Jornal Estado de Minas

Número de veículos que fazem transporte irregular já é 21% superior à frota legal

Proibição de circulação de carros com mais de 15 anos pode agravar problema em Minas

Mateus Parreiras Luiz Ribeiro

Van disputa passageiros espremida entre dois ônibus em ponto na BR-040, sentido BH/Sete Lagoas. Cada ônibus concorre com pelo menos cinco peruas ou carros menores no embarque - Foto: JACKSON ROMANELLI/EM/D.A PRESS


O transporte clandestino de passageiros avança sem controle nas estradas de Minas, já supera a frota legalizada, causa prejuízo aos cofres públicos e às empresas autorizadas e põe milhares de passageiros em risco de acidentes e mortesEnquanto os transportadores legais reduzem linhas e perdem veículos aposentados pela idade, os piratas do sistema paralelo, os chamados perueiros e piolhos, tomam conta de cidades inteiras, principalmente no Norte de Minas, onde o problema é mais graveA estimativa do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) é de que chegue a 20 mil o número de veículos irregulares circulando no estado, 21% superior à soma da frota legalizada, de 16.470.

A situação tende a piorar, pois a legislação vigente vai retirar a partir do ano que vem 586 fretados com mais de 15 anos de fabricaçãoO volume desses veículos chega a 7% (568) dos 8.470 registrados no DERO setor e os sindicatos já avisaram que não serão capazes de repor as perdas com rapidez, o que abre espaço para os irregularesO serviço é muito importante, principalmente no interior, onde estudantes, profissionais, servidores públicos e a população em geral dependem das linhas“Os clandestinos estão destruindo o transporte regular nessas cidadesEles competem com o serviço regulado pelo estado, oferecendo horários e preços mais atrativosAs empresas vão levando prejuízos e extinguem linhasAí, o irregular mostra sua face: começa a fazer os horários que quer e a cobrar quanto quiser”, alerta o diretor de Fiscalização do DER, João Afonso Baeta Costa Machado.

O doutor em engenharia de transportes e diretor da consultoria ImTraff, Frederico Rodrigues, avalia que a brecha da idade estimula a proliferação do transporte irregular“A demanda vai aumentar os clandestinos
Isto é ruim para população, porque é um serviço de menor qualidade e de insegurança”, considera.

As operações da Polícia Militar Rodoviária (PMRV) e do DER aumentaram em 70% os flagrantes de perueiros em 2011 em relação ao ano anteriorForam 3.334 e 1.971 registros, respectivamenteNo ano passado, de acordo com o DER, foram apreendidos 800 veículos, entre táxis, micro-ônibus e ônibus, resultando no desembarque de 16 mil passageiros e em multa aos infratores, que têm seus carros apreendidos.

Para fugir da fiscalização, perueiros estão trocando vans pelos carros de passeioNa tarde de ontem, a média para cada 10 carros de aluguel que paravam em um ponto de embarque da BR-040, no Bairro Kennedy, em Contagem, na região metropolitana, era de apenas dois ou três ônibusHá vans e outros veículosde passeio  antigos e em mau estado de conservação.

Pela manhã e no fim da tarde, quando muitos estão a caminho ou voltando do trabalho, a BR-040 fica lotada de perueirosEles ocupam pontos de ônibusOs coletivos, muitas vezes, não têm onde pararEm horários de pouco movimento, vários descansam na região dos motéis da 040 com o Anel Rodoviário, no Bairro Califórnia, Noroeste de BH.

Até taxista de Sete Lagoas faz transporte clandestinoEles param nos pontos e pegam passageiros no grito“Sete Lagoas, R$ 14, preço do ônibus”, grita um deles
Um Santana branco passa logo em seguida e o motorista anuncia: “Sete Lagoas, R$ 12,50”Um Ducato, com placa de Ribeirão das Neves, também leva passageiros para Sete Lagoas, mas por R$ 12.

Em frente à Ceasa, em Contagem, perueiros fazem fila depois das 15h, quando muitos trabalhadores começam a sair do localVários clandestinos chegam a circular dentro da Ceasa e param próximo à portaria de saída, junto a uma passarela, ao lado do ponto de ônibusNão demora muito e eles ficam lotadosQuatro rapazes seguiram espremidos no banco traseiro de um Uno.

O ritmo é frenéticoUma van quase foi atingida por um caminhão em alta velocidade ao retornar para a pistaAinda em frente à Ceasa, uma Sprinter ficou parada 10 minutos e uma moça atraía passageiros no gritoDeu tempo para uma mulher comprar um par de meias por R$ 1 no camelô e um churrasquinho na barraca ao lado.

Assim como as peruas, o comércio também é ilegal no entorno da CeasaOs camelôs são solidários com os perueiros e fazem o alerta da presença do fotógrafo do EMUm motorista, em tom de ameaça, diz que seus colegas estão retornando para saber de que se tratavaMuitos que embarcam levam sacos de laranja, batata e outras compras feitas na CeasaA passageira de uma Sprinter não tinha espaço nem para abrir o jornalA auxiliar de financeiro Stefany Braga Oliveira, de 19 anos, tomou medo de pegar perueiro depois que a prima foi assaltada“Dois passageiros da van sacaram armas, renderam todo mundo e mandaram o motorista seguir para a represa Várzea da FloresRoubaram e abandonaram todo mundo no meio do matoMinha prima só ficou com o celular, que escondeu no sapato”, conta Stefany.

Viagens para compras

Os táxis sem autorização para o transporte intermunicipal dominam o Norte de Minas Ao lado da Praça de Esportes, no Centro de Montes Claros, a longa fila de táxis dá uma ideia da quantidade de veículos que fazem o serviço irregularA fiscalização aparece raramente“Há cerca de 1,7 mil táxis fazendo transporte clandestino nas estradas do Norte de Minas”, revela o advogado Vitor Marcondes Albuquerque, que trabalha para empresas concessionárias do transporte intermunicipal.

Em diversas cidades, “empresas de turismo” fazem semanalmente o que classificam como “viagens para compras” a BH, na verdade um serviço informal com preço da passagem menor do que o das linhas regulares“É um tipo de transporte clandestinoÉ venda de passagem para quem quer viajar para a capital, independentemente da finalidade da viagem”, afirma AlbuquerqueSegundo ele, já foram protocoladas na Justiça cerca de 40 ações contra empresas e pessoas acusadas do transporte clandestinoPelo menos 80 ônibus fazem o transporte irregular no Norte do estado “pegando passageiro em qualquer lugar”, diz.

Por conta dos prejuízos, empresas de linhas regulares que atendem pequenos municípios do Norte de Minas deixaram de prestar o serviço“Elas não suspenderam o serviço de vez por apelo dos moradoresNo município de Lagoa dos Patos (de 4,4 mil habitantes), a empresa concessionária chegou a paralisar a linha para Montes Claros”, disseSituação semelhante ocorre na linha Montes Claros/ Francisco Dumont (de 4,8 mil habitantes).

Análise da notícia: Fiscalização omissa - Paulo Noqueira

É fácil e cômodo responsabilizar passageiros pelo aumento do transporte ilegal nas estradasSe há demanda, há veículos clandestinos em circulação, mesmo porque os passageiros estão literalmente na linha de frente do problemaÉ claro que o ideal, pensando em segurança e cidadania, é que todos evitem os clandestinos, principalmente devido ao risco de acidentes por falta de manutenção, por exemploO melhor seria coibir a oferta do serviço com fiscalização rigorosa nas cidades e nas estradasMas, além da ineficácia da fiscalização, o que se vê é uma impressionante omissão, como ocorre em Montes Claros, onde os veículos que fazem o transporte clandestino partem livremente de plena praça pública sem nenhuma repressão ou constrangimento em desrespeitar a lei.

Depoimento:  "Tão perigoso quanto uma roleta russa" - Pedro Ferreira

Pegar o transporte clandestino é tão perigoso e assustador quanto roleta russaNa tarde de ontem, embarquei num Voyage ano 1989, em péssimo estado de conservação e por alguns instantes achei que entraria nas estatísticas de morte da BR-040, sentido Sete LagoasAlém do carro velho, o motorista dirigia em alta velocidade e o volante parecia que iria soltar a qualquer momento nas mãos do motoristaO carro tinha problemas claros de suspensão e alinhamentoO relato do condutor deixou claro que qualquer um pode ser motorista, até mesmo alguém inabilitado Ele trabalha na Ceasa e para bancar o combustível sai parando de ponto em ponto de ônibus e gritando seu destinoPaga a gasolina e ainda sobram R$ 8 no bolso, segundo eleA alta velocidade do carro pareceu não incomodar as três senhoras do banco traseiroO que elas mais queriam era chegar cedo em casaE o motorista tambémFoi impossível medir a pressa dele, pois o velocímetro estava quebradoPaguei R$ 2 de um posto de combustível a outro e não faltou passageiro querendo ocupar a minha vaga.