Pelo menos 430 permissões para exploração do serviço de táxis deverão ser licitadas pela Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) até o ano que vem. As licenças são referentes às pessoas jurídicas que detinham veículos sem terem passado por processo licitatório e que tiveram essa concessão cassada pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na quinta-feira. A decisão, que coube ao desembargador Almeida Melo, tornou as placas de táxis das pessoas físicas intransferíveis sem uma prévia concorrência pública e vitalícias – os atuais detentores podem usufruir delas enquanto viverem.
O prazo para que a licitação seja aberta é de 180 dias após a publicação da decisão do TJMG e a diretora de atendimento da BHTrans, Jussara Bellavinha, admitiu que não há outra saída, a não ser a abertura da concorrência. “Só estamos aguardando a publicação do acórdão do TJMG para definir qual a melhor forma de agir. A licitação das licenças de pessoas jurídicas precisa ainda ser preparada de acordo com a decisão da Justiça. Por enquanto só o que soubemos é o que foi publicado pelo site”, disse a diretora. Para ela, a decisão foi coerente, se comparada à situação dos taxistas pessoas físicas. “O desembargador considerou que as placas não licitadas de pessoas físicas seriam vitalícias, mas as empresas não poderiam ter esse mesmo tratamento porque não morrem e assim a vaga não seria ofertada ao público”, considera.
O processo julgado pelo TJMG foi resultado de uma ação civil pública iniciada há 10 anos pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público Ministério Público Estadual, que reivindicava a licitação total do sistema de táxis na capital mineira. A reserva de vagas pela última licitação também estava prevista na ação civil pública. Procurado, o Ministério Público não quis comentar a decisão do TJ e seus impactos no serviço. A informação dos promotores é de que considerações só seriam feitas após a publicação do acórdão. De acordo com a assessoria de imprensa do TJMG, o processo com a decisão do desembargador será despachado para a secretária do tribunal e a previsão é de que a publicação ocorra entre 10 e 15 dias.
O sindicato dos taxistas (Sincavir) sempre defendeu o comércio das permissões para explorar o serviço, por entender que a venda das placas é um direito adquirido, mas não vai se pronunciar agora a respeito da decisão do TJMG. Só depois da publicação do acórdão irá comentar a questão e anunciar que medidas judiciais poderão ser tomadas. Como já foi derrotada na primeira e na segunda instância, a entidade que representa os interesses dos taxistas só poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STJ).
Limites
A legislação municipal estipula uma permissão por pessoa física e mínimo de seis e máximo de 30 licenças para as empresas. O número de permissões de empresas não pode ultrapassar 10% da frota. Em abril, o EM mostrou que licenças de táxi são negociadas por intermediários que simulam doação da concessão para faturar até R$ 160 mil. De acordo com a promotoria, pelo menos 2.500 táxis que rodam em BH teriam sido negociados de forma irregular, por meio de doações fraudulentas e outros meios ilegais. Pessoas físicas que detêm mais de uma placa, se valendo de laranjas, também são investigadas.
Especiais, mas sem passageiros
Nem o luxo e o conforto oferecidos pelo mesmo preço do serviço comum têm rendido mais passageiros aos táxis especiais de Belo Horizonte. Motoristas desses carros de cor preta e a BHTrans confirmam que os clientes não usam os veículos mais espaçosos e de padrão melhor por desconhecerem o sistema. Como resultado, os veículos passam despercebidos por quem precisa deles nas ruas e só faz sinal para táxis brancos. Mesmo nos pontos os especiais são preteridos pelos passageiros. Um paradoxo numa cidade que tem oferta menor do que a demanda e a busca pelo serviço de táxi chega a custar horas de espera a passageiros nos horários de pico.
Hoje, a BHTrans tem 96 veículos registrados como padrão especial. Desde que o serviço foi criado, em dezembro do ano passado, pelo menos sete taxistas desistiram e voltaram a trabalhar com táxis comuns. O taxista Fernando Souza Andrade, de 26 anos, atormentado pela dificuldade em conseguir passageiros, disse que vai seguir o caminho de quem já desistiu. “Foi uma aposta que fiz. Paguei R$ 1.200 para plotar o carro, para ficar no padrão da BHTrans. Só que estou pegando muito menos passageiros. Desse jeito não dá. Vou retirar a plotagem e voltar a ser táxi comum”, desabafa.
Nas ruas da Savassi, na Região centro-Sul de Belo Horizonte, a reportagem do EM acompanhou a rotina do taxista num ponto da Rua Professor Morais e em outro da Rua Alagoas. Nos dois locais, os passageiros que chegaram desviavam do veículo preto, mesmo quando estava no início da fila, e procuravam o táxi branco, que estava atrás, comprovando que o público não usa o serviço mais confortável.
Carro do governo
A assistente administrativa Hilda Oliveira chegou ao ponto apressada para pegar um táxi e ir ao médico. Olhou rapidamente para o táxi especial que estava à frente e tratou de embarcar no táxi comum, que estava atrás. “Achei que o táxi especial era carro do governo. Não sabia que tinha táxis pretos na cidade. Ninguém falou nada”, disse. Uma mulher que estava levando a neta para casa e não quis se identificar, teve a mesma atitude. Desviou do táxi especial, buscando o comum, que estava atrás. “Nunca ouvi falar que tinha táxi preto aqui. Muito menos que custava o mesmo preço dos outros”, disse.
Com tanta gente evitando embarcar no seu veículo, o taxista Fernando Andrade desistiu de esperar pelos passageiros. “Agora vou atrás deles. Se alguém aparenta estar precisando de táxi, paro e ofereço o serviço”, diz. Além da falta de informação dos clientes, os taxistas especiais ainda precisam lutar contra atos de sabotagem dos motoristas dos táxis comuns. “Tem taxista que fala para os passageiros que nosso serviço especial é mais caro”, conta Souza.
A diretora de atendimento da BHTrans, Jussara Bellavinha, informou que negocia criar espaços nos pontos de ônibus para que as cooperativas anunciem o serviço de táxis especiais. “Não podemos fazer mais do que isso”, disse. O Sindicato dos Taxistas (Sincavir) preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Já o diretor da cooperativa Vip Táxi, que reúne a maioria dos táxis especiais de BH, concorda com as reclamações de Fernando Souza. O diretor da empresa, Olinto Soares Jardim, faz coro contra a falta de divulgação. “Os passageiros precisam ser informados de que podem ter mais essa opção, que é mais confortável e não é mais cara”, disse.