Domingo em BH: dia de feira, futebol e, agora, de passear no cemitério. A Fundação Municipal de Parques e a Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) estrearam o programa de visitas guiadas pelo Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim. Inicialmente pensado para ser somente ontem, a organização já anunciou que vai se repetir uma vez por mês, tamanho o interesse da população. Quem achar loucura acordar cedo no fim de semana para visitar túmulos vai se surpreender: mais duas turmas já estão fechadas. O que não falta é gente querendo conhecer a história da cidade e da sociedade belo-horizontina contada em jazigos e mausoléus.
“As construções tumulares celebram os mortos e têm importante aspecto artístico. No Bonfim vemos o neo clássico, o construtivismo, o art noveau e o art déco, uma verdadeira aula de história da arte e semiótica”, destacou a historiadora Marcelina Almeida, idealizadora da visita, sob o olhar atento do casal de professores José Antônio dos Reis, de 56 anos, e Traudi Wahlbrink, de 47. “Conheço cemitérios em Buenos Aires, Washington, Paris e Ávila. Por que não o de Belo Horizonte?”, justificou José Antônio. Traudi aprovou a visita, que durou 3 horas sem que percebesse o tempo. “Gosto de ver as obras de arte. Espero que todos venham. É um museu a céu aberto”.
LAICO
Inaugurado às pressas em fevereiro de 1897 com a morte de Berthe Adéle, jovem belga de 19 anos filha de um engenheiro da comissão construtora da capital, o cemitério já nasceu laico, desvinculado da Igreja. Foi chamado de Cemitério Municipal, mas a população logo o batizou como Cemitério de Nosso Senhor do Bonfim, o que preza pela boa morte. Tal desligamento com a Igreja gera o tipo de construção comum no local. “Com a impossibilidade de se destacarem pela irmandade da qual faziam parte, os túmulos precisavam se destacar. Era a forma de a família mostrar seu lugar social”, explica a historiadora.
Contrariando toda a opulência dos túmulos dos grandes políticos, o de Adéle é um dos que mais chama a atenção. Mesmo com o acesso mais difícil, todos querem chegar perto e ver a primeira sepultura do Bonfim. Lá nasceu um grande cipreste, circundado pela grade original adotada pela família belga. A vontade de ver o espaço mais preservado era opinião compartilhada pela maioria. O historiador e especialista em patrimônio Artur Iannini, um entusiasta por fotografias de cemitérios, há anos busca com a prefeitura a instalação de câmeras de segurança no local. Autor de milhares de cliques em diversos cemitérios que já visitou, pediu licença algumas vezes para contar suas impressões. Chegou, inclusive, a convencer Marcelina de uma mudança de trajeto. "Precisamos mostrar a eles o anjo mais bonito do Bonfim, uma verdadeira obra de arte", compartilhou.
Muito além dos famosos fantasmas que dizem rondar o local, o Bonfim reúne obras de arte de escultores brasileiros e de além-mar, caso do italiano Ettore Ximenes, que assina o Monumento à Independência, em São Paulo, e no cemitério deu forma ao túmulo-cívico encomendado pelo governo do estado em honra a Raul Soares, um dos destaques da visita. Mas circular pelas 54 quadras do Bonfim extrapola o encantamento com a arte entalhada em mármore, granito e bronze. Também estão impressas ali a divisão de classes, a religiosidade e os costumes mineiros.
MARQUE SUA VISITA
A Fundação Municipal de Parques de Belo Horizonte e a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) decidiram ampliar o número de visitas guiadas ao Bonfim por causa da procura de visitantes interessados. A demanda inicial foi tão grande que no próximo domingo, às 9h, haverá outra turma, com 30 pessoas. Outros dois grupos também já estão fechados, mas sem data definida. Quem tiver interesse em conhecer o cemitério com informações da historiadora Marcelina Almeida pode se inscrever pelo telefone (31) 3277-9358 ou pelo e-mail agendaparques@pbh.gov.br.