Sentadas em círculo desde as primeiras horas do dia e cobertas por roupas sumárias e desbotadas, as adolescentes de 14 e 16 anos se embriagam com um coquetel de cachaça, refrigerante e anfetaminas, no entrocamento das BRs 116 e 381, ao lado de prostitutas. Aguardam viajantes, principalmente caminhoneiros, que paguem R$ 10 por uma rápida relação sexual, ali mesmo, às margens das rodovias, em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. “Já nasci largada nessa vida, faço programas, bebo com as meninas, nem durmo mais. Quando vejo, estou no acostamento, na boleia ou deitada aqui na grama”, conta a mais nova, que fuma compulsivamente e diz ter começado a se prostituir aos 11 anos.
O drama das meninas é o retrato do estigma que Minas Gerais carrega por concentrar o maior número de pontos de exploração infantil do país. Ontem, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) divulgou o Mapeamento dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas estradas federais, que indica 252 áreas em rodovias do estado. O número é quase o dobro (89,47%) do registrado na pesquisa de dois anos atrás, quando havia 133 pontos. O estudo qualifica o tipo de risco e mais da metade deles está nas categorias de risco alto e médio.
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"O resultado do mapeamento é preocupante, mas tem um aspecto positivo, porque mostra também o aumento da conscientização de que esta é uma briga da sociedade, que percebe esta situação como crime e violência. As estradas têm sempre grande potencial para exploração sexual de menores por causa do trânsito interestadual e da rota de tráfico, comum a esses lugares. Essa é uma das piores formas do trabalho infantil", diz o professor.
Combustíveis e alimentação
O estudo foi elaborado a partir do preenchimento de uma ficha on-line pelos patrulheiros federais. O relatório indica que os pontos de vulnerabilidade são principalmente postos de combustíveis e locais de alimentação. Entre as perguntas da pesquisa, os agentes informaram se havia iluminação, prostituição de adultos e consumo de bebidas alcoólicas nos locais de exploração sexual infantil. De acordo com o resultado, a atuação dos conselhos tutelares é pequena e, em 97,4% dos ambientes considerados críticos, também há prostituição de adultos. Há consumo de bebidas alcoólicas em 93,5% dos locais.
No biênio 2009/2010, a PRF e o grupo de trabalho definiram graus de risco para qualificar o monitoramento. No questionário, os indicadores de vulnerabilidade recebem pontuação e a somatória determina a categoria do ponto abordado. Esse item não é aberto aos agentes, que apenas preenchem as informações. Os critérios de maior peso são prostituição de adultos, reincidência de exploração sexual infantil, registro de ocorrência de tráfico ou consumo de drogas e presença constante de crianças e adolescentes num determinado local nos anos anteriores. O mapeamento mostra que, nas rodovias que cortam Minas são 57 pontos críticos, 67 de alto risco, 68 de médio risco e 60 locais de baixo risco.
Para a subsecretária de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Carmem Rocha, o aumento do número de pontos não está diretamente ligado ao aumento da violência. Segundo ela, a exploração e os crimes sexuais, de maneira geral, têm mais visibilidade. "Além da malha rodoviária enorme no estado, há o aspecto da subnotificação. O problema pode ser maior do que parece", admite ela. "O violador está na família, convive com as crianças, porque normalmente é um tio, um pai, padrasto, irmão, muitas vezes com o conhecimento da mãe. É uma questão histórica e cultural, uma violência quase endêmica, porque, na maioria dos casos, o violador de hoje já foi violado ontem."
A subsecretária lembra que o incentivo à denúncia (0311119 – ligação anônima e gratuita) é muito importante e funciona como uma "luz no fim do túnel”. “Não fazemos mais campanhas, é um processo de mobilização contínuo, principalmente com caminhoneiros, que são nossos parceiros", diz. Nos últimos três anos, o Disque Direitos Humanos da Secretaria de Desenvolvimento Social recebeu 8.903 denúncias de crimes contra crianças e adolescentes, média de oito por dia. Os crimes sexuais somam 1.970 ligações. Em 2011, o serviço registrou 2.038 denúncias. Os crimes de abuso, exploração e violência sexual correspondem a 17% desse total, com 338 denúncias. Entre janeiro e abril deste ano, foram 735 ligações, 90 sobre crimes sexuais.