Da Savassi para o Hipercentro. A lamúria do comércio só mudou de endereço. Agora está na Avenida Santos Dumont, entre as ruas da Bahia e São Paulo, a poucas quadras da Praça Sete de Setembro. Movimento ali – já que as obras do transporte rápido por ônibus ainda seguem bastante tímidas –, só mesmo da polícia para apartar a pancadaria entre dois sujeitos que se estranharam e mobilizaram militares e guardas municipais. A loja em frente à confusão, às moscas: “Só assim mesmo para aparecer gente”, comenta o balconista. No estabelecimento vizinho, Cristian Ferreira diz que o patrão não está. “Saiu pra procurar serviço. Parece até brincadeira, mas é verdade”, sorri, muito sem graça.
Na casa lotérica, no número 540, a gerente Cláudia Cristina Conceição Castro, de 37, está espantada com a queda da clientela. Já fez as contas e diz que a redução dos serviços beira os 70%. “A gente ainda não montou nenhuma estratégia para tentar superar o momento, mas…”. A administradora diz que o dono, “infelizmente”, já fala em redução do quadro de pessoal. Do lado de fora, na esquina com Rua São Paulo, retrato de um quadrante em maus bocados: “Vou dar um tiro na sua cara!”, ameaça o sujeito ensanguentado, de chinelos, detido pela polícia. “Se você é homem, você vai ter que dar!”, responde o suposto agressor, que diz apenas ter se defendido.
O povo forma plateia para testemunhar o desfecho da novidade do dia. “Não tem nada pra fazer. Fazer o quê? Ficar aqui, né!?”, diz o vendedor simpaticão. Mais abaixo, no Estacionamento do Barão, dois carros reinam na quadra que, até segunda-feira, recebia média de 100 carros só durante o dia. O manobrista David Henrique Cândido Ribeiro, de 21, de braços cruzados, comenta: “Pelo jeito que está, acho que vai ser difícil conseguir ficar aqui no trabalho… Mas vou esperar pra ver…”. Nem o cavalete no meio da rua dá jeito de atrair a freguesia. “É que ninguém tá sabendo que pode entrar na avenida para estacionar”, diz. Já nas ruas paralelas – Guaicurus e Caetés –, com o redirecionamento de 160 linhas de ônibus em sete novos pontos de embarque e desembarque, o tráfego é caótico.
Insegurança
A música alta do bar da Míriam invade o passeio da Santos Dumont. A volta. Uma beleza: “Estou guardando o que há de bom em mim…”, roda o disco do cantor Roberto Carlos, clássico, na vitrola de ficha, atração do lugar. Não funciona. O estabelecimento está quase deserto. Um casal apenas, só no paparico, ao som do Rei, cervejinha e tira-gosto no balcão. Ao fundo, a cozinheira descasca o alho. “É para passar o tempo”, explica. “Vou fazer uns temperos”. Marisa Antônia Borges, de 56, moradora do Bairro Jardim Europa, na Região de Venda Nova, lamenta a falta de serviço dos últimos três dias, apesar da “música boa e dos petiscos de primeira”. “É a primeira vez, em 15 anos, que vejo isso. Ontem e hoje a gente não vendeu nem um almoço”, reclama. Ainda assim, não perde a esperança: “Tá muito ruim. Mas vai ficar bom, né!?”.
Para Juscimeire Queiroz de Miranda, de 21, durante o dia, “até que dá para segurar”. Para ela, o problema maior é a noite, que sempre teve bom movimento e que, desde a interdição, está muito ruim. A noite é aborrecimento de outra natureza para o técnico em informática Marcos Andre, de 23, morador do Conjunto Paulo VI. O caminho do emprego para o ponto do ônibus, para ele, “depois que escurece, parece filme de terror”. Marcos conta que tem evitado ao máximo passar pela Santos Dumont depois do expediente. “O problema é que trabalho no meio do quarteirão. Tem um trecho que tenho que encarar de qualquer jeito”, diz. A muvuca continua na esquina da agressão que virou show de ignorância. Os dois brigões ainda se encaram, desafiando a polícia. Cena de sessão da tarde barata.
De volta ao que interessa, outro cidadão anda de cabelo em pé com a interdição da via. Ricardo dos Santos Borges, de 32, da Lanches Alomar, diz estar sem rumo com a obra. Há seis anos tirando dali o sustento da família, o microempresário já marcou reunião com o dono do imóvel para tentar negociar o aluguel. “Não sabia que ia ser dessa maneira. Achei que ainda haveria alguma circulação… Meu maior movimento vinha dos pontos de ônibus. Sumiu todo mundo”, reclama. Ricardo conta que reduziu a jornada de trabalho por razões de segurança. “Isso aqui tá um deserto. É de dar medo. Antes, mantinha a lanchonete aberta até as 22h. Hoje, tenho que fechar no máximo às 19h”. Enquanto isso, na esquina do destempero, os militares dão conta de desenrolar a ocorrência tola e os curiosos caçam novo rumo.