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Estado de Minas

Baladas atropelam a Lei Seca em Belo Horizonte

Apesar do rigor da fiscalização, EM flagra muitos motoristas bebendo e dirigindo em seguida nas madrugadas de BH. Blitzes com bafômetros serão diárias a partir de julho


postado em 13/05/2012 07:00 / atualizado em 13/05/2012 11:22

 Marcos Vieira/EM/D.A Press. Brasil  Marcos Vieira/EM/D.A Press. Brasil


“Fala, parceiro, posso estacionar aqui? Só vou ali beber uma cervejinha e já volto”, pergunta o jovem ao frentista ao entrar em um posto de gasolina que oferece bebidas alcoólicas na Zona Sul de Belo Horizonte. Essa frase resume bem a conduta do motorista quando o assunto é o respeito à Lei Seca. Oito meses depois das blitzes que caçam quem bebe e dirige, muita gente ainda ignora a polícia nas ruas e prefere correr o risco de ser pego. O EM percorreu ruas e avenidas da cidade, mediu a velocidade dos carros onde o movimento da boemia é grande e constatou que vários motoristas não têm o menor pudor em beber por horas e depois assumir o volante. Alguns chegam até a entrar no carro com garrafas de cerveja. E os dois casos mais recentes da mistura de álcool e volante na Grande BH mostram que a situação é preocupante. Em dois acidentes, três pessoas morreram.

Na semana santa, o securitário Rodrigo de Oliveira Campos, de 26, dirigia um Vectra quando bateu em um Fiat Uno e causou a morte de um casal na Rua Jacuí, no Bairro Ipiranga, Nordeste da capital. Ele seguia em alta velocidade e há suspeita de que estivesse sob influência de bebida alcoólica. No outro caso, Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29, conduzia um Fiat Stilo nas proximidades do Viaduto da Mutuca, na BR-040, em Nova Lima, na Grande BH, quando o carro bateu em táxi, arrancou um poste e capotou oito vezes. Uma jovem de 27 anos, que era passageira, morreu. O grupo de quatro pessoas voltava de uma festa no Bairro Jardim Canadá e, segundo a Polícia Rodoviária Federal, o motorista estava em alta velocidade e tinha claros sintomas de embriaguez. Os motoristas que causaram os dois acidentes respondem ao processo em liberdade.

O avanço da imprudência fará a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apertar mais a fiscalização. A partir de julho, as blitzes serão ampliadas para todos os dias da semana, como ocorre no Rio de Janeiro, referência nesse tipo de trabalho. Hoje, a Polícia Militar tem 386 bafômetros e a Polícia Rodoviária Federal 140. De acordo com a Seds, o governo ainda não sabe quantos aparelhos novos serão adquiridos.

O quadro preocupante na capital é ilustrado por números. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), foram registrados 605 boletins de ocorrência por embriaguez ao volante, mais da metade dos 1.207 de 2011. O número de acidentes causados por motoristas bêbados sem vítimas também tende a superar o total do ano passado. De janeiro a abril deste ano, foram 264 ocorrências, 47% do verificado em 2011, quando houve 553 batidas relacionadas ao uso de álcool. Já o número de acidentes com vítimas ligados à embriaguez segue uma tendência de fechar o ano mais baixo do que em 2011. Até abril foram 143 registros, o que corresponde a 27% do ano passado.

Abusos na noite

Para mostrar os exemplos do desrespeito, não é preciso procurar muito. Postos de gasolina, bares e casas noturnas ficam lotados de gente que bebe antes de dirigir. No Bairro Belvedere, Centro-Sul da capital, em plena quarta-feira é fácil ver os abusos. O EM flagrou um grupo de motociclistas bebendo por várias horas num posto. No início da madrugada, cada um subiu em sua moto e foi embora. Animado, um grupo de amigos bebe várias garrafas de cerveja e vai para um canto do posto. Ressabiados, olham para os lados e acendem um cigarro de maconha. Por volta das 2h da manhã de quinta, chega a hora de ir embora para dois colegas. Cada um está em seu carro. Eles se despedem e, depois de beber e fumar, cada um sai em alta velocidade.

Um funcionário do posto garante que a situação se repete quase todos os dias. “Eles bebem, falam alto, arrumam brigas e saem dirigindo sem nenhum problema. A polícia costuma entrar para ver se está tudo bem, mas ninguém deixa de dirigir”, afirma.

Outro ponto da capital onde bebida e direção andam juntas é a Avenida Francisco Sá, no Prado, Oeste de BH. Fregueses dos dois bares na esquina da Rua Ametista lotam a avenida. Na quinta-feira, era difícil até encontrar passagem de carro em meio à quantidade de pessoas que se aglomeravam com copos ou garrafas de cerveja nas mãos. O administrador de empresas Fred Avelar, 31 anos, admite que bebe e dirige, mas só faz isso perto de casa. “Eu sei que a Lei Seca precisa ser mais eficaz, mas as pessoas também precisam ter consciência. Admito que bebo, mas reduzo consideravelmente a velocidade e saio sempre perto de casa”, garante.

Segundo o subsecretário de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva, a Lei Seca é dimensionada dentro das possibilidades do efetivo da Polícia Militar e da Guarda Municipal, que também cede homens para as blitzes. “Atualmente, trabalhamos com quatro pontos de fiscalização em cada dia do fim de semana, sendo que as equipes tem entre 20 e 25 homens. Já estamos adquirindo equipamentos eletrônicos para ganhar mais tempo nas abordagens e novos bafômetros. O efetivo será ampliado para termos fiscalização sob a bandeira da Lei Seca todos os dias da semana. Vamos começar essa etapa até o meio do ano”, garante o subsecretário. Um estudo que vai definir o número de pontos nos dias de menor movimento ainda será concluído. “Vamos ver qual é a demanda para planejarmos da maneira mais eficaz possível”, completa Robson Lucas.

BEBER, DIRIGIR, ACELERAR...

Uma das avenidas preferidas de quem curte a vida noturna em Belo Horizonte é a Raja Gabaglia, nas proximidades dos bairros São Bento e Santa Lúcia, Centro-Sul da capital. A via abriga várias boates e salões de festas em que há consumo de bebida alcoólica, muitas vezes por pessoas que bebem e saem dirigindo. O EM contou com a colaboração da empresa ImTraff Consultoria e Projetos de Engenharia, especializada em engenharia de tráfego, para medir a velocidade de carros que passaram em um trecho da avenida na madrugada de sexta-feira e constatou que, em apenas 15 minutos, oito veículos estavam acima do limite permitido. Um deles foi registrado pelo radar portátil trafegando a 111 km/h, quase duas vezes o limite de 60 km/h.

O analista Rogério D’ávila, da empresa que fez as medições, ficou surpreso com o resultado. “Dos oito carros que passaram acima do permitido, dois estavam a 72 km/h, um a 73km/h e os outros cinco acima de 90 km/h, velocidade muito alta para a via”, diz ele. Enquanto os carros cortavam a Raja, a reportagem presenciou frequentadores de uma boate saindo do local com garrafas de cerveja. Dois amigos se dirigiram a um estacionamento e entraram cada um em um carro ostentando as bebidas. Um retorno proibido na avenida e eles seguiram rumos diferentes, acelerando os veículos e fazendo barulho para quem estava do lado de fora da boate.

Ao lado da casa noturna, um posto de gasolina funciona à noite como estacionamento. Um dos funcionários já perdeu a conta de quantas vezes viu motoristas embriagados sentando no banco do motorista. “Já precisei conversar com muitos pedindo para dar uma melhorada antes de sair. Tem gente que entra no carro e não dá conta nem de virar a chave. E isso aqui é quase todo dia, só domingo e segunda que não”, diz o segurança. Assim que ele termina a frase, o barulho dos pneus de um Palio corta os ouvidos de quem está na avenida. O motorista saiu de repente do estacionamento e fez um movimento brusco para chegar ao asfalto, onde pisou fundo e foi embora.

Para o doutor em engenharia de transporte e professor de segurança viária Frederico Rodrigues, a alta velocidade medida na Raja e a vocação da avenida para o consumo de bebida alcoólica são um fator preocupante. “Como boa parte da via é uma descida no sentido bairro/Centro e há várias curvas fechadas, a possibilidade de acidentes é muito maior para o indivíduo embriagado, pois ele tem menos reflexos. E os valores das velocidades observados mostram que a potencialidade é muito grande em caso de acidentes, pois uma batida a 100km/h nessas condições tem um poder destrutivo muito grande”, afirma.

Estratégia De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a Raja Gabaglia é um dos principais pontos de fiscalização. “Uma vez por semana, nos reunimos com representantes de todas as autoridades envolvidas e escolhemos os pontos de acordo com experiências e a programação da cidade. “A Raja é um ponto importante de consumo de álcool e na maioria das vezes estamos por lá, assim como outros pontos, como a Rua São Paulo, Avenida Nossa Senhora do Carmo, Afonso Pena, entre outros”, informa o subsecretário de Promoção da Qualidade e Integração do Sistema de Defesa Social, Robson Lucas da Silva.

“Para diminuir o problema da embriaguez ao volante, os motoristas têm de se conscientizar e parar de combinar álcool e direção. O poder público não tem condições de estar em todos os lugares, então, as pessoas têm de mudar as atitudes. Noventa e cinco por cento de quem bebe e dirige tem até 30 anos e não mede as consequências dos seus atos”, afirma o delegado Ramon Sandoli, coordenador de Operações Policiais do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG).

Trecho da BR-040 considerado crítico

No trecho de 10 quilômetros da BR-040 onde o representante comercial Marcus Vinicius Claudino Fonseca, de 29 anos, capotou um Fiat Stilo no dia 5, e causou a morte de Nathalia Azeredo Coutinho e Rosa, de 27, 84 pessoas já foram autuadas por embriaguez ao volante e 40 presas, entre janeiro de 2010 e 30 de abril deste ano. O trecho é considerado crítico pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), porque liga o Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima, na Grande BH, à entrada de BH. Como há casas noturnas que promovem casamentos e formaturas e a bebida é liberada, vários motoristas abusam do álcool e pegam a rodovia, conforme suspeita da PRF no caso do representante comercial. Ele saiu de uma festa por volta das 6h com sinais claros de embriaguez e assumiu a direção do carro, o que, para a Polícia Civil, caracteriza o dolo eventual.

Segundo o assessor de comunicação substituto da PRF em Minas Gerais, inspetor Adilson Souza, se comparados ano a ano, os números demonstram queda nos acidentes, nas prisões e nas autuações relacionadas à embriaguez, o que, segundo ele, comprova a atuação da polícia. Em 2010, foram 16 acidentes relacionados ao uso de bebida alcoólica no trecho, número que caiu para sete em 2011 e chegou a três este ano. “A PRF é totalmente sensível a essa situação e faz ronda rotineira no trecho. Nos locais de festa atuamos registrando outras infrações, como estacionamento irregular, para mostrar a presença da polícia. Os promotores de alguns eventos já chegaram até a publicar a informação de que a PRF estaria presente na rodovia para fiscalizar o abuso de álcool depois das festas”, garante o inspetor.

Se os índices de acidentes estão em queda nesse trecho considerado perigoso por ser íngreme e ter curvas acentuadas, no geral, as mortes relacionadas a bebidas alcóolicas estão subindo, na análise do conjunto das rodovias federais que cortam Minas Gerais. Em 2010, 28 pessoas perderam a vida em acidentes com motoristas embriagados, número que aumentou 28,5% em 2011 e chegou a 36 óbitos. Em 2012, 12 pessoas já morreram em acidentes.

A esse fato, a PRF credita o aumento da frota e o surgimento de carros cada vez mais possantes. “As ocorrências estão ficando mais graves por conta das características dos veículos, que correm mais e estão mais presentes nas rodovias. Para tentar diminuir esse quadro, já fizemos nos quatro primeiros meses deste ano mais de 30 mil testes de alcoolemia, enquanto nos últimos quatro meses do ano passado foram 16,4 mil exames”, completa o inspetor.

Lei Seca pode ficar mais rigorosa

O Projeto de Lei 5.607/09, que prevê o endurecimento da Lei Seca, aprovado em 11 de abril pelo plenário da Câmara dos Deputados, aguarda o parecer do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Depois de submetido à aprovação da comissão, tem um prazo para receber emendas e segue para votação no Senado. Se aprovado sem emendas, vai à sanção da presidente Dilma Rousseff. Se for vetado, volta à Câmara dos Deputados para nova votação. O projeto prevê que novas provas como vídeos ou testemunhos provando a embriaguez podem servir no momento de abertura de um processo criminal. Além disso, a multa para quem dirige bêbado subiria de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Caso o condutor não concorde com as provas, pode fazer o teste do bafômetro como contraprova. Tanto o bafômetro quanto o exame de sangue continuam valendo para provar a embriaguez.

Fiscalização mais rigorosa

Valdir Ribeiro Campos, psiquiatra especializado em dependência química, membro da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e uso de outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais

O texto da legislação que trata da proibição de beber e dirigir é bom e funciona como boa medida para redução dos acidentes de trânsito tendo em vista que qualquer quantidade de álcool no sangue aumenta o risco de envolvimento em desastres automotivos. Entre os jovens, que geralmente têm comportamento mais agressivo no trânsito, o problema é ainda maior. Condutores com idade entre 18 e 30 anos são geralmente mais impulsivos, dirigem com mais velocidade, não usam cinto e não respeitam sinalização. Entre os acima de 30 anos, também há risco, mas há um cuidado um pouco maior com a vida. De todo modo, não se pode desprezar o risco em todas as situações. Para isso, as ações de fiscalização devem ser mais rigorosas. Não adianta fazer blitzes apenas no fim de semana e, além disso, privilegiar a Região Centro-Sul. Existem pessoas que bebem e dirigem por toda a cidade. Para que a lei tenha credibilidade, ela precisa de boa aplicação e cumprimento.


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