Jornal Estado de Minas

Baladas atropelam a Lei Seca em Belo Horizonte

Apesar do rigor da fiscalização, EM flagra muitos motoristas bebendo e dirigindo em seguida nas madrugadas de BH. Blitzes com bafômetros serão diárias a partir de julho

Guilherme Paranaiba Valquiria Lopes


“Fala, parceiro, posso estacionar aqui? Só vou ali beber uma cervejinha e já volto”, pergunta o jovem ao frentista ao entrar em um posto de gasolina que oferece bebidas alcoólicas na Zona Sul de Belo Horizonte
Essa frase resume bem a conduta do motorista quando o assunto é o respeito à Lei SecaOito meses depois das blitzes que caçam quem bebe e dirige, muita gente ainda ignora a polícia nas ruas e prefere correr o risco de ser pegoO EM percorreu ruas e avenidas da cidade, mediu a velocidade dos carros onde o movimento da boemia é grande e constatou que vários motoristas não têm o menor pudor em beber por horas e depois assumir o volanteAlguns chegam até a entrar no carro com garrafas de cervejaE os dois casos mais recentes da mistura de álcool e volante na Grande BH mostram que a situação é preocupanteEm dois acidentes, três pessoas morreram.

Na semana santa, o securitário Rodrigo de Oliveira Campos, de 26, dirigia um Vectra quando bateu em um Fiat Uno e causou a morte de um casal na Rua Jacuí, no Bairro Ipiranga, Nordeste da capitalEle seguia em alta velocidade e há suspeita de que estivesse sob influência de bebida alcoólicaNo outro caso, Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29, conduzia um Fiat Stilo nas proximidades do Viaduto da Mutuca, na BR-040, em Nova Lima, na Grande BH, quando o carro bateu em táxi, arrancou um poste e capotou oito vezesUma jovem de 27 anos, que era passageira, morreuO grupo de quatro pessoas voltava de uma festa no Bairro Jardim Canadá e, segundo a Polícia Rodoviária Federal, o motorista estava em alta velocidade e tinha claros sintomas de embriaguez
Os motoristas que causaram os dois acidentes respondem ao processo em liberdade.

O avanço da imprudência fará a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apertar mais a fiscalizaçãoA partir de julho, as blitzes serão ampliadas para todos os dias da semana, como ocorre no Rio de Janeiro, referência nesse tipo de trabalhoHoje, a Polícia Militar tem 386 bafômetros e a Polícia Rodoviária Federal 140De acordo com a Seds, o governo ainda não sabe quantos aparelhos novos serão adquiridos.

O quadro preocupante na capital é ilustrado por númerosApenas nos quatro primeiros meses deste ano, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), foram registrados 605 boletins de ocorrência por embriaguez ao volante, mais da metade dos 1.207 de 2011O número de acidentes causados por motoristas bêbados sem vítimas também tende a superar o total do ano passadoDe janeiro a abril deste ano, foram 264 ocorrências, 47% do verificado em 2011, quando houve 553 batidas relacionadas ao uso de álcoolJá o número de acidentes com vítimas ligados à embriaguez segue uma tendência de fechar o ano mais baixo do que em 2011Até abril foram 143 registros, o que corresponde a 27% do ano passado.

Abusos na noite

Para mostrar os exemplos do desrespeito, não é preciso procurar muitoPostos de gasolina, bares e casas noturnas ficam lotados de gente que bebe antes de dirigir
No Bairro Belvedere, Centro-Sul da capital, em plena quarta-feira é fácil ver os abusosO EM flagrou um grupo de motociclistas bebendo por várias horas num postoNo início da madrugada, cada um subiu em sua moto e foi emboraAnimado, um grupo de amigos bebe várias garrafas de cerveja e vai para um canto do postoRessabiados, olham para os lados e acendem um cigarro de maconhaPor volta das 2h da manhã de quinta, chega a hora de ir embora para dois colegasCada um está em seu carroEles se despedem e, depois de beber e fumar, cada um sai em alta velocidade.

Um funcionário do posto garante que a situação se repete quase todos os dias“Eles bebem, falam alto, arrumam brigas e saem dirigindo sem nenhum problemaA polícia costuma entrar para ver se está tudo bem, mas ninguém deixa de dirigir”, afirma.

Outro ponto da capital onde bebida e direção andam juntas é a Avenida Francisco Sá, no Prado, Oeste de BHFregueses dos dois bares na esquina da Rua Ametista lotam a avenidaNa quinta-feira, era difícil até encontrar passagem de carro em meio à quantidade de pessoas que se aglomeravam com copos ou garrafas de cerveja nas mãosO administrador de empresas Fred Avelar, 31 anos, admite que bebe e dirige, mas só faz isso perto de casa“Eu sei que a Lei Seca precisa ser mais eficaz, mas as pessoas também precisam ter consciênciaAdmito que bebo, mas reduzo consideravelmente a velocidade e saio sempre perto de casa”, garante.

Segundo o subsecretário de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva, a Lei Seca é dimensionada dentro das possibilidades do efetivo da Polícia Militar e da Guarda Municipal, que também cede homens para as blitzes“Atualmente, trabalhamos com quatro pontos de fiscalização em cada dia do fim de semana, sendo que as equipes tem entre 20 e 25 homensJá estamos adquirindo equipamentos eletrônicos para ganhar mais tempo nas abordagens e novos bafômetrosO efetivo será ampliado para termos fiscalização sob a bandeira da Lei Seca todos os dias da semanaVamos começar essa etapa até o meio do ano”, garante o subsecretárioUm estudo que vai definir o número de pontos nos dias de menor movimento ainda será concluído“Vamos ver qual é a demanda para planejarmos da maneira mais eficaz possível”, completa Robson Lucas

BEBER, DIRIGIR, ACELERAR...

Uma das avenidas preferidas de quem curte a vida noturna em Belo Horizonte é a Raja Gabaglia, nas proximidades dos bairros São Bento e Santa Lúcia, Centro-Sul da capitalA via abriga várias boates e salões de festas em que há consumo de bebida alcoólica, muitas vezes por pessoas que bebem e saem dirigindoO EM contou com a colaboração da empresa ImTraff Consultoria e Projetos de Engenharia, especializada em engenharia de tráfego, para medir a velocidade de carros que passaram em um trecho da avenida na madrugada de sexta-feira e constatou que, em apenas 15 minutos, oito veículos estavam acima do limite permitidoUm deles foi registrado pelo radar portátil trafegando a 111 km/h, quase duas vezes o limite de 60 km/h.

O analista Rogério D’ávila, da empresa que fez as medições, ficou surpreso com o resultado“Dos oito carros que passaram acima do permitido, dois estavam a 72 km/h, um a 73km/h e os outros cinco acima de 90 km/h, velocidade muito alta para a via”, diz eleEnquanto os carros cortavam a Raja, a reportagem presenciou frequentadores de uma boate saindo do local com garrafas de cervejaDois amigos se dirigiram a um estacionamento e entraram cada um em um carro ostentando as bebidasUm retorno proibido na avenida e eles seguiram rumos diferentes, acelerando os veículos e fazendo barulho para quem estava do lado de fora da boate.

Ao lado da casa noturna, um posto de gasolina funciona à noite como estacionamentoUm dos funcionários já perdeu a conta de quantas vezes viu motoristas embriagados sentando no banco do motorista“Já precisei conversar com muitos pedindo para dar uma melhorada antes de sairTem gente que entra no carro e não dá conta nem de virar a chaveE isso aqui é quase todo dia, só domingo e segunda que não”, diz o segurançaAssim que ele termina a frase, o barulho dos pneus de um Palio corta os ouvidos de quem está na avenidaO motorista saiu de repente do estacionamento e fez um movimento brusco para chegar ao asfalto, onde pisou fundo e foi embora.

Para o doutor em engenharia de transporte e professor de segurança viária Frederico Rodrigues, a alta velocidade medida na Raja e a vocação da avenida para o consumo de bebida alcoólica são um fator preocupante“Como boa parte da via é uma descida no sentido bairro/Centro e há várias curvas fechadas, a possibilidade de acidentes é muito maior para o indivíduo embriagado, pois ele tem menos reflexosE os valores das velocidades observados mostram que a potencialidade é muito grande em caso de acidentes, pois uma batida a 100km/h nessas condições tem um poder destrutivo muito grande”, afirma.

Estratégia De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a Raja Gabaglia é um dos principais pontos de fiscalização“Uma vez por semana, nos reunimos com representantes de todas as autoridades envolvidas e escolhemos os pontos de acordo com experiências e a programação da cidade“A Raja é um ponto importante de consumo de álcool e na maioria das vezes estamos por lá, assim como outros pontos, como a Rua São Paulo, Avenida Nossa Senhora do Carmo, Afonso Pena, entre outros”, informa o subsecretário de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva.

“Para diminuir o problema da embriaguez ao volante, os motoristas têm de se conscientizar e parar de combinar álcool e direçãoO poder público não tem condições de estar em todos os lugares, então, as pessoas têm de mudar as atitudesNoventa e cinco por cento de quem bebe e dirige tem até 30 anos e não mede as consequências dos seus atos”, afirma o delegado Ramon Sandoli, coordenador de Operações Policiais do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG)

Trecho da BR-040 considerado crítico

No trecho de 10 quilômetros da BR-040 onde o representante comercial Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29 anos, capotou um Fiat Stilo no dia 5, e causou a morte de Nathalia Azeredo Coutinho e Rosa, de 27, 84 pessoas já foram autuadas por embriaguez ao volante e 40 presas, entre janeiro de 2010 e 30 de abril deste anoO trecho é considerado crítico pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), porque liga o Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, na Grande BH, à entrada de BHComo há casas noturnas que promovem casamentos e formaturas e a bebida é liberada, vários motoristas abusam do álcool e pegam a rodovia, conforme suspeita da PRF no caso do representante comercialEle saiu de uma festa por volta das 6h com sinais claros de embriaguez e assumiu a direção do carro, o que, para a Polícia Civil, caracteriza o dolo eventual.

Segundo o assessor de comunicação substituto da PRF em Minas Gerais, inspetor Adilson Souza, se comparados ano a ano, os números demonstram queda nos acidentes, nas prisões e nas autuações relacionadas à embriaguez, o que, segundo ele, comprova a atuação da políciaEm 2010, foram 16 acidentes relacionados ao uso de bebida alcoólica no trecho, número que caiu para sete em 2011 e chegou a três este ano“A PRF é totalmente sensível a essa situação e faz ronda rotineira no trechoNos locais de festa atuamos registrando outras infrações, como estacionamento irregular, para mostrar a presença da políciaOs promotores de alguns eventos já chegaram até a publicar a informação de que a PRF estaria presente na rodovia para fiscalizar o abuso de álcool depois das festas”, garante o inspetor.

Se os índices de acidentes estão em queda nesse trecho considerado perigoso por ser íngreme e ter curvas acentuadas, no geral, as mortes relacionadas a bebidas alcóolicas estão subindo, na análise do conjunto das rodovias federais que cortam Minas GeraisEm 2010, 28 pessoas perderam a vida em acidentes com motoristas embriagados, número que aumentou 28,5% em 2011 e chegou a 36 óbitosEm 2012, 12 pessoas já morreram em acidentes.

A esse fato, a PRF credita o aumento da frota e o surgimento de carros cada vez mais possantes“As ocorrências estão ficando mais graves por conta das características dos veículos, que correm mais e estão mais presentes nas rodoviasPara tentar diminuir esse quadro, já fizemos nos quatro primeiros meses deste ano mais de 30 mil testes de alcoolemia, enquanto nos últimos quatro meses do ano passado foram 16,4 mil exames”, completa o inspetor

Lei Seca pode ficar mais rigorosa

O Projeto de Lei 5.607/09, que prevê o endurecimento da Lei Seca, aprovado em 11 de abril pelo plenário da Câmara dos Deputados, aguarda o parecer do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do SenadoDepois de submetido à aprovação da comissão, tem um prazo para receber emendas e segue para votação no SenadoSe aprovado sem emendas, vai à sanção da presidente Dilma RousseffSe for vetado, volta à Câmara dos Deputados para nova votaçãoO projeto prevê que novas provas como vídeos ou testemunhos provando a embriaguez podem servir no momento de abertura de um processo criminalAlém disso, a multa para quem dirige bêbado subiria de R$ 957,70 para R$ 1.915,40Caso o condutor não concorde com as provas, pode fazer o teste do bafômetro como contraprovaTanto o bafômetro quanto o exame de sangue continuam valendo para provar a embriaguez.

Fiscalização mais rigorosa

Valdir Ribeiro Campos, psiquiatra especializado em dependência química, membro da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e uso de outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais

O texto da legislação que trata da proibição de beber e dirigir é bom e funciona como boa medida para redução dos acidentes de trânsito tendo em vista que qualquer quantidade de álcool no sangue aumenta o risco de envolvimento em desastres automotivosEntre os jovens, que geralmente têm comportamento mais agressivo no trânsito, o problema é ainda maiorCondutores com idade entre 18 e 30 anos são geralmente mais impulsivos, dirigem com mais velocidade, não usam cinto e não respeitam sinalizaçãoEntre os acima de 30 anos, também há risco, mas há um cuidado um pouco maior com a vidaDe todo modo, não se pode desprezar o risco em todas as situaçõesPara isso, as ações de fiscalização devem ser mais rigorosasNão adianta fazer blitzes apenas no fim de semana e, além disso, privilegiar a Região Centro-SulExistem pessoas que bebem e dirigem por toda a cidadePara que a lei tenha credibilidade, ela precisa de boa aplicação e cumprimento.