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Estado de Minas

Educação e capacitação profissional são desafios na reabilitação de criminosos

O Aqui Betim se propôs a debater a questão da criminalidade e algumas de suas vertentes em uma série de reportagens, que os leitores poderão conferem esta semana. Veja hoje a quinta matéria


postado em 11/05/2012 12:22 / atualizado em 11/05/2012 12:31

João (nome fictício) nasceu e cresceu em uma família de classe baixa e teve que trabalhar desde cedo para ajudar a sustentar sua família. Com pais ausentes e sem terminar seus estudos, ele foi atraído por uma solução fácil para seus problemas: o roubo. Já Roberto (nome fictício) não tinha um trabalho que lhe desse o estilo de vida que ele queria e que correspondesse com o de seus amigos. Mas eles tinham a solução prática e rápida, além de bem eficiente, para esses problemas: o tráfico. Nas duas histórias, que são verídicas, a entrada no mundo do crime foi uma resposta para aquilo que seus personagens queriam, mas que não podiam ter. Segundo especialistas, as alternativas poderiam ser evitadas com um pouco mais de instrução.

Educação de qualidade e capacitação profissional para todos. Essas são as duas bases que especialistas de todo o país consideram ser fundamentais para a prevenção e saída da vida no crime, respectivamente. Eles entendem que através da educação de qualidade no inicio da vida, e posterior capacitação, pode se evitar que alguém procure no crime o que pode ser encontrado no trabalho. Da mesma maneira, eles pontuam que, mesmo tardiamente, quando os detentos são apresentados com a possibilidade de terminar os estudos e aprender uma profissão, os efeitos podem ser muito positivos, como se de uma segunda chance. “A perspectiva do trabalho muda sua perspectiva de vida”, destaca o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciano Losekann.

Reabilitação

A implantação do modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) em mais locais do estado e do país é uma luta antiga de quem preza pelos Direitos Humanos e acredita na reabilitação. Essas unidades adotam um método baseado na corresponsabilidade dos detentos, chamados 'recuperandos', pela sua recuperação e na assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica, prestada pelas comunidades onde se situam.

Em tudo, as Apacs pensam o detento como alguém que tem toda a possibilidade de se recuperar. E a metodologia tem dado certo, já que, de acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a estimativa é de que a reincidência entre os egressos de unidades que adotam esse modelo seja de 15%, enquanto que nos demais modelos ela varie em 70%. “Esse modelo demonstra que esses presos, que receberam educação e qualificação, dificilmente voltam à vida do crime”, destaca Losekann.

Contudo, a grande maioria das instituições carcerárias do país funciona de maneira completamente diferente. Em Minas Gerais, apesar de muitas funcionarem bem, várias instituições ainda apresentam situações precárias. Como é o caso do Centro de Remanejamento de Presos do Sistema Prisional (Ceresp) Betim. De acordo com dados do CNJ, a unidade, que tem 402 vagas, teria recebido, em fevereiro desse ano, 1.040 detentos – mais que o dobro de sua capacidade. O cenário no resto do estado não é muito diferente considerando que Minas Gerais tem 13.500 detentos a mais que sua quantidade de vagas oferecidas. Todo esse cenário reforça a necessidade de trabalhar uma reabilitação séria e comprometida para que quem passa por esses espaços não saia da prisão como um criminoso formado, pronto para voltar ao crime.

Mesmo assim, ainda é possível encontrar exemplos de pessoas que, por motivos pessoais, religiosos ou boas oportunidades decidem se comprometer a ficar longe das ações criminosas. Roberto, de 35 anos, foi liberado em março desse ano do Ceresp Gameleira, em liberdade condicional por um crime de sequestro. Ele se apresentou à polícia quando solicitado já sabendo que iria ser preso, no ano passado, e foi réu confesso, o que significa que ele assumiu a culpa pelo delito cometido. Contudo, ele destaca que a decisão só foi tomada porque ele mudou de vida após sua última passagem pela prisão. “No principio de 2011 eu me converti e Deus fez um mover na minha vida. Eu quis falar a verdade. E se você praticar algum delito contra a Justiça dos homens você tem que cumprir. Meu objetivo agora é viver pela verdade e mostrar para as pessoas que viver no crime não é o caminho certo”, comenta.

Ele conta que um dos grandes motivadores para as pessoas se voltarem para o crime é a cobiça. “Muitas vezes o que me levava a fazer essas coisas era a cobiça, que muitos homens têm hoje. Eles precisam auto se afirmar, andar com dois, três revolveres e matar. Por isso que Betim está dessa forma, porque as pessoas têm perdido os valores e o amor ao próximo”, pontua. “Muitas vezes é a pessoa que não quer mudança, porque essa pessoa acha que é mais conveniente vender droga e ganhar dinheiro fácil”, destaca.

Depois da conversão ele conta que a volta à prisão foi completamente diferente. Durante os dois meses que Roberto passou no Ceresp Gameleira ele conta ter atuado como missionário entre os detentos e pregado a palavra de Deus, dia sim, dia não, em cultos que ele realizava na própria cela para os companheiros. Para ele, o evangelho não foi uma escolha por uma religião, “foi uma novidade de vida”. “Lá a gente tinha um trabalho missionário e tinha culto, no qual três pessoas até se renderam ao Senhor. Eu preguei essa verdade lá dentro”, relata.

Hoje, recém-saído da prisão, ele já trabalha de maneira autônoma como pintor e ajuda na igreja aonde congrega, como diácono. Lá ele limpa, carrega cadeiras, auxilia nos cultos e no que for preciso. Longe do crime e sem vontade nenhuma de volta, Roberto também pretende fazer palestras em escolas, futuramente, alertando jovens sobre os perigos do mundo do crime e contando um pouco de sua história de vida. “O mundo do crime não vai te dar nada, porque Deus fala que a raiz de todos os males é a ganância e a cobiça, a vaidade. Que homem desperte para isso, não só indo na igreja, mas vivendo a verdade”, é a mensagem que ele espera passar.

Trabalho

Por mais que a reincidência no crime ainda seja um grande problema no estado, algumas iniciativas têm sido tomadas para tentar reverter a situação. Em Belo Horizonte, assim como em outras capitais brasileiras que receberão jogos da Copa do Mundo 2014, parte dos operários dos canteiros de obras são presidiários ou ex-detentos. A iniciativa é coordenada pelo programa Começar De Novo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e promove a qualificação profissional e inclusão de presos e ex-presidiários no mercado de trabalho. Por meio dele, as empresas que vencerem licitações de obras de infraestrutura e serviços para o evento terão que destinar no mínimo uma e, no máximo, 5% do total de vagas previstas no contrato aos detentos e egressos do sistema carcerário. “Ele é um grande projeto que estimula empresas privadas e públicas a contratarem e qualificarem o trabalho carcerário”, aponta o juiz, que também é coordenador nacional do programa.

De acordo com ele, o Conselho trabalha cobrando dos estados certas posturas, como a de contratar a mão de obra carcerária para as obras da Copa. “Temos sete cidades-sede comprometidas a participar do projeto, incluindo Belo Horizonte. No mercado em geral já não se encontra mão de obra qualificada e o preso, por estar privado de liberdade, tem um momento oportuno para ser qualificado e colocado para trabalhar. Não quero soar assistencialista, mas muitos deles são ótimos no que fazem. É uma questão de lhes dar a oportunidade”, completa.

O mesmo projeto também é responsável por uma plataforma online que indica para os interessados vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário. Atualmente, o portal, que pode ser acessado pelo endereço www.cnj.jus.br/projetocomecardenovo, oferece quase três mil vagas de emprego e mais de 400 vagas para cursos em todo o país. Losekann ainda destaca que, além do cunho social, a possibilidade de trabalhar com presidiários pode ser muito rentável para empresários. “A lei estabelece que o empresário é obrigado a pagar até 3/4 de um salário mínimo para o preso cumprindo pena. Apesar de que alguns acham injusto pagar menos e acabam pagando o mesmo que seus outros funcionários. E ele também não é obrigado a recolher INSS, é facultativo. Então, para o empresário que investe nele (presidiário) é interessante por causa da redução de custos e ele tem a mão de obra qualificada que poderá ser inserida no quadro futuramente”, comenta.

De acordo com os números disponibilizados no portal, 2.318 vagas já foram preenchidas desde a inauguração do projeto, em 2009. Contudo, a assessoria de imprensa do CNJ afirma que o número real é muito mais expressivo. Segundo o órgão, o portal não vem sendo alimentado adequadamente pelos parceiros e seus números não refletem o alcance das ações de reinserção social no País. A assessoria ainda informou que “o Espírito Santo, por exemplo, tem cerca de 1,7 mil detentos e ex-detentos trabalhando; que o Distrito Federal tem pouco mais de mil nesta situação; que Minas Gerais desenvolve o Método Apac com centenas de atendidos e que o Maranhão também tem centenas de pessoas com trabalho”.
Em Betim nenhuma vaga foi encontrada disponível por meio da plataforma. Já cidades próximas como Belo Horizonte e Contagem têm algumas empresas parceiras com vagas disponíveis.

Encaminhamentos

Outra possibilidade de encaminhamento profissional é o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), que atende em onze municípios mineiros pessoas recém liberadas do sistema. Desenvolvido pelo governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Defesa Social, o programa oferece assistência psicológica, social, encaminhamento para cursos e postos de trabalho para egressos. “Atualmente, e esses dados são de 2011, temo 3321 egressos inscritos no programa. No ano passado também realizamos 18.124 atendimentos. Isso mostra que o egresso tem voltado com frequência considerável às unidades do programa, o que é um indicador interessante”, afirma a coordenadora do PrEsp, Daniela Tiffany.

Em 2009, o governo do estado também inaugurou o Projeto Regresso, em parceria com a em parceria com a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e o Instituto Minas pela Paz, que tem como proposta incentivar a contratação de egressos e detentos por empresas mineiras. “A predominância de encaminhamentos é para a construção civil. Temos um retorno positivo de 350 encaminhados, sendo 78 deles contatados, o que significa um índice de 22% de contratação”, comenta. Na contrapartida, os empresários interessados em aderir ao projeto ganham um incentivo por parte do Governo no valor de dois salários mínimos, durante 24 meses, para cada egresso contratado.


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