De um lado, os caminhoneiros, aflitos por conseguir ganhar tempo em suas viagens, têm oferta ampla de drogas estimulantes. Nas estradas, os produtos ilegais são fornecidos por redes de traficantes, farmácias, restaurantes, postos de abastecimento, prostitutas e travestis, como mostrou a série de reportagens “Homens-bomba ao volante”. Por outro lado, enquanto deveriam ampliar a repressão, as forças policiais inibem cada vez menos essa atividade ilícita. No caso da Polícia Rodoviária Federal, as apreensões de anfetaminas (rebites) no ano passado foram as menores dos últimos quatro anos.
O volume dessas drogas recolhidas em 2011 se resumiu a 1.016 unidades, o que representa redução de 79% frente às 4.747 unidades apreendidas no ano anterior. Em 2009, foram 1.886 comprimidos e 2.759 em 2008. Apenas 27 caminhoneiros foram conduzidos a delegacias por uso de substâncias entorpecentes no ano passado inteiro, também o pior rendimento em quatro anos. O número representa 76% menos do que o ano anterior, quando 113 motoristas foram detidos. Em 2011, a PRF autuou 12 estabelecimentos por venda ilegal de anfetaminas, menos da metade dos 26 notificados em 2010. A corporação informou que tem ampliado as ações educativas como forma de reprimir o tráfico e a prostituição, e tem feito operações específicas para combater esses casos.
A Polícia Civil não conseguiu resultados melhores. A prostituição e a venda de anfetaminas manipuladas em farmácias das cidades de Frei Inocêncio e Matias Lobato, no Vale do Rio Doce, segue embalada nas mãos de prostitutas, frentistas e até de adolescentes aliciadas pelas próprias famílias, como mostrou o EM. “Não temos policiais lotados nesses locais, mas vamos investigar essa rede para coibi-la”, disse o delegado regional de Governador Valadares, responsável pela região. Em Montes Claros, no Norte de Minas, operações de repressão ao tráfico que usa prostitutas para chegar aos caminhoneiros ainda estariam sendo programadas.
Apenas a polícia de Resplendor, no Vale do Rio Doce, conseguiu rastrear e abriu inquérito para apurar a o tráfico de drogas com envolvimento de travestis em Governador Valadares, feito por meio do caminhão de uma cooperativa da cidade, como mostrou o EM. “O suspeito foi identificado e a empresa o demitiu. Todos os 52 motoristas fizeram exames toxicológicos. Estamos investigando as ligações dele com traficantes de Aimorés. A esposa disse que acredita nele e que o marido não tinha envolvimento com travestis”, disse o inspetor José Carlos Oliveira.
Azulzinho ao som de funk
Os golpes de martelos emborrachados para separar os pneus de caminhão das rodas são a única coisa que chama atenção para a borracharia. Afastado 50 metros do posto de combustíveis a que pertence, o casebre mal iluminado por lâmpadas amarelas é onde três homens vendem rebites e estimulantes sexuais, que chamam de azuizinhos. A reportagem se aproximou e pediu um deles, por R$ 10. Enquanto o mais velho dos traficantes corta com tesoura o comprimido da cartela, dá a “receita”: “Bebe a água fria. Manda o rebite. Toma um azulzinho. Bebe um conhaque. ‘Tá’ pronto para o chamego”. Com aparentes 18 anos, o mais novo, de touca na cabeça, canta um funk, com referência ao uso dos estimulantes coloridos com as prostitutas e o filme Avatar, em que os extraterrestres são azuis. "Cuidado aí meu colega. Se a mulher engravidar, vai nascer um avatar/Vai nascer uma avatar".