Mil quilômetros separam São Lourenço, no Sul do estado, e Padre Carvalho, no Norte. E não é apenas a geografia que põe os dois municípios mineiros em lados opostos. O primeiro, das “moças precipitadas”, tem a maior taxa de divórcios (5,7% da população) em Minas, segundo o Censo 2010 do IBGE, enquanto o segundo, “das juras eternas de amor”, tem o menor índice (0,1%). O Estado de Minas foi às duas cidades para conhecer histórias de casamentos e divórcios e buscar uma explicação para muitas e poucas separações.
A terra das juras de amor eterno…
“Até que a morte os separe.” A recomendação feita aos casais na hora do “sim” diante do altar é seguida à risca em Padre Carvalho. O município, de 5.834 mil moradores, no Norte do estado, a 551 quilômetros de BH, tem o menor índice de divórcios (0,1% da população) do estado, segundo o Censo 2010. No município, emancipado de Grão Mogol em 1995, as pessoas levam vida simples e respeitam os princípios religiosos, o que sustentaria os casamentos, conforme os próprios moradores.
De acordo com o tabelião do Cartório de Registro Civil, Reginaldo Costa, são quatro casamentos, em média, por mês. Para um casal se divorciar, é necessário ir até a vizinha Salinas (a 56 quilômetros), cuja comarca abrange Padre Carvalho. Há uma lei que permite que casais sem filhos dissolvam o casamento no próprio cartório, sem processo. Mas desde que a lei entrou em vigor, em 2009, ninguém oficializou o divórcio.
Um exemplo de “amor eterno” é o do casal de agricultores Vicente dos Santos, de 84 anos, e Paulina Sairava, de 80. Em janeiro, eles completaram 62 anos de união. Tiveram 16 filhos (12 vivos), 48 netos e 18 bisnetos. “O homem tem que respeitar a mulher e ela precisa respeitar o marido”, ensina Vicente. “Além do respeito, é preciso ter amor”, acrescenta dona Paulina, antes de entregar uma rosa ao marido, como demonstração de afeto.
Outra referência é a experiência de 53 anos de união dos aposentados José Ferreira de Medeiros, de 74, e Santa Ferreira de Medeiros, de 74. Eles também ditam a “receita” para um casal nunca pensar em separação. “No casamento, a pessoa precisa sempre se dedicar à outra”, observa José Ferreira. “A primeira coisa que precisa ser eliminada é o ciúme. Mas é lógico que é necessário ter muito respeito entre os dois”, opina Santa. Assim como Vicente e Paulina, José e Santana são católicos.
O MESMO TETO PARA SEMPRE
A promessa de que sempre vão dividir o teto é assegurada pelo operador de máquina Denis Luiz dos Santos, de 27, e Joveny Maria da Costa, de 25, que se casaram em 7 de janeiro, depois de nove anos de namoro. Ela conta que ele foi seu primeiro namorado e que a separação nunca passa pela sua cabeça. Denis e Joveny se casaram no civil, pensam em oficializar o matrimônio na igreja e ter três filhos. Ela é católica e ele, evangélico. “Mas isso não atrapalha nada entre a gente”, diz Joveny. “Para o casamento dar certo mesmo é preciso que a gente esqueça as tentações da vida de solteiro e passe a se dedicar totalmente à mulher”, afirma Denis. “A primeira coisa que precisa ter é um conhecer o outro. Isso garante a manutenção do casamento”, completa o operador de máquina.
A solidez dos matrimônios, em grande parte, é garantida pelo trabalho do casal Sinézio Arsênio dos Santos e Alaíde Guimarães Santos. Eles integram a Pastoral Familiar de Padre Carvalho e promovem encontros de preparação para o casamento com noivos da cidade.
Sinézio, que é funcionário público, ressalta que os noivos participam de 10 encontros. “Realizamos um trabalho para que cada um saiba das qualidades e defeitos do outro. Só depois o casal poderá se entender pra valer e fazer o compromisso da união para sempre”, afirma Sinézio. “Já houve vários casos em que depois dessa ‘descoberta’, o rapaz desistiu do casamento”, comenta.
Alaíde lembra que dá conselhos sobre o comportamento que o homem e a mulher devem ter para garantir a solidez do casamento. “A primeira coisa é buscar a Deus. Também é preciso diálogo”, afirma. Ela conta que, além da preparação de noivos, de vez em quando, orienta casais da cidade que estão em crise no matrimônio.
Divórcios
3,1%
BRASIL
3,3 %
MINAS GERAIS
5,7%
SÃO LOURENÇO
0,1%
PADRE CARVALHO
Sônia e Gilberto (nomes fictícios) se casaram em 1986. Ela tinha 26 anos e ele, 25. Namoraram por um ano e meio. “Ele era uma pessoa quieta, ninguém falava mal dele”, conta a mulher. Depois da lua-de-mel, porém, o motorista de ônibus passou a farrear com amigos e voltar bêbado de madrugada. Sônia, costureira, descobriu que era traída. Quando sabia de um novo caso, ela se retraía, não se queixava. “Por isso, com 28 anos, comecei a tomar calmante, remédio para pressão alta”, lembra.
Em 2011, Sônia pediu o divórcio. “Vi que ainda tinha tempo para ser feliz, encontrar outra pessoa.” A mulher, que hoje trabalha como acompanhante de idosos, ficou com a guarda dos três filhos do casal. O caso dela ajudou a transformar São Lourenço, onde mora, no município com a maior proporção de divorciados em Minas Gerais.
Nessa cidade do Sul do estado, a 392 quilômetros de BH, 5,7% dos 41.657 habitantes já se divorciaram, de acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual, superior às médias estadual (3,3%) e nacional (3,1%), representa um universo de 2.374 pessoas. A cada ano, aumenta na cidade o número dos que pedem a dissolução do casamento na Justiça. Em 2011, o fórum municipal promoveu 223 divórcios, sendo 125 consensuais, 47 litigiosos e 51 conversões de separação em divórcio. Em 2010, foram 182 e, em 2009, 106.
Na Defensoria Pública, os pedidos de divórcio aumentam se, na véspera, uma igreja evangélica local tiver celebrado o culto em que fiéis são incentivados, para purgar a alma, a confessar a namorados, maridos e esposas as traições e outros deslizes. Em um dos cultos, a mulher contou ao marido que o filho não era dele, mas, sim, do homem até então identificado como avô paterno da criança.
“O negócio aqui é mais inflamado que em outro lugares onde trabalhei. O casamento se desfaz com facilidade, por qualquer desavença”, observa o defensor público Roger Vieira Feichas. Um dos motivos para essa “facilidade”, acredita ele, é o fato de o município ter muitos habitantes de fora. Segundo o Censo 2010, 38% (15.868 pessoas) da população local não são naturais de São Lourenço, sendo 6.106 de outros estados.
Recém-chegado à cidade, sozinho e carente, o forasteiro se envolve rapidamente com outra pessoa. Quando o casamento não dá certo, a solução é simples: voltar para o lugar de origem. “A pessoa foge diante da primeira dificuldade”, enfatiza o advogado.
Minutos depois de Feichas explicar sua teoria, um casal chega à Defensoria para assinar divórcio consensual. O segurança particular, de 35 anos, nasceu na capital paulista. Morava em São Lourenço havia menos de um ano quando conheceu a moça, hoje com 31 anos. Três meses depois, começaram a dividir a casa. Mais um mês e a mulher engravidou. O casamento, iniciado após um ano de namoro, durou 11 anos. “Foi tudo por impulso, aquele fervor de estar com uma pessoa”, explica o novo divorciado.
Em uma salinha da matriz de São Lourenço, da qual é pároco, o padre Afonso Alves, de 49 anos, recebe todo dia cerca de cinco casais em crise. Ele percebe que a cidade, onde mora há pouco mais de um ano, não dá ao casamento o devido valor. “No interior de Minas, as tradições prevalecem, mas em São Lourenço a mentalidade é outra. A proximidade com São Paulo e Rio vem transformando este lugar”, justifica. De acordo com o IBGE, a população carioca tem a maior proporção de divorciados do país (4,2%), enquanto a paulista ocupa o segundo lugar (3,9%) e a mineira, o terceiro (3,3%).
Poucos homens
A estudante de pedagogia Mariana (nome fictício), de 27 anos, namorava quando engravidou. A família da moça, que tinha 18 anos, começou a pressionar e o casamento foi marcado. Uma semana antes de subir ao altar, ela sofreu aborto espontâneo. “Queria cancelar a cerimônia, mas fiquei com vergonha. Já tinha recebido os presentes”, relata.
A união durou pouco, apenas um ano. Mariana acha as moças da cidade “precipitadas” na hora de escolher marido. “Há uma falta enorme de homem. Aí, quem já namora um cara não quer largar. Casa sem pensar direito. É o medo de ficar solteira para sempre”, avalia. Segundo o Censo 2010, em São Lourenço há 19.758 homens, 10% a menos que as 21.899 mulheres.
Mas na cidade também há casamentos longevos. Dura 62 anos o de Antônio Vieira, de 83 anos, e Maria de Lourdes Maciel, de 80. Os dois aposentados têm três filhos e quatro netos. De vez em quando, se desentendem. Por exemplo, Maria gosta de comprar roupas e móveis novos, mas Antônio acha desperdício de dinheiro. “A gente fica um ou dois dias sem se falar, mas as coisas se resolvem”, conta ela. Católicos zelosos, jamais cogitaram a separação. “Nunca larguei dele nem ele largou de mim. Quando ele sai de casa, fico louca para chegar logo”, diz Maria. Antônio é mais contido ao declarar seu amor: “Ela olha muito por mim”.