória carceráriaO presídio foi berço de personalidades de renome do país, como o cartunista, jornalista e escritor Henrique de Souza Filho, o Henfil; e o jogador de futebol Wilson Piazza, craque em duas Copas do Mundo na década de 1970Com pavilhões de arquitetura modernista inspirados em estabelecimentos penais da Inglaterra e da França, a penitenciária é protegida por tombamento municipal, aprovado pelo Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Ribeirão das Neves.

Construída a partir de 1927, a mando do então presidente da República Washington Luís, a primeira penitenciária de Minas foi instalada na zona rural de Contagem, numa localidade conhecida como Fazenda das Neves, com 925 hectaresO isolamento da região fez com que os operários abrissem uma estrada de terra para acesso ao local e fossem obrigados a construir casas no entorno do presídio para viver com as famílias no período das obras, que se arrastaram por 10 anosEm 1937, a Lei 968 criou a Penitenciária Agrícola de Neves, com quatro pavilhões, 200 casas para funcionários e nada menos que 300 mil pés de laranjas.

“O presídio só foi inaugurado em 1938, porque o presidente Getúlio Vargas não tinha agenda para participar da cerimônia antes dissoMuitos comentavam que, no discurso, Vargas falou da honra de criar a primeira penitenciária autossustentável do continente sul-americano e ela se manteve como um modelo para o sistema carcerário no Brasil por muitas décadas”, lembra o funcionário mais antigo da unidade, Salvador Thomé da Silva, de 76 anosTrabalhador e morador da penitenciária desde 1959, ele fala com orgulho da época em que os presos cultivavam lavoura, criavam gado e eram operários de fábricas de calçados, uniformes, brinquedos e tijolos – tudo instalado dentro dos muros da prisão.

A vocação agrícola e industrial fez da José Maria Alkmin uma penitenciária pioneira no Brasil no incentivo ao trabalho para recuperação de detentosA grande produtividade dos velhos tempos, quando o presídio chegou a manter uma loja em Belo Horizonte para comercializar frutos do serviço dos presos, ficou no passadoMas hoje a unidade ainda faz questão de manter traços da época: cerca de 80% dos 1.250 presos suam a camisa diariamenteSegundo o diretor-geral Igor Tavares, 890 deles vão para as ruas trabalhar em parceria com a iniciativa privada e 80 prestam serviço dentro do presídio na manutenção da unidade ou em atividades agrárias.

“Mantemos a vocação para o trabalho e incentivamos a profissionalização dos presos

Os que cumprem pena em regime mais flexível vão para a rua diariamente, sem vigilância direta, atuar na construção civil e em obras importantes, como a reforma do MineirãoDentro da unidade, outra turma cultiva horta, tira leite, faz a limpeza e manutenção dos pavilhões e trabalha em fábricas instaladas dentro do presídioTemos empresas de beneficiamento de alho, de fabricação de tijolos e blocos de cimento e todo o pão consumido na Secretaria de Estado de Defesa Social é feito pelos detentosAlém disso, 315 deles estudam, sendo que quatro fazem faculdade a distância”, explica Igor Tavares.

Familiar

Se nos pavilhões o clima é tenso, com a vigilância constante de agentes armados e cães farejadores, a poucos dos muros impera uma atmosfera familiarA penitenciária é cercada por 64 casas – todas da época da construção –, onde ainda vivem funcionários da unidadeNuma delas, a de número 21, nasceu Henfil, em 5 de fevereiro de 1944Na época, o pai do cartunista, Henrique de Souza, trabalhava como chefe do almoxarifado da penitenciária, a convite do diretor da unidade, o político José Maria Alkmin, primo de segundo grau da famíliaNa moradia de telhado alto na Vila Esplanada, cercada por palmeiras-imperiais e um exuberante gramado, os Souza viveram até 1945, quando se transferiram para a capital.

Atual morador da casa de Henfil, Rizzini Edson Peixoto, de 60, conta histórias da família Souza“Vi fotos deles na casa e soube que aqui nasceram dois filhos – Henfil e Maria da GlóriaTenho orgulho de ajudar a cuidar deste patrimônio”, diz Rizzini, que se aposentou como coordenador do serviço jurídico da penitenciária
Em outra casa do presídio, a de número 46 da Vila Cacique, nasceu o jogador de futebol PiazzaTambém filho de um funcionário do presídio, o craque viveu ali parte da infância até despontar nos gramados como craque do Cruzeiro e da Seleção Brasileira, tendo ajudado na conquista do tricampeonato na Copa do Mundo do México, em 1970.

Almoço para JK


Trecho do livro O rebelde do traço – A vida de Henfil, de Dênis de Moraes: “Dos oito filhos de dona Maria e seu Henrique, os quatro primeiros nasceram em Bocaiúva e dois – Maria da Glória e Henrique – em NevesVista de longe, a penitenciária parecia um colossal castelo, fincado em meio a laranjaisOs Souza ocupavam uma casa de telhado alto na vila número 21Os próprios detentos cuidavam de plantações e hortas, inclusive a plantada nos fundos da residência do almoxarife(…) Um domingo por mês, Alkmin reunia caciques políticos para almoços preparados pela prima MariaUm dos que se deliciaram com o seu frango ao molho pardo foi Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo HorizonteHenfil veio ao mundo em 5 de fevereiro de 1944.”

Linha do Tempo

1927: Início da construção da primeira penitenciária de Minas, na antiga Fazenda das Neves, num terreno pertencente ao município de Contagem
1937: A unidade foi oficialmente criada pela Lei 968Antes mesmo da inauguração da Penitenciária Agrícola de Neves, chegam os primeiros detentos
1938: Penitenciária é inaugurada pelo então presidente Getúlio Vargas, em 18 de julho
1943: Em 25 de fevereiro, nasce Wilson da Silva Piazza, na casa de número 46O pai do jogador era funcionário da unidade e a família vivia numa das residências da Vila Cacique
1944: Em 5 de fevereiro, nasce Henrique de Souza Filho, o Henfil, na casa de número 21O pai de Henfil era chefe do almoxarifado da unidade na época e a família morava numa das casas da Vila Esplanada
1948: Primeira rebelião na penitenciáriaFuncionários foram feitos reféns por cinco dias
1998: Rebelião mais violenta da história da penitenciáriaO movimento durou uma semana e o corpo de um dos detentos mortos foi pendurado no mastro, na entrada do prédioEm 2001, ocorre a última rebelião
2007: O Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Ribeirão das Neves aprova o tombamento municipal da penitenciária