Se, na juventude, eles deixaram a barra da saia dos pais para formar a própria família, agora, com mais de 60, deixam a própria família em busca de mais independênciaCom a chegada do país à maturidade, idosos brasileiros têm feito o movimento de sair de casa pela segunda vez para morar sozinhos, seja em quitinetes, hoteis ou mesmo resorts preparados especialmente para recebê-los“Minhas duas filhas saíram de casa cedo, aos 18 anosDeixei cada uma seguir seu caminhoAgora, é a minha vezTambém quero morar sozinha”, comunica Maria José de Souza Oliveira, de 86 anos, abrindo um largo sorrisoA aposentada deixou o cômodo construído especialmente para ela na mansão de uma das “meninas” e transferiu a mobília para um resort especializado em hóspedes da terceira idade, inaugurado há 20 dias em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Desde o início da construção desse hotel de luxo para idosos, há 10 anos, Maria José sonha com o dia da inauguração do espaço, que conta com piscina aquecida, sala de pilates, cinema, capela, serviço de fisioterapia e salão de beleza“Sinto falta da minha filha, mas lá na casa dela não tenho com quem conversarEla e meus dois netos trabalham o dia inteiro e não têm tempo nem para almoçarAqui, tenho com quem conversar”, revela a aposentada, que, antes de se decidir, pesquisou iniciativas semelhantes no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro“Não passam de asilos de luxo
Com 14 mil metros quadrados, incluindo lago e pomar, o empreendimento Solar dos Rosas, com 42 apartamentos, foi bancado pela congregação italiana das Irmãs Discípulas de Jesus Eucarístico, que chegou ao Brasil há 61 anos com a missão de atender crianças carentesCom a transformação social do país, que envelheceu e se tornou mais próspero, as irmãs modificaram o foco de atuação“Antes, a carência era materialAgora, os idosos têm mais dinheiro, mas falta presença, carinho, conversaEstamos tentando criar aqui um verdadeiro lar para eles”, afirma a irmã Edna Corrêa Soares, diretora do hotel.
O novo projeto de vida de Maria José conta com o apoio da outra filha dela, a empresária Luciana Oliveira Smith, de 50, que vive há 15 anos na Nova ZelândiaLuciana explica que, naquele país, os filhos já compram de antemão o passe para as melhores casas de apoio para idosos“As melhores têm fila de espera e quem não pode pagar tem subsídio do governo”, afirma a empresária, que está passando as férias com a mãe no BrasilPor enquanto, Maria José apenas tira o dia descansando no hotel e vai embora à tardinha.
“Meu motivo é outroQuero ter minha privacidade e respeitar a privacidade dos meus filhos”, revela Anita Hermont Rocha, de 87, bengala e coque prateado coroando a excelente memóriaMuito séria, explica já ter colocado à venda a casa da família, na mesma cidade de Lagoa Santa, onde morou nos últimos 18 anos
Autonomia
Quem decide se quer morar sozinho, se deseja viver em um hotel ou se aceita mudar para o quarto dos fundos da casa dos filhos é sempre o idosoSegundo especialistas da área de geriatria, não existe limite de idade para decidir o rumo da própria vida e a autonomia de cada um deve ser respeitada“Tenho uma aluna com mais de 80 anos que faz dança do ventre, joga tênis e cursa a faculdade da terceira idadeSe preciso dar uma aula extra, tenho de agendar com antecedência, pois ela nunca tem tempo livre”, comenta a psicóloga Ana Cristina Pergoraro de Freitas, coordenadora da PUC Mais Idade, projeto de universidade da terceira idade da PUC MinasSegundo ela, é importante interagir com a nova rede de amigos do clube, da paróquia, da associação de bairro ou da praia.
“Vivemos uma fase de transição no Brasil, que ainda não pensou em gerar formas alternativas de morar para os idososNas décadas de 1940 a 1960, as famílias eram numerosasHoje, são formadas de dois a três filhos, a mulher também trabalha e não fica mais disponível para cuidar dos pais”, alerta a enfermeira Luzimar Rangel Moreira, especialista em gerontologiaSegundo ela, a imensa maioria das pessoas acima de 60 anos está ficando sozinha em casa, bancando os custos da residência e ajudando a tomar conta dos netos.
Somente 1,6% dos idosos de Belo Horizonte viviam em instituições de longa permanência, de acordo com o último levantamento feito na capital, em 2006“O fator que determina a capacidade de morar sozinho não é a idade, mas sim a lucidez e a existência ou não de uma doença incapacitante”, completa a enfermeira, sócia de uma empresa de internação domiciliar na capital.
“Um dia, um paciente entrou no meu consultório e confessou seu pavor de que algum dia precisasse de ajuda para lhe trocarem a fralda quando ficasse mais velhoRespondi a ele que pior ainda seria precisar trocar a fralda e não encontrar ninguém para fazer isso”, afirma o psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade, casado e sem filhosAlém de abonar a consulta do tal paciente, o médico começou desde aquele dia a idealizar uma maneira de resolver o problema do cliente, dele próprio e de todos nós que estamos envelhecendoAndrade pretende angariar o patrocínio de uma grande empresa para lançar um plano de aposentadoria conjugado a um pacote de hospedagem futura.
“Serão grupos de pessoas de um mesmo perfil, uns por gostarem de lambada e outros de música clássica, que vão pagar pela garantia de ter um lugar para envelhecer em segurança, nas mãos de bons médicos e cercados de amigos com os mesmos interessesPode ser um condomínio de pessoas, desde que haja uma auditoria contratada”, propõe.
Palavra de especialista
Psicóloga Anna Cristina Pegoraro de Freitas, coordenadora do Programa PUC Mais Idade – Universidade para Idosos
Ter um projeto de vida é essencial
“Geralmente, as pessoas não se percebem velhas e só se dão conta da sua idade quando alguém a chama de senhora ou cede o lugar para ela sentarMas elas precisam continuar vivendo com um propósitoNossa orientação é manter o máximo possível o idoso no seu espaço, se necessário na companhia de um cuidador, fazendo com que ele não perca suas referênciasÉ mais coerente do que deslocá-lo para a casa de um filho ou para outro espaçoEsse movimento só é indicado quando ele começa a perder sua capacidade funcional ou a apresentar uma doença incapacitante, como a demênciaO ideal é que ele possa continuar a cozinhar, limpar a casa, tomar suas medicações e gerenciar sua própria vida.”