O drama em Mamonas é apenas uma das consequências daquela que já é apontada pelos meteorologistas como uma das maiores estiagens da história do estadoA mancha de sede que ela espalha pelo mapa de Minas só faz crescer: já engoliu 96 municípios, todos em estado de emergência, a grande maioria no Norte e no Vale do JequitinhonhaNo seu rastro, a lavoura teve perda que supera 70%; quando não morre, o gado mingua com fome e sede; prefeituras escavam o solo atrás de água para a população, mas pouco encontramQuando acham, em muitos casos o líquido que chega à superfície é salobroBanho virou luxo, mantido graças a água de aspecto duvidoso, buscada cada vez mais longe.
Divisão
Especialistas tentam explicar o que o sertanejo sente na pele, sol após sol“Na verdade, isso já é consequência do aquecimento globalAs regiões semiáridas tendem a sofrer mais com os efeitos do fenômeno, vivendo contrastes, com muita chuva concentrada em determinado período, tendo, logo depois, estiagem rigorosa”, diz o meteorologista Ruibram dos Reis, do Instituto Climatempo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Já o professor Expedito José Ferreira, coordenador do Centro de Estudos de Convivência com o Semiárido, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) em parceria com o governo de Minas, afirma que diversos fatores estão ligados ao longo período de estiagem“O mais provável é que seja influência do fenômeno La Niña (resfriamento das águas do Oceano Pacífico)”, informaSegundo ele, apesar de uma corrente atribuir o rigor da seca ao aquecimento global, ainda não há consenso na comunidade científica sobre isso.
Para quem vive no sertão mineiro, a verdadeira explicação pouca diferença faz, frente à aridez do cotidiano
A equipe do Estado de Minas percorreu alguns dos municípios mais castigadosLugares em que o volume de chuvas de outubro/2011 a março/2012 foi de pouco mais de 400 milímetros, metade da média histórica (800 a 900 milímetros)Só choveu mesmo até o início de janeiroTão pouco que muitos rios e córregos nem chegaram a correrNesta semana, foram registradas chuvas esparsas pela regiãoEm Montes Claros, chegaram até a causar danos ao asfalto, mas, no extremo Norte, área mais afetada, o pouco que pingou do céu não alterou em praticamente nada o cenário de desolaçãoPor isso, além da aridez já instalada, o que mais apavora o sertanejo é saber que chuvas “de verdade” só devem voltar à região em outubro ou novembro, como estimam meteorologistas.
“Será o fim do mundo?”, pergunta-se Celestina de Andrade, que encontramos em MamonasEla conta que a família sobrevive graças à água captada na nascente em uma serra perto de casaÉ a mesma que sustenta outros moradores do lugar, que rezam por mais um pouco de chuva que mantenha viva a última fonte.
Um deles é o agricultor Evangelista de Andrade Câmara, de 42 anos“Em março, a nascente quase secouTive que trazer água na cabeça, de um poço.” Em anos anteriores, esta era a época de plantar alho em área de um hectare, perto da barragem do Rio CabeceirasNeste ano, ele preparou a terra, mas, com a barragem seca, o terreno ficou nuSem pasto, o agricultor também teve que vender parte do seu pequeno rebanhoRestaram seis reses, e nem elas ele sabe se vai conseguir manter até o fim da estiagem“É a primeira vez que vejo uma seca deste tipoDeus ajude que seja também a última.”