Jornal Estado de Minas

Nossa história: tempos de glórias do futebol mineiro onde hoje está o Diamond Mall

Inaugurado em 1929, Estádio Antônio Carlos, no Bairro de Lourdes, registra galerias de títulos e conquistas do Clube Atlético Mineiro, até se transformar em shopping

Ludymilla Sá

  Em 30 de maio de 1929, o estádio a poucos quarteirões do centro da capital foi inaugurado em jogo em que o Galo derrotou por 4 a 2 o então poderoso Corinthians - Foto: Arquivo EM - 30/5/29

Os cruzamentos da Avenida Olegário Maciel e as ruas Bernardo Guimarães e Gonçalves Dias, no Bairro de Lourdes, escondem grandes históriasO local, onde hoje está um dos grandes centros de compras da capital, o shopping Diamond Mall, já foi palco de importantes conquistas e personagens do futebol mineiroHá 83 anos, lá era inaugurado o tão sonhado campo do Atlético, o Estádio Antônio Carlos, que posteriormente seria alvo de disputa judicial entre o clube e a Prefeitura de Belo Horizonte

O Estadinho da Colina, apelido dado em razão da localização, abrigou muitos craques alvinegrosGuará e Nicola foram os primeiros moradores dos alojamentos construídos sob as arquibancadas dos fundos, na Rua Rio Grande do SulAnos depois, ainda adolescentes, os ídolos Reinaldo e Toninho Cerezo aprontariam muito nas dependências do estádio do Galo“Foi uma época muito boa, éramos adolescentes, então você pode imaginarAs arquibancadas do estadinho eram um sucesso Subíamos os degraus para vermos as moças da sociedade mineira trocando de roupa com as janelas abertasEra o máximo que fazíamos, mas até que eu era tímido, devagar demais numa turma de bandidos e ordinários”, relembra Cerezo

O ex-volante atleticano afirma que aqueles foram os melhores anos de sua juventude, apesar da rigidez e disciplina da época

“A gente fazia muita molecagem, tudo era motivo de alegria Lembro que o restaurante era administrado por um pessoal baianoA carne era regrada e a gente escondia os bifes debaixo do arrozTodo dia um ficava sem carne, era molecagem mesmo e o senhor que tomava conta da gente ficava fulo da vida”, conta o ídolo, às gargalhadas, referindo-se ao senhor Francisco Gonçalves Filho, o leiteiro, que hoje vive em casa humilde de Santa Luzia, na Grande BH.

O técnico dos garotos já era BarbatanaOs futuros craques batiam bola das 8h às 11h e quando o treino era físico eles corriam de Lourdes até o Conjunto Santa Maria, perto da Avenida Raja Gabaglia“Depois a gente ia para a aula estudávamos no Orfanato Santo Antônio, que ficava ali entre a Tamoios, Amazonas e São Paulo, com a tia IracemaDom Serafim, um atleticano doente, era o responsável pelo colégioE como à noite não tinha televisão na concentração a gente ia ver as moças peladas nas janelas.”

Cerezo e Reinaldo protagonizaram as últimas histórias do estádio, que na década de 1970 acabou desapropriado pela prefeitura e se transformou em espaço para feiras e manifestações de trabalhadoresDesde a sua idealização, o Estádio Antônio Carlos teve alguma ligação com a administração municipal.

Em 1943, a torcida compareceu às arquibancadas para assistir a um treino do jogador Mário de Castro - Foto: Arquivo EM - 2/7/43

Torcida

Durante o segundo mandato, em 1925, o presidente do Atlético, Alfredo Furtado de Mendonça, permutou com a prefeitura o campo da Avenida Paraopeba – atualmente Augusto de Lima, onde está localizado o Minascentro – pelo terreno em Lourdes, além de uma indenização
Três anos depois, com a ajuda do governador Antônio Carlos, as obras do estádio, que levaria o nome do político, foram iniciadasLeandro Castilho de Moura Costa era o mandatário alvinegro na época

Em 30 de maio de 1929, o sonho do Atlético estava realizadoEm amistoso em que o Galo derrotou o então poderoso Corinthians de virada por 4 a 2, o estádio foi inaugurado Mário de Castro fez três gols e Said completouValeriano e De Maria marcaram os gols do time paulistaO estádio também possibilitou aos belo-horizontinos assistirem, pela primeira vez, a um jogo noturnoA inauguração da iluminação foi em 9 de agosto de 1930, quando o Galo goleou o Sport-MG por 10 a 2 e o então presidente da Fifa, Jules Rimet, esteve presente

Em 3 de fevereiro de 1937, o Atlético conquistou, também em Lourdes, o título do Torneio dos Campeões, competição que reuniu os principais campeões estaduais do ano anterior, incluindo Fluminense e PortuguesaNa ocasião, o alvinegro goleou o Rio Branco (ES) por 5 a 1

Fonte de renda para o clube

O Estadinho da Colina, com capacidade para apenas 5 mil pessoas, foi a casa do alvinegro até a construção do Independência no fim dos anos 1940A inauguração do Gigante do Horto marcou a decadência do estádio atleticano, que acabou vendido à prefeitura na década de 1960Foi a solução do clube para a forte crise financeira

Lá seria construída, em 15 anos, a nova sede administrativa da capitalCaso contrário, o imóvel obrigatoriamente seria devolvido ao Galo, o que ocorreu em 1991Até aquele ano, o antigo estádio sofreu várias transformaçõesFoi desapropriado pela prefeitura em 1970, transformando-se em espaço para feiras e assembleias sindicais, e 10 anos mais tarde transformou-se no campo do lazer

No entanto, como a prefeitura desvirtuou a finalidade da desapropriação, a diretoria alvinegra, na gestão de Afonso Paulino, entrou em litígio com a administração pública e ganhou o direito de retrocessão do terreno em 1991

Com a área em mãos novamente, a cúpula atleticana negociou o arrendamento por 30 anos do local com uma empresa, que investiu na época US$ 80 milhões na construção do grande centro de compras, inaugurado em novembro de 1996Atualmente, o shopping é uma das principais fontes de renda fixa do clube 

DEPOIMENTO


O palco para a rebelião de pedreiros


Geraldo Lopes

Um dos episódios mais marcantes do Estadinho de Lourdes foi, sem dúvida, a greve dos operários da construção, que eclodiu em 30 de julho de 1979 e deixou a capital em convulsão social por quatro diasRepórter de um jornal do Rio, acompanhei na Praça da Estação uma concentração dos ditos peões, que seguiram em passeata para assembleia no antigo campo do AtléticoCercados pela PM, os operários tombaram um táxi e o incendiaramUma assembleia de 10 mil trabalhadores decidiu pela paralisação e os peões resolveram sair em passeata, mas na porta do estádio foram reprimidos pela polícia com balas de borracha, bombas de gás e cassetetesNo confronto o trabalhador Orocílio Martins Gonçalvez, de 24 anos, motorista de trator, foi assassinado a tiros e 50 ficaram feridosCom a pressão, os operários tomaram conta da cidadeSegui cerca de 2 mil deles pela Avenida Olegário Maciel em direção à rodoviáriaRevoltados, os peões deixaram um rastro de destruição pelo caminho, arrancando árvores, quebrando lojas, tombando veículosHouve muitos confrontos durante sete horas no CentroA cidade parou e do alto dos prédios a população jogava água e tudo que encontrava para repudiar os grevistasNos dias seguintes os operários voltaram a se reunir no estádioEntão líder sindical, Lula esteve em BH e encontros apressados entre trabalhadores e autoridades acabaram pondo fim à paralisaçãoA cidade jamais esqueceu a chamada “rebelião de pedreiros” e o campo do Galo, a partir de então, transformou-se num reduto de resistência de movimentos sindicais, servindo de palco para assembleias e concentrações de grevistas

 

LINHA DO TEMPO

Maio de 1929

Inauguração do Estádio Presidente Antônio Carlos com o jogo Atlético 4 x 2 Corinthians

Agosto de 1930
Inauguração da iluminação do estádioAtlético vence o Sport-MG por 10 a 2

Década de 1950
Início da decadência do estádio com a inauguração do Independência

Junho de 1968
Último jogo, no qual o Atlético vence a Seleção Cidade Industrial por 3 a 0

Década de 1970
Desapropriação pela PrefeituraÁrea se transforma em espaço para realização de feiras e reuniões de movimentos sindicais

1980
Campo do Lazer é inaugurado

1991
Atlético conquista na justiça o direito de retrocessão do terreno

1992
Alvinegro assina acordo para construção de um grande centro de compras

1994

Início da demolição do antigo Campo do Lazer

Novembro de 1996
Inauguração do Shopping Diamond Mall

 

Subíamos os degraus para vermos as moças da sociedade mineira trocando de roupa com as janelas abertas. Era o máximo que fazíamos - Toninho Cerezo, ex-volante do Galo - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press - 3/5/11