As múltiplas configurações da nova família – homoafetivas, mosaico, de mães ou pais solteiros – provocam alterações que vão além da legislação e da nomeclatura
“Se essas pessoas estão agindo de forma mais livre, por exemplo em relação ao papel e função de pai e de mãe, de homem e de mulher, a consequência será a formação de pessoas mais flexíveis e, espera-se, com maior capacidade de empatia e com menos preconceitos”, diz, ponderando que não se pode desconsiderar que há também um movimento de retrocesso, com famílias mais rígidas, inclusive pelo grau de confusão e angústia que a mudança nos valores tem trazido.
No caso de famílias reconstituídas, isso é, com irmãos vindos do primeiro casamento da madrasta ou padrasto, a formação da personalidade dos filhos também apresenta um padrão diferentePara Giselle, essas famílias requerem das crianças um “trabalho mental” maior, já que a identidade e a afetividade não estão diretamente ligadas ao parentesco “A identidade é formada pela genética, pela inserção em linhagens familiares e pelo que se denomina de aspecto socioafetivo, ou parentalidade socioafetivaFica mais fácil quando esses três aspectos se concentram nas mesmas pessoas
Giselle diz que, apesar de se afirmar que ninguém é insubstituível, quando se fala de pessoas com alto grau de envolvimento afetivo, nas relações familiares todos são insubstituíveis“As funções paterna, materna e filial podem ser exercidas por outrosÉ importante, no caso de outros exercerem tais funções, que se reconheça a contribuição dos originais e se valorize a possibilidade atual.”
Para Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFam, é preciso admitir que os filhos podem ter mais de um pai e uma mãe“Será que o padrasto que o acompanhou uma criança a vida toda, não é também pai? Tenho visto muito essa situação: “Eu gosto do meu pai e do meu padrasto e tenho que escolher quem vai ao meu casamentoVou me sentir muito mal porque ele me deu tudo”, completa.
Sem carinhos em público
Em casa, Rodrigo, de 18 anos, até ajuda na faxina, mas Wanderson, de 34, acha injusta a divisão de tarefas“Eu cozinho, lavo e passo a roupa, arrumo a cama Mas fazer o quê?”, resigna-se o mais velho, sorridenteDois meses depois do primeiro casamento civil entre homens em Minas Gerais, Wanderson Carlos de Moura Rebonato e Rodrigo Diniz Rebonato Moura vivem dificuldades e alegrias típicas de qualquer casal, mas ainda não trocam afagos em público — sequer andam de mãos dadas“Ele tem vergonha, mas eu não
Livres para as aventuras
Namoro com pai solteiro
Os meus filhos, o seu filho e a minha filha
Laços cada vez mais fortalecidos
Sandra Kiefer
Para especialistas do setor, os laços da família nunca estiveram tão fortes, apesar de terem sido amarrados de um jeito diferenteSegundo dados do Censo, os mineiros não vivem sósQuase a metade da população (48,3%) está envolvida em algum tipo de união, formal ou informal“As pessoas se perguntam se as crianças filhas de casamentos gays ou de segundos ou terceiros casamentos vão sofrer preconceitosÉ claro que vão, assim como sofriam antes os filhos de pais separados”, alerta o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), com sede em Belo Horizonte.
A partir da experiência de Minas, estão surgindo decisões importantes no cenário nacional do direito de família, como a noção dos relacionamentos ligados pelo afeto e não pelas questões econômicas, como ocorria no passado com as famílias patriarcaisDa nova definição de família, defendida pelo IBDfam, deriva o conceito de uniões estáveis homoafetivas que, sem trocadilhos, acabou “pegando” para definir os casais gays
“Novas estruturas de família estão em cursoO que não quer dizer que a família está em decadênciaPelo contrárioEla nunca teve tanta importância quanto agora”, alerta o advogado, autor da primeira ação de abandono afetivo com decisão favorável em primeira instância no país a um filho que se sentiu desprezado pelo pai biológico na infância Infelizmente, o cliente de Cunha teve o pedido negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2004Só em 2012, um pai, do interior de São Paulo, foi condenado a pagar indenização de R$ 200 mil por danos morais por ter deixado de prestar cuidados e assistência à filha, segundo decisão do STJ
Pai de Ava, de 9 anos, o locutor e cantor Aggeo Simões tem pouca chance de vir a ser processado pela filha Autor do blog Manual do Pai Solteiro, ele faz parte do grupo de um homem em cada 10 mulheres brasileiras capazes de cuidar sozinhas das crianças, sem a necessidade da ajuda do cônjugeNa realidade, desde que Ava tinha 18 meses, ele e a mulher, a artista plástica Júnia Melillo, concordaram em compartilhar a guarda da filhaEm relação a viver em duas casas ao mesmo tempo, Ava interrompe a entrevista para protestar: “Eu já implorei para os dois ficarem juntos, como namoradosÉ que, na maior parte das vezes, minha mochila está na casa do outro e eu não consigo fazer o para casaA professora já avisou que, da próxima vez, quem não fizer os deveres vai perder o recreio”, desabafa a garota, revirando os olhos e antevendo um futuro sem folgas“Fora isso, está tudo bem!”, completa