Jornal Estado de Minas

A pouco mais de uma hora do Centro de BH, povoados rurais privilegiam a tranquilidade

Povoados atraem cada vez mais gente que procura deixar para trás o estresse.

Jefferson da Fonseca Coutinho

O povoado de Suzana, em Brumadinho, preserva o bucolismo de outras épocas e é refúgio para quem deseja deixar o tumulto da cidade grande - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

Longe das carretas que matam, da poluição, dos gargalos sem solução e da verticalização que afasta o homem da terra, em paz, brota a vida no campoNa contramão do progresso e das tecnologias de última geração, do mundo de concreto armado, há caipiras na lida e no sossego da roça a uma hora do caos da metrópole de nome belo no espaço que a vista abrangeDurante quatro dias, foram percorridos 530 quilômetros no entorno da Região Metropolitana de Belo Horizonte, de prosa com a boa gente que amanhece com os galos e dorme com a criaçãoPor trilhas de terra vermelha, o Estado de Minas encontrou povoados de entardecer de modo diferente, onde, como escreveu o itabirano Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), “a sombra vem nos cascos, no mugido da vaca separada da cria”.

Na zona rural de Sabará, Brumadinho, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Florestal e Santa Luzia, ainda se honra o fio do bigode, brinca-se de roda e cumprimenta-se o vizinhoAs compras são pagas no dinheiro e o crédito é o da cadernetaEm diversos trechos não há sinal de operadora telefônicaNada de iPhones, redes sociais ou amigos virtuaisSteve Jobs? Mark Zuckerberg? Quase ninguém sabe quem sãoAs crianças, criadas soltas, batem bola descalças e pedalam nas ruas e nos campinhos de terraNa roça, interior do interior, “craque” conhecido é o jogador habilidosoO outro, o crack – grande mal que consome –, é notícia ruim vinda das antenas
Dos 12 lugarejos visitados, em apenas um, em Lagoa Santa, o EM encontrou ocorrência com a droga“Aqui é um lugar muito sossegadoTodo o mal daqui, roubo e droga, veio da cidade”, afirma um conhecido do usuário em tratamento.

Francisco Alves reconstruiu a vida em Florestal depois de ser assaltado várias vezes na Região Centro-Sul de Belo Horizonte - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press


Tempo para a família

Foi Gameleira, distrito de Florestal, a pouco mais de 70 quilômetros de Belo Horizonte, com cerca de 260 habitantes, que Francisco Alves, de 56 anos, escolheu para reconstruir vida de pazDepois de “pelejar” com pizzaria na capital e ser vítima de seis assaltos, o comerciante optou pela tranquilidade do povoado onde nasceuHoje, o pai do Lucas, de 18, da Luana, de 16, e do Luiz Felipe, de 13, tem pousadinha no belo quintal de sua propriedade, com lago de tambaquis, tambacus, tilápias, traíras e pacus“Aqui, você não ganha dinheiro, mas vive muito bem”, avalia, seguro de que fez a escolha certa pelo bem dos filhosMorando no quarteirão deserto da Pousada Gameleiras desde abril, Romilda Maria Marques Andrade, de 40, mãe das pequenas Ariane e Ana Catarina, também está de volta à terra natal em busca de qualidade de vida“Em BH, tudo é muito caro e com muito tumultoEstamos bem melhor agora”, sorri.

Diferentemente da irmã Romilda, Romélia de Fátima Marques, de 31, nunca quis deixar GameleiraCasada, mãe de casal, a cantineira acredita que “modernidade demais atrapalha a educação”

De mãos dadas com a família e na companhia do cão Fred, Romélia diz não gostar do que vê na “moda”“As músicas, os piercings… essas músicas de hoje são um retrato de mau gosto dos novos tempos”, criticaPara a florestalense, os pais estão perdendo o controle da educação dos filhos“Fico assustada com as notícias dos grandes centros… violência, drogas e intolerânciaNa cidade grande, a impressão que eu tenho é a de que os pais, cada vez mais ocupados, não têm mais tempo para os filhos”, dizCheia de mimos com Melissa, de 8, e Henrique, de 13, na Praça Jesuíno Moreira, Romélia enaltece o campo: “Roça significa sossego; as galinhas no quintal; deitar e acordar cedoSão os valores da boa educação e da vida em comunidade”.

A lavradora Elza Naves, moradora de Cachoeira de Almas, diz não querer saber da capital nem pela televisão - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

Urgências do mundo de lá


A estradinha de terra é traço de cinco quilômetros entre o verde vivo de FlorestalA 15 minutos de Gameleiras, em Cachoeira de Almas, a bela Ana Paula da Silva, de 18, pensa em casamento, em 2015O futuro para a mocinha inteligente, politizada, que pensa em “ser” mais que “obter”Para o dinheiro, ela, babá, diz não dar muita confiança“Cuido da minha sobrinha e minha irmã me dá uns trocadosAqui, ninguém ganha muito, mas, como não temos com o que gastar, a gente consegue juntar… o mais importante é que a gente tem mais tempo para ficar junto e fortalecer as relações em família e com a comunidade”, ressaltaAna Paula fala das metrópoles que ela vê na TV e afirma não querer para a sua vida as urgências “do mundo de lᔓOs engarrafamentos, os acidentes, os crimes… quero distância de tudo isso”, comenta, ao lado de Nataly Aparecida, de 6, que se diverte com os carinhos da tiaDiva das Graças, de 49, participa da conversa“Também não gosto da cidade grandeÉ barulho demaisE prefiro gente do que tecnologia”, pontua.

Na praça do lugarejo, as placas comemorativas indicam as datas de inauguração dos serviços de água (1990), telefone (1990) e calçamento (2000)Sob o sol das 15h, nos bancos, meia dúzia de homens, mulheres e crianças conversam amenidadesOutros, em alpendres e janelas, observam o movimento na ruaAo lado da igrejinha, aula de costuraA lavradora Elza Naves, de 49, trabalha no campo desde os 13 anosDiz-se feliz com a rotina dos dias, que, ali, para a maioria dos 400 moradores, começa às 4hOs filhos, de 24 e 20 anos, “nunca jogaram videogame”Em casa, 35 galinhas gordas representam farturaEla conta que ônibus no povoado só uma vez por semanaE para Pará de Minas“Para Florestal, tem o escolar duas vezes por dia, que a gente também pode usar”, comenta, enquanto compra remédio para a vizinha com dor de cabeçaPriscila Cristina, de 20, funcionária da “vendinha”, única mercearia do lugar, escreve na caderneta miúda o preço do comprimidoConhece BH, Priscila? “Só pela TVAcho bonitaMas é muito violenta, né!?”

Hábitos simples são a receita de longevidade de dona Aramita, que, aos 96 anos, exibe uma lucidez invejável - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

A confiança do povo


“Ave, Maria! Troco Lapinha por nada não, sô!”, afirma Eduardo Roberto de Paula, de 47, o “Sambuca”, a caminho da mercearia do CarecaChegado numa bicicleta, o jardineiro já cumpriu as obrigações do dia e, antes das 10h, já está liberado para prosear com os amigos em ponto de encontro do povoado de Lapinha, em Lagoa SantaTorcedor da Argentina, de Messi, e do Bela Vista, time da região, Sambuca fala que cidade grande não é para ele“Tranquilidade é bem melhor que cultura e dinheiro”, consideraAo fundo, a galinha choca corta o silêncio da estradinhaNa mercearia, Geraldo Lacerda Neto, de 33, recebe a clientelaNascido em Santa Maria do Suaçuí, no Vale do Rio Doce, Neto está em Lagoa Santa desde 1996“O melhor aqui é a amizade e a confiança do povoAqui, só no dinheiro e na caderneta pra gente não ter que depender de banco pra nadaAs escolas públicas são boas e atendem bem”, consideraDe prosa no estabelecimento, Cheiroso, Bené, Bibil, Leandrinho e SambucaSorridente, Neto completa: “Aqui, todo mundo é amigo e tem apelidoNa Lapinha, vive-se bem e vive-se muito”, refere-se às vizinhas longevas Salute, de 101, e Aramita, de 96.

Um tucano garboso voa baixo, pousa e faz graça na mangueiraO garoto descalço, ao perceber a admiração do visitante, solta a voz: “Aqui tem um monte”Dona Salute, acamada, não pôde conversar com o EMJá dona Aramita Roberta de Paula, nascida e criada na Lapinha, de lucidez admirável, relembrou alegrias e tristezas de quase um séculoLamentou com olhinhos de fazer doer o coração a morte do filho Nilton, aos 74, em 2009Foi longe para reviver a filhinha Nilza, morta aos 10 meses há quase 80 anosDeixou a tristeza para oferecer café e a mexerica colhida na horaSem perder o humor, revela o segredo da longevidade: “Está no trabalho na roça, desde quando o sol se levanta, sem reclamar”De hábitos simples, Aramita gosta de “angu e franguinho com quiabo”A máquina Singer na sala, hoje objeto de decoração, é lembrança dos tempos de costuras na LapinhaA aposentada morou em Belo Horizonte por sete anos e não sente saudade da capital“Não gosto de ver nem na televisãoNão tem graça não”, brinca.


Luci deixou de lado o magistério para trabalhar com turismo no povoado da Lapinha e se envolver em projetos sociais da comunidade - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

O ar puro da Lapinha


Nas ruas vazias da Lapinha, um morador cadeirante toca as rodas com os braçosMoisés de Oliveira Gonçalves, de 27 anos, há 10 meses vive na paz do lugarejoDivide teto com a namorada na casa da sogra, junto da bebê Thaís, de dois mesesCigarrinho de palha na mão, de cabelo trançado, piercings e alargadores na orelha, Moisés sonha voltar a andar“Desde criança tenho os ossos fracos, mas sei que, aos poucos, com cuidado, posso ficar de pé novamente”, acreditaTodos os dias, pelas manhãs, o pensionista corta a Rua Ornélio Rodrigues para espairecer e praticar exercícios na pracinhaMais embaixo, trio bom de bola brinca na ruaMarcone, de 18, Jefferson, de 14, e Kelwin, de 12, são fãs do bom futebolJefferson e Kelwin são integrantes de projeto social do Espaço Cultural Casa de Nadir, que oferece aulas de futebol e violão e foi criado pela professora Luci Rosa da Silva e pelo multiartista Maurício Tizumba.

Há 23 anos, Luci decidiu deixar Belo Horizonte e fazer o caminho da roçaEscolheu ponto a dois quilômetros da Gruta da Lapinha para fundar o Cantinho da Luci, com “cama e café” para visitantes, amantes da naturezaAli, por R$ 30 é possível dormir ao som dos grilosAo lado do vizinho e parceiro Tizumba, a professora de geografia abraçou causa social na regiãoSem fazer alarde, o duo aposta na Casa de Nadir, mantida com recursos próprios, para auxiliar jovens e adultosO espaço prevê cômodo com computadores para proposta de inclusão digitalNo dia em que o EM esteve no imóvel, em terreno com pés de goiaba, banana, jabuticaba, figo, amora, acerola, coco e manga, técnico cuidava de equipamento para a captação de sinal para internet“Agora, só faltam os computadores”, comemora TizumbaPara o ator e cantor, o envolvimento com a comunidade é uma maneira de retribuir o ar puro encontrado na Lapinha.


Antônio Vicente não abre mão de ordenhar o gado toda manhã e se orgulha do contato com a criação - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

 

A calmaria ao pé da serra


Pela estradinha, nas costas do Condomínio Retiro do Chalé, ao pé da Serra da Moeda, em Brumadinho, pôde-se ver o homem magro e alto, de chapéu, ganhar o curralNo pasto verdejante, os cachorros Tioanibal e João, serelepes, se divertem junto à ossada de novilhaAntônio Vicente Morais, de 76, caminha até a porteira e, generoso, faz festa para os forasteiros de carro timbrado“Dia! É sempre um prazer receber os amigos, sô!” A falta de estudo não parece ter atrapalhado a educação de seu Antônio, que trata com amizade até quem nunca viu na vidaAnalfabeto, conversado, o sertanejo é só gentileza“Meu pai era de uma família muito pobreTenho nove irmãosQuando pude ir pra escola já tinha 17 anosAí, deixei de lado”, diz, com os passos firmes em direção ao curral“Aquela é a vaca ChatinhaQuando está de bezerro, chega a dar 10 litros de leite por dia”, contaFala da família como seu maior patrimônio e orgulha-se dos filhos, estudados, vizinhos.

Depois da boa prosa com seu Antônio, hora de voltar ao caminho da roçaQuilômetro e meio dali, em Suzana, no distrito de Piedade do Paraopeba, com cerca de 250 famílias, Helena Maria Leite, de 53, toma conta de posto dos Correios, mantido pela Prefeitura de BrumadinhoA funcionária pública, de bem com a vida, elogia a comunidadeComo quem quer apresentar o que há de melhor na terra em que vive, aponta para a Serra da Moeda: “Está vendo aquela água que nasce ali? É ela que abastece o povoado”Andante, montado no cavalo Ícaro, surge o vaqueiro Adenilton da Silva, de 42“Aqui é bom demaisVocês têm que conhecer Chácara, logo ali em cimaÉ maravilhoso”, indicaNa calçada, em frente à Igreja de Santo Antônio da Suzana, fundada em 1910, Getúlio Rodrigues, de 50, chama a atenção para a festa do milho, anual, em abril“Um sucessoMas melhor aqui é a qualidade de vida”.


Cena comum em Pompéu, povoado de Sabará: lavar roupa com água da nascente da Pedra Rachada e pendurar para secar na cerca de arame - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

 

De volta para o futuro


Em Pompéu, em Sabará, Walerson França Gomes, de 21, vendeu a égua Pandora por R$ 1,5 mil e comprou uma motoFuncionário de alambique, o moço diz sentir falta do animal e revela o sonho de ser veterinárioComo alguns conterrâneos, pensa em deixar a roça para estudar e voltar para trabalhar no povoadoCaminho percorrido por Ricardo da Fonseca, de 35, estudado, de volta à terra natal pelo futuro da família“Meu tempo mais feliz é agoraA gente precisa dar valor às coisas simples da vidaA ganância do ser humano não tem limiteAqui, as pessoas se conhecem, se ajudamNa cidade grande você pode passar uma vida inteira sem conhecer ninguém”, consideraNa calmaria da rua, o filho Lucas, de 11, anda de bicicletaJoel, de 59, irmão de Ricardo, opina: “Quem cresceu num lugar assim não consegue se adaptar à cidade”.

No casarão de mais de 200 anos, o almoço caseiro, servido a tempo e a hora por dona Maria Torres, de 82“Já fiz de tudo na minha vidaCosturei, bordei… Para viver bem o segredo é ter tranquilidade”, ensina, no imóvel de seis cômodos, feito de pau a pique e bambuO franguinho caprichado rouba a cena e vira assunto em roda do bairro famoso por festival de ora-pro-nóbis, que, desde 1997, movimenta PompéuPela vizinhança o silêncio que descansaMoacir Tomé, de 60, aposentado, já tem nas mãos o pão para o café da tardeE essa alegria, Moacir? “Sossego, né!? Temos um verde que não troco por nada deste mundo.” A Igreja Santo Antônio do Pompéu é destaque na paisagem da Pedra RachadaNela, o cemitério da comunidade, onde os casais são sepultados juntos, sob as cruzes que se abraçam.


José de Melo: "O progresso traz grandes males para o espírito" - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

 

O encantador de mulas


Desde criança, Lourival Filho, de 39, baiano de Ilhéus, é cheio de histórias com os cavalosEm Quinta do Sumidouro, lugarejo de paz em Pedro Leopoldo, todo mundo já conhece o Centro de Treinamento do BaianoNas baias, 12 mulas de oito criadores de Minas, do Rio de Janeiro e do ParáLourival treina Paola, hexacampeã nacional, à venda por R$ 300 milLadeado pelos cães Morena, Criola, Bicicleta e Fubá, o encantador se diz homem da roça: “Já estive em muita cidade grandeNão me acostumoGosto é do campo”Em evidência, o respeito pela terra vermelha e pelo verde do pastoO coração ele revela estar em festa com a noiva mineira, Vilma, de 38, com quem se casa em 2013“É só terminar a casinha ali, do outro lado da cerca”, aponta.

Nos limites de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, com 1,3 mil hectares, está o Parque Ecológico do Vale do SumidouroNa região, é possível encontrar pinturas rupestres com 4 mil anos de idadeFoi na beira da lagoa, tratando de sete vacas e 30 galinhas, que o EM encontrou José de Melo, de 62O lavrador, solteiro, mora com duas irmãs, Clélia e ClotildeDe olhar profundo e ar ressabiado, o mineiro está convencido de que o progresso traz “grandes males para o espírito”Para ele, pode-se até viver mais “em anos”, mas, em qualidade de vida, “vive-se cada vez menos”Não gosta de televisão e, menos ainda, quer saber de internet“A gente só tem notícia de coisa ruim.” Entre buganvílias vermelhas e cor-de-rosa, ao som da passarada e de dois galos roufenhos, seu Zé agradece a visita e volta a cuidar da criação.


Mês dos santos


Em Pinhões, limite das fazendas Macaúbas e Bicas, em Santa Luzia, Jailson Diniz Lima, de 55, prepara o 20º Forró na Brasa, dia 23Maior atração do lugarejo neste mês, tempo de festejar os santos Antônio, João, Pedro e PauloPela rua do povoado, o gado anda solto a caminho de casa, próximo à Praça Antônio Teotônio DinizO dinheiro arrecadado com as barraquinhas vai para o Lar dos Velhinhos“Os vizinhos se ajudam como se fossem todos uma única família”, orgulha-se JailsonHelio Pereira da Conceição, de 78, pai de três moças e três rapazes, com netos e bisnetos, é outro, feliz da vida, cheio de paz e saúde, com a família na roçaEm terreno amplo, aberto e florido, o aposentado exibe os estandartes em homenagem aos santos de junho