Nem o prestígio internacional, que o levou ao Festival de Coachella, em 2011; nem o reconhecido talento para improvisar rimas, que lhe rendeu vitórias nas principais batalhas de MCs no país, livraram o rapper Emicida de conviver diariamente com o preconceito“Nos hotéis, por exemplo, quando vou tocar em algum lugar, os olhares dizem que sou objeto estranho se não tiver carregando mala ou limpando chão”, desabafou, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense“Estou falando de racismo mesmo, por eu ser negro, não de preconceito social simplesmente.”
Vindo da periferia de São Paulo, Emicida chegou longe para os padrões dos artistas de sua linhagemPassou pela tevê, como apresentador de programas sobre rap na MTV e na Cultura, e ganhou vários prêmios por suas canções faladas, sempre repletas de crítica socialIndependente, dono de seu nariz, ele prepara o primeiro álbum nos moldes tradicionais, cercado de expectativas — dele, inclusive“Ainda não lancei um trabalho que eu olhe e fale: ó, é isso mesmo, fechou a tampa!”, revela.
A língua mordaz lhe rendeu uma prisão em Belo Horizonte, no último dia 13Explorado à exaustão pela mídia, o episódio teve saldo positivo ao reverberar temas importantes na sociedade, como liberdade de expressão e abuso de autoridadeNo show daquele domingo, em Minas, ele cantou Dedo na ferida, que aborda a ação violenta da polícia militar durante a desapropriação de famílias em locais visados pela especulação imobiliáriaOs fardados presentes supuseram que ele estaria incitando a ira do público e o detiveram por “desacato a autoridade”.
“A canção fala sobre a apreensão das famílias nesses momentos, mas essa questão não repercutiu”, lamenta“Os policiais agridem as pessoas pobres, e esse não é o trabalho delesOs poderosos valorizam prédios, condomínios, mas não valorizam as pessoas que vão ocupá-los”
Esquema coletivo
Todos os videoclipes, singles e mixtapes de Emicida são fruto de seu trabalho no Laboratório Fantasma, selo que criou com amigosAlém de gerenciar a carreira dele, a empresa quer apostar e abrir as portas para novos artistas“Quis criar essa estrutura para tirar a imagem de que a música independente tem que ser amadoraA gente faz um trabalho profissional”, garanteO resultado pode ser conferido na qualidade dos vídeos (vários passaram da casa de 1 milhão de visualizações no YouTube) e canções que chegam ao público“As coisas não acontecem por sorte, mas sim por seriedade e trabalho.”
O primeiro álbum está em gestação e deve sair em 2013Emicida tem estudado canto e piano e buscado referências para entender a música “de dentro pra fora”“Não deve ser um disco exclusivamente de rap, mas seguirá por essa linha da música faladaO samba tem muita coisa disso, o rock e o ragga também, vou passear por essas vertentes
Discografia
Desde 2008, Emicida lançou quatro singles (Triunfo, Avua besouro, Quero ver quarta-feira e Trouble) e quatro mixtapes, que são compilações de canções: Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe, de 2009; Sua mina ouve meu rep tamen e Emicidio, de 2010; e Doozicabraba e a revolução silenciosa, 2011O primeiro álbum deve sair em 2013.
Trecho
“O povo tem que cobrar com os parabelo
Porque a justiça deles, só vai em cima de quem usa chinelo
E é vítima, agressão de farda é legítima
Barracos no chão, enquanto chove
Meus heróis também morreram de overdose
De violência, sob coturnos de quem dita decência
Homens de farda são maus, era do caos
Frios como halls, engatilha e plau!
Carniceiros ganham prêmios,
Na terra onde bebês respiram gás lacrimogênio”
PONTO A PONTO
ENSAIO (TV CULTURA)
“É emocionanteImagina, estar ali de frente com o Fernando Faro, o cara que idealizou o programa de música mais importante dos últimos temposA música perdeu muito espaço na tevêParticipar foi uma honra sem tamanho, porque coloquei meu nome, modéstia à parte, com o dos meus ídolos.”
INFLUÊNCIA BLACK
“Grandes nomes da música americana, como Marvin Gaye e James Brown, ensinaram uma forma de imprimir sentimento dentro da cançãoInteriorizei o soul de uma maneira fundamental para fazer música como façoSe você tentar buscar a melodia do soul na minha canção, não vai encontrarMas pela interpretação de cada frase, dá para sacar.”
MÚSICA BRASILEIRA
“Escuto muito samba e também Elis, Ivan Lins, Jair Rodrigues, Simonal, Roberto Carlos — todos serviram como ingredientesPixinguinha me trouxe a importância de estudar a história de nossa música mais a fundoO chorinho é um gênero que valorizo muito.”
PROTESTO
“O rap é a música de São PauloEle tem esse lance da música urbanana minha música, fujo para outros temas que não sejam só desigualdade socialMas ela acaba protestando, é uma parada que foge do meu controleMas não tenho essa obrigação, música tem que ser livre.”
TELEVISÃO
“Resolvi sair dos dois (programas de tevê) para dar mais atenção à minha carreiraEstava virando personagem de tevêÉ uma exposição muito grandeMas sou grato pelo espaçoTentei dar um panorama do que estava acontecendo, colocar lá pessoas que não tinham boa distribuição.”
IMPROVISO
“Eu me senti confiante para mostrar por volta de 2002Mas nunca disse que estava prontoTenho que me aprimorar, estou sempre estudando a música falada em outros temposQuero colocar meu nome na história de forma tão significativa quanto alguns caras aíGanhei as maiores batalhas do Brasil; mas, mais do que confiança, as batalhas me deram divulgaçãoPassei a fazer parte de um outro circuito.”