Por um sinal de R$ 50 mil, qualquer pessoa com curso que forma motoristas de táxi em 10 dias pode conseguir no ato um carro do ano, adesivado e emplacado para trabalhar como taxista em Belo Horizonte. São 20 dias para rodar sem licença e faturar até que o documento seja transferido para o comprador, sem licitação e mediante o pagamento de mais R$ 110 mil. O negócio rápido, sem impostos ou embaraço, é oferecido por empresas que operam um mercado paralelo de licenças no entorno do Sindicato dos Taxistas (Sincavir), no Bairro Ipiranga (Região Leste). Às vésperas da conclusão da licitação que pretende regularizar o setor de táxis, a reportagem do Estado de Minas mostra como é fácil comprar permissões e como o processo de concessão, que termina em 11 de junho, pode não barrar esse tipo de negócio, considerado irregular pelo Ministério Publico Estadual.
Operando num mercado que movimenta cerca de R$ 30 milhões por ano, empresas vendem diariamente permissões de táxi de Belo Horizonte a menos de 50 metros do Sincavir, em portas de lojas que não têm qualquer indicação dos serviços que prestam ou em firmas que oferecem seguros e reparos mecânicos. Levantamento do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público (Caopp) indica que das 5.955 permissões para prestação de serviço de táxi em vigor na capital mineira, pelo menos 2.500 (42%) foram transferidas irregularmente, muitas delas por pessoas ou empresas donas de mais de um táxi, mas que deixam as permissões em nome de laranjas. “Como não se pode negociar oficialmente a concessão, um contrato de gaveta entre permissionário e comprador é feito e a transferência é realizada como se fosse uma doação, o que para a lei não configura comércio”, descreve o promotor Leonardo Barbabela, coordenador do Caopp.
Uma das empresas que captam concessões e as negociam para terceiros funciona próximo ao Sincavir. Quando o assunto é “compra de placas”, a secretária que atende na entrada indica a sala ao lado, onde trabalham dois advogados. Em meio a volumes de documentos e folhas de cheque sobre a mesa, um homem se apresenta como sócio da empresa, diz ter licença para vender e dá seu preço: “Tenho sim (permissão à venda). ‘Tá’, R$ 125 mil. Terminando o curso (de taxista), você tira duas certidões. O mais difícil é isso aqui (sinalizando dinheiro, ao esfregar os dedos indicador e polegar). Marcamos a transferência na BHTrans e você nos dá um sinal”. A BHTrans confirma que cobra R$ 900 pela transferência de concessões, mas informou não fazer o serviço quando as certidões são vendidas. Contudo, a empresa considera “impossível” saber se as permissões doadas que chegam para ser transferidas foram, na realidade, compradas.
‘Solteiras’
Perguntado sobre permissões que vêm com o veículo, o advogado que oferece licenças se entusiasma. “Sem o carro, a gente chama a licença de solteira. Mas tenho uma boa aqui que já está com um Meriva 2011/2012. Ele (o permissionário) quer R$ 160 mil.” O homem telefona pelo celular para o proprietário. “Ô filho, beleza? Deixa eu te falar: aquele Meriva tá aqui na área? Essa permissão com o Meriva é quanto o total dela? Um, meia, zero. Então, se der um sinal pode começar a rodar já”, confirma. A negociação continua pelo telefone. “Marcando hoje, deve dar para dia 16, dia 20. Se der um sinal bom pode começar a rodar hoje”, diz, terminando o telefonema. “(O carro) Está aqui em cima, se quiser dá para ir a pé para ver. Se der uns ‘40 conto’ (R$ 40 mil) pode começar a rodar”, afirma o advogado.
Enquanto é acompanhado pelas ruas do Ipiranga, o advogado conta mais sobre seus negócios. “Aqueles cheques (na mesa) que estou preenchendo para depositar são de uma permissão que vendemos esta semana. A solteira (permissão sem o carro) tá na faixa de R$ 130 mil, R$ 125 mil e leva um mês mais ou menos para sair. O dono cobra R$ 120 mil e a gente ganha comissão (de R$ 5 mil). A do Meriva, não. A do Meriva é pronta entrega. Se você der um sinal já sai rodando”, detalha.
Assim que entrana oficina onde está o carro, o advogado é cumprimentado pelos mecânicos, que o chamam de "chefe". O Meriva fica num canto dos fundos. Tem taxímetro digital aferido e todos os adesivos da BHtrans. Um carro seminovo, com 20 mil quilômetros rodados. A lataria do lado direito tem alguns amassados. “Um carro desses é quase ‘50 conto’ (R$ 50 mil). Pode rodar nele uns três anos. Aí vai querer trocar”, diz, enquanto telefona de novo para o dono. O sinal então sobe. “Vai levar 20 dias para transferir, mas se der R$ 50 mil pode começar a rodar hoje. Faço um contrato com o nome de vocês. Tipo: você deu um sinal de tanto na compra da permissão e do veículo placa tal, permissão número tal, coisa besta”, considera.
Quando perguntado se é possível ter mais de uma licença, a resposta é natural: “Em seu nome, não. Você pode pôr no nome do seu irmão, da sua mãe, contanto que façam o curso. Tem de ser uma pessoa de muita confiança. Já vi quem coloca em nome do amigo e o cara some. Tenho cliente que colocou em nome do cara. Aí o cara morreu. A viúva falou: ‘Não, o táxi é meu’”.
Trecho de conversa com advogado que vende licenças
Pergunta: Queria comprar uma placa de táxi. Você tem para vender?
Resposta: Tenho sim. R$ 125 mil. Terminando o curso você tira duas certidões, uma no fórum outra na internet. O mais difícil é isso aqui (sinaliza dinheiro ao esfregar os dedos indicador e polegar). Mais difícil é ter a placa, o resto é fácil.
Pergunta: Tem jeito de comprar uma (licença) com carro junto?
Resposta: Tenho uma que já está com o carro. Tá com um Meriva 2011/2012. Parece que ele (permissionário) quer R$ 160 mil. Ele está aqui em cima, se quiser dá para ir a pé. Se você der uns 40 conto (R$ 40 mil) já pode começar a rodar com ele.
O que diz a lei
A Portaria 190/2008, da BHTrans, estabelece que cada permissionário pessoa física deterá uma única permissão e cada empresa um mínimo de seis e máximo de 30. Para cada licença é admitido um veículo. As permissões têm caráter precário, inalienável, impenhorável e incomunicável. É vedada a subpermissão e a transmissão por falecimento do permissionário. As permissões outorgadas por licitação têm caráter personalíssimo e são intransferíveis.
Operando num mercado que movimenta cerca de R$ 30 milhões por ano, empresas vendem diariamente permissões de táxi de Belo Horizonte a menos de 50 metros do Sincavir, em portas de lojas que não têm qualquer indicação dos serviços que prestam ou em firmas que oferecem seguros e reparos mecânicos. Levantamento do Centro de Apoio às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público (Caopp) indica que das 5.955 permissões para prestação de serviço de táxi em vigor na capital mineira, pelo menos 2.500 (42%) foram transferidas irregularmente, muitas delas por pessoas ou empresas donas de mais de um táxi, mas que deixam as permissões em nome de laranjas. “Como não se pode negociar oficialmente a concessão, um contrato de gaveta entre permissionário e comprador é feito e a transferência é realizada como se fosse uma doação, o que para a lei não configura comércio”, descreve o promotor Leonardo Barbabela, coordenador do Caopp.
Uma das empresas que captam concessões e as negociam para terceiros funciona próximo ao Sincavir. Quando o assunto é “compra de placas”, a secretária que atende na entrada indica a sala ao lado, onde trabalham dois advogados. Em meio a volumes de documentos e folhas de cheque sobre a mesa, um homem se apresenta como sócio da empresa, diz ter licença para vender e dá seu preço: “Tenho sim (permissão à venda). ‘Tá’, R$ 125 mil. Terminando o curso (de taxista), você tira duas certidões. O mais difícil é isso aqui (sinalizando dinheiro, ao esfregar os dedos indicador e polegar). Marcamos a transferência na BHTrans e você nos dá um sinal”. A BHTrans confirma que cobra R$ 900 pela transferência de concessões, mas informou não fazer o serviço quando as certidões são vendidas. Contudo, a empresa considera “impossível” saber se as permissões doadas que chegam para ser transferidas foram, na realidade, compradas.
‘Solteiras’
Perguntado sobre permissões que vêm com o veículo, o advogado que oferece licenças se entusiasma. “Sem o carro, a gente chama a licença de solteira. Mas tenho uma boa aqui que já está com um Meriva 2011/2012. Ele (o permissionário) quer R$ 160 mil.” O homem telefona pelo celular para o proprietário. “Ô filho, beleza? Deixa eu te falar: aquele Meriva tá aqui na área? Essa permissão com o Meriva é quanto o total dela? Um, meia, zero. Então, se der um sinal pode começar a rodar já”, confirma. A negociação continua pelo telefone. “Marcando hoje, deve dar para dia 16, dia 20. Se der um sinal bom pode começar a rodar hoje”, diz, terminando o telefonema. “(O carro) Está aqui em cima, se quiser dá para ir a pé para ver. Se der uns ‘40 conto’ (R$ 40 mil) pode começar a rodar”, afirma o advogado.
Enquanto é acompanhado pelas ruas do Ipiranga, o advogado conta mais sobre seus negócios. “Aqueles cheques (na mesa) que estou preenchendo para depositar são de uma permissão que vendemos esta semana. A solteira (permissão sem o carro) tá na faixa de R$ 130 mil, R$ 125 mil e leva um mês mais ou menos para sair. O dono cobra R$ 120 mil e a gente ganha comissão (de R$ 5 mil). A do Meriva, não. A do Meriva é pronta entrega. Se você der um sinal já sai rodando”, detalha.
Assim que entrana oficina onde está o carro, o advogado é cumprimentado pelos mecânicos, que o chamam de "chefe". O Meriva fica num canto dos fundos. Tem taxímetro digital aferido e todos os adesivos da BHtrans. Um carro seminovo, com 20 mil quilômetros rodados. A lataria do lado direito tem alguns amassados. “Um carro desses é quase ‘50 conto’ (R$ 50 mil). Pode rodar nele uns três anos. Aí vai querer trocar”, diz, enquanto telefona de novo para o dono. O sinal então sobe. “Vai levar 20 dias para transferir, mas se der R$ 50 mil pode começar a rodar hoje. Faço um contrato com o nome de vocês. Tipo: você deu um sinal de tanto na compra da permissão e do veículo placa tal, permissão número tal, coisa besta”, considera.
Quando perguntado se é possível ter mais de uma licença, a resposta é natural: “Em seu nome, não. Você pode pôr no nome do seu irmão, da sua mãe, contanto que façam o curso. Tem de ser uma pessoa de muita confiança. Já vi quem coloca em nome do amigo e o cara some. Tenho cliente que colocou em nome do cara. Aí o cara morreu. A viúva falou: ‘Não, o táxi é meu’”.
Trecho de conversa com advogado que vende licenças
Pergunta: Queria comprar uma placa de táxi. Você tem para vender?
Resposta: Tenho sim. R$ 125 mil. Terminando o curso você tira duas certidões, uma no fórum outra na internet. O mais difícil é isso aqui (sinaliza dinheiro ao esfregar os dedos indicador e polegar). Mais difícil é ter a placa, o resto é fácil.
Pergunta: Tem jeito de comprar uma (licença) com carro junto?
Resposta: Tenho uma que já está com o carro. Tá com um Meriva 2011/2012. Parece que ele (permissionário) quer R$ 160 mil. Ele está aqui em cima, se quiser dá para ir a pé. Se você der uns 40 conto (R$ 40 mil) já pode começar a rodar com ele.
O que diz a lei
A Portaria 190/2008, da BHTrans, estabelece que cada permissionário pessoa física deterá uma única permissão e cada empresa um mínimo de seis e máximo de 30. Para cada licença é admitido um veículo. As permissões têm caráter precário, inalienável, impenhorável e incomunicável. É vedada a subpermissão e a transmissão por falecimento do permissionário. As permissões outorgadas por licitação têm caráter personalíssimo e são intransferíveis.