No interior da capela, ao lado do Cemitério do Rosário, a equipe do restaurador e historiador Carlos Magno de Araújo dá os últimos retoques nos elementos artísticos que serão vistos pela primeira vez em décadas durante a sagração do novo templo, a ser feita pelo bispo diocesano Célio de Oliveira GoulartAtento a cada detalhe, Carlos Magno mostra o forro tridimensional, “o único do país”, segundo ele, por trazer a Santíssima Trindade coroando Nossa Senhora, contornada por árvores num efeito ilusionistaMais interessante ainda é notar a coroa de madeira em relevo projetando-se além do forro “Encontramos apenas as marcas dos pregos e, a partir daí, refizemos a coroa”, explica o restaurador, nascido e residente em São João del-Rei.
O ornamento dourado é a deixa para Carlos Magno voltar no tempo de infância, reconstituir os últimos 25 anos da capela datada de 1760 e exaltar a importância da obra de Natividade, que, segundo o pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Olinto Rodrigues dos Santos Filho, estava no mesmo nível artístico de Manuel da Costa Ataíde (1762–1830) e outros contemporâneos“Quando criança, passava sempre as férias na fazenda da família em São Vicente de Minas e ficava impressionado com a capelinha no meio ruralDepois, quando fui estudar história em Ouro Preto, ouvi a professora Míriam Ribeiro falar sobre Natividade e, imediatamente, me lembrei dos elementos artísticos.”
ROUBO
Na década de 1980, o templo ficou praticamente abandonado, sendo alvo constante de assaltos e saques
Numa outra foto, Carlos Magno ajuda a equipe a embalar as peças a serem conduzidas a São João del-ReiEle conta que o prédio do Museu de Arte Sacra não comportou os bensO jeito, então, foi levar tudo para o ateliê de restauração anexo à Capela de Santo Antônio, onde foram feitas limpeza, higienização e fixação da policromia e douramentoComo a capela não era tombada pela União, os entendimentos como o Iphan foram infrutíferosNo fim da década de 1990 o monsenhor Paiva adquiriu um terreno e somente em 2006 começaram as articulações para erguer o templo, que teve patrocínio da Oi, enquanto a Cemig custeou o restauro da decoraçãoAs obras finalmente começaram em 3 de março de 2008.
SALVAÇÃO “Se não tivéssemos tomado essas providências, o patrimônio teria sido desmantelado e ido parar nas mãos de vários colecionadores, certamente até de fora do Brasil”, afirma Carlos Magno, lembrando que se sentia em dívida com o povo de São Vicente de Minas
A proprietária da Fazenda Espírito Santo, Heloísa Helena Reis Junqueira, revela que no início não concordou com a retirada da capela das terras da família“Não nos avisaramChegou um caminhão do Exército e foi levando tudoDepois é que o bispo deu uma satisfaçãoHoje, pensando friamente, vejo que foi a melhor medida, pois, do contrário, o acervo teria acabado”, diz Heloísa, que pretende, em breve, visitar o novo templo“Sobraram as paredes da nossa capela, mas, para nós, o mais importante é a parte espiritualAmanhã, também vamos celebrar o Divino aqui.”
LINHA DO TEMPO
Século 18 – Em meados do século, numa fazenda em São Vicente de Minas, é construída a primeira capela dedicada ao Divino Espírito Santo
1760 – Em 26 de fevereiro, o bispo de Mariana, dom Frei Manoel da Cruz, autoriza a construção da nova capela em São Vicente de Minas
Século 19 –Entre o fim do 18 e início do 19, capela recebe a decoração interna feita por Joaquim José da Natividade
1824 – O bispo de Mariana, dom Frei José da Santíssima Trindade, visita a Capela do Divino
1940 – É feita uma grande reforma na capela, que apresentava problemas principalmente no telhado
Década de 1980 – Em meados da década, a capela passa a ser alvo de assaltos, com roubo de imagens, castiçais e até as talhas douradas
1988 –Bispo diocesano, dom Antônio Carlos Mesquita, autoriza a transferência dos restos da decoração para São João del-Rei
2008 –Em 3 de março, começa a construção, em São João del-Rei, da Capela do Divino Espírito Santo, que será inaugurada amanhã
UM MESTRE DO ROCOCÓ
O pintor do forro, altares, púlpito e outras peças rococós da Capela do Divino Espírito Santo ainda é pouco conhecido dos mineiros, embora esteja no nível dos artistas coloniais Manuel da Costa Ataíde, João Nepomuceno Correia e Castro e Manuel Vítor de JesusNascido em Sabará por volta de 1775, Joaquim José da Natividade trabalhou na comarca do Rio das Mortes, que tinha São João del-Rei como sede, mas antes, em 1790, passou por Congonhas, onde foi aprendiz de João Nepomuceno, responsável pelas pinturas do Santuário do Senhor Bom Jesus do MatosinhosNa mesma época, segundo o pesquisador Olinto Rodrigues dos Santos Filho, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que estudou vida e obra do pintor, Natividade atuou na capela da Fazenda Boa Esperança, em Belo ValeDepois de ficar em São João del-Rei de 1804 a 1820, havendo criado o projeto de um chafariz que não existe mais, o pintor seguiu para o Sul de Minas e deixou sua marca em templos de Lavras, São Tomé das Letras, Conceição da Barra de Minas, Liberdade e outrosEle morreu em Baependi, no Sul de Minas, em 1840.