Jornal Estado de Minas

Novos jeitos de amar

Conheça as novas famílias mineiras

Modelo antigo da estrutura familiar divide cada vez mais espaço com situações diferentes: pais solteiros, casais unidos de maneira informal e casamentos entre pessoas do mesmo sexo. É a família mosaico, que dá um basta aos preconceitos

Sandra Kiefer

RETRATOS DA DIVERSIDADE: As três gerações da família Laborne, com enteados e filhos; Soraya Tofani, Ageeo Simões e os filhos dos casamentos anteriores; os recém-casados Rodrigo e Wanderson e Iracema, mãe de Wanderson; Paulo Barcala e o filho do segundo casamento, que tem a mesma idade do primeiro neto do publicitário; e Luiz Guilherme e Doralice, que optaram por não ter filhos - Foto:

 

Durante a festa de aniversário de 10 anos de Pedro Henrique, os amigos do Colégio Santo Antônio se reuniram para cantar o Parabéns pra você Depois da música, veio o complemento constrangedor: “Com quem será que o Pedro vai casar/Vai depender se o Pedro vai quereeer…” E a canção não parou aíOs colegas do menino insistiram na continuação da melodia: “ Eles vão casar e ter um monte de filhos/E daí então o Pedro vai se separaaar!” Na época, a brincadeira soou interminável para a mãe do garoto, a publicitária Soraya MalheirosEla sim, estava se separando do marido, com dois filhos para criarAlém de Pedro Henrique, havia João Paulo, de 7 anos.

Esse episódio ocorreu há cerca de 10 anos, quando as separações eram menos aceitas em Minas GeraisDe lá para cá, o termo desquite deixou de existir, sendo substituído por divórcioEntre 2000 e 2010, o número de divórcios mais que dobrou no estado: passou de 1,6% da população para 3,3%, segundo dados do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)Com o fim dos casamentos, entram em cena os segundos relacionamentos e, consequentemente, os frutos dessa nova união e a convivência com os enteados, filhos das relações anterioresÉ preciso criar um glossário para ajudar a entender os novos arranjos familiares, que incluem irmãos emprestados, “namorido” (namorado que vive uma relação conjugal com a mãe) e “boadrasta” (nova mulher do pai).

Os novos arranjos familiares em Minas são muitos: pais solteiros, casais sem filhos por opção, uniões estáveis e até o primeiro casamento gay de papel passado, que ocorreu este ano em Manhuaçu, a 278 quilômetros de Belo Horizonte, na Zona da MataWanderson Carlos de Moura, de 34 anos, e Rodrigo Diniz Rebonato, de 18, se casaram e um adotou o sobrenome do outro

Ufa, é tanta confusão que parece mais simples permanecer amando à moda antiga

“Há uma tendência a idealizar a família perfeita e a atribuir as dificuldades naturais da vida à separação dos paisSe o modelo antigo, autoritário e patriarcal, era mais fácil de seguir, o novo modelo permite fazer escolhas”, compara Giselle Groeninga, psicanalista, doutora em direito civil pela Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família (ISFL) Segundo ela, nos moldes antigos as questões homoafetivas, escapadas fora do casamento e o adultério costumavam ser tratadas com hipocrisia, repressão e sentimento de culpa“Nos casais de hoje, instituições como a família, o Estado e a Igreja passam a ser separadas entre si e cada uma delas se fortalece”, completa

Família margarina

Não quer dizer que a tradicional família mineira deixou de ser a “família-margarina”, formada por mãe e pai, filho e filha, que, pelo menos nas propagandas, parecem felizes para sempreSegundo o Censo, porém, o número de casados caiu 5% em Minas e o grupo de pessoas que se unem informalmente cresceu quase 40% entre 2000 e 2010De acordo com IBGE, elas já são quase um quarto da população“As mudanças têm sido aceitas sem alarde, dentro do espírito da mineiridadeMas elas têm acontecido”, lembra o advogado João Batista de Oliveira Cândido, especialista em direito de família

Numa ampla casa do Bairro Cidade Jardim formou-se uma perfeita “família mosaico”, termo usado por especialistas ao se referirem às configurações familiares do século 21
No mesmo ambiente convivem “os meus, os seus e os nossos filhos”, como se costuma dizer“Por mim, não teria me separado nuncaPara o homem, é difícil tomar a iniciativa”, declara o oftalmologista Luiz Alberto Laborne Tavares, de 51 anos, que terminou o primeiro relacionamento em 1999, depois de nove anos de união e dos filhos Pedro Henrique, hoje com 20 anos, e Lucas, de 19O “namorido” calcula que sejam necessários quatro anos para administrar a situaçãoEle passou a morar com a então namorada, a “boadrasta” Carina Ferreira, de 32, que já era mãe de Caio, de 14Juntos, os dois tiveram Isabel, de 4 anos, que ajudou a unir os três “irmãos emprestados”

De início, a situação gerou conflitos com os pais de Luiz Alberto, o oftalmologista Ângelo Laborne Tavares, de 90, e a professora de ioga Maria Tereza, juntos há 64 anosOs ajustes, porém, foram feitos“O tempo faz o seu curso e nós com ele vamos”, filosofa o patriarca, que diz escrever poemas até hoje para sua “menina”Ela sorri e dá as mãos ao “filhinho”: “Cheguei a ter preconceito em relação às separações, mas entendo que eles queiram renovar a vidaEu tive a sorte de encontrar a pessoa certa de primeira Nós nunca brigamos.” (Com Andrea Castelo Branco e Tiago de Holanda)

5%
É o percentual de queda no número de casamentos

60 mil
É o número de casais gays no Brasil

3,3%
dos mineiros são divorciados

Glossário

>> Boadrasta Nova mulher do pai

>>Irmãos emprestados Filhos do primeiro casamento da madrasta ou padrasto que convivem na mesma casa

>>Namorido(a) Namorado(a) que vive uma relação conjugal com mãe (pai)

>>Família mosaico  Homem e mulher se apaixonam, namoram e decidem morar juntosSó que ambos já foram casados e trazem filhos das relações passadasÉ assim que nasce a ‘família mosaico’, termo usado por especialistas ao se referirem às novas configurações familiares

>> Abandono afetivo  um pai paulistano terá que pagar indenização de R$ 200 mil por danos morais decorrentes do abandono afetivo da filha, segundo decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ)O pai ainda poderá recorrer da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF).