A rotina de sair de casa às 4h e só voltar às 22h já dura 35 anos e é definida como “escravidão” pelo taxista Abraão (nome fictício), de 60 anosEle não foi agraciado com uma permissão para o serviço de táxi nem saiu vencedor na última licitação da BHTrans, em 1995Para sobreviver, Abraão tornou-se “diarista”Paga todos os dias R$ 120 para um permissionário, mais R$ 80 de combustívelResultado: sai da garagem devendo“Para compensar o dinheiro que gasto com a diária e a gasolina preciso dirigir o dia inteiro”, contaAlém das negociações de concessões públicas que ocorrem à margem da lei em Belo Horizonte, como o mostrou ontem o Estado de Minas, permissionários com uma ou mais placas exploram o aluguel de seus táxis a condutores que não têm essa licença nem são auxiliares cadastradosA prática é proibida por norma da BHTrans.
Nos fundos de oficinas repletas de táxis e até em postos de combustíveis, a reportagem do EM encontrou pelo menos quatro escritórios que recrutam e exploram o aluguel de seus táxisAs firmas funcionam dia e noite nos bairros Ipiranga, Ermelinda, São Cristóvão e CachoeirinhaEm Belo Horizonte, os táxis são licenciados a permissionários que só podem ter um veículo e um motorista auxiliarO auxiliar é ligado a um táxi específico e não pode dirigir outro, sob pena de perder sua licença
No Bairro Cachoeirinha, na Região Nordeste, a negociação de táxis para alugar ocorre em uma oficina quieta, de pouco movimento e apenas dois mecânicos
No Bairro São Cristóvão, Região Noroeste, outra oficina serve de disfarce para o aluguel de táxisDepois de passar pelo portão azul, na recepção, um taxista com uniforme de cooperativa aconselha procurar os mecânicos de macacões azuisUm deles aponta para os fundos da oficina, onde há vários táxis estacionadosMostra uma mulher de meia-idade, responsável por organizar o aluguel dos veículosPerguntada sobre as vagas, diz que todas estavam preenchidas“Tá todo mundo rodando, sem nem previsãoNão vou nem fazer uma ficha para você porque estamos com todos os carros ocupados”Como os demais agenciadores, ela confirma que não é necessário vincular o taxista à licença, ou seja, torná-lo auxiliarPara ficar com o carro por 24 horas o taxista precisa pagar R$ 120“Pega agora e entrega no outro diaNa hora preenche cadastro com o seu endereçoPega o carro com o tanque cheio e devolve ele do mesmo jeitoVem passando aí que quando tiver uma vaga a gente faz seu cadastro”, disse.
Entenda o caso
- Os táxis de Belo Horizonte são concedidos a permissionários, que só podem ter um carro em seu nome e um motorista auxiliarCada auxiliar é ligado a um táxi específico e não pode dirigir outro.
- No esquema irregular de aluguel por diárias, os permissionários burlam a legislação e por meio de laranjas adquirem mais de um veículo.
- Os permissionários, então, alugam sua frota a motoristas que têm curso de taxista e cadastro na BHTrans mas não são auxiliares, por diárias de 24 horas a partir de R$ 120.
-A fiscalização dos condutores, para saber se são ligados à licença daquele veículo, cabe à BHTrans, que informou não ter conhecimento do esquema e admitiu não ter punido ninguém.