Chaveslândia – Santa Vitória, no pontal do Triângulo Mineiro, não tem um porto para aproveitar as águas do Rio Paranaíba, mas sofre com todos os impactos da atividade hidroviária que ocorre na margem oposta, em São Simão (GO)Por causa do vaivém das chatas (balsas) e rebocadores carregados com farelo de soja e que seguem para as hidrovias dos rios Paraná, Paraguai, Tietê e da Prata, o manancial se tornou criatório do mexilhão dourado, uma espécie exótica que vem pregada nos cascos dos barcos e causa desequilíbrio ambiental, entope esgotos, canalizações e ameaça usinas hidrelétricasPescadores reclamam que os peixes vêm sumindo depois que o nível das águas subiu com a construção da barragem de São Simão, em 1978Das benesses desse transporte, mais eficiente e menos poluente, restaram o desejo de 18 anos de ter um distrito industrial com porto e as promessas oficiais de ajudar nessa implantação, desde 2005Apenas a hidrovia do Rio São Francisco opera em Minas.
Tido como uma das respostas para reduzir impactos ambientais, custos e a violência nas estradas, o transporte hidroviário ainda engatinha em Minas, relegando o estado ao uso excessivo do meio rodoviárioSó em termos de emissões de monóxido de carbono as chatas e rebocadores são 1,4 vez mais limpa do que as ferrovias e três vezes menos poluentes do que as carretas, segundo o relatório de gargalos dos transportes publicado pela Confederação Nacional dos Transporte (CNT).
O Programa de Desenvolvimento do Transporte Hidroviário de Minas Gerais (Prohidro) chegou a elencar em 2005 iniciativas para criar portos e distritos industriais nos rios São Francisco, Grande, Paranaíba, Doce, Velhas, Paraopeba, Paraíba do Sul e ParacatuNada saiu do papelNa terceira reportagem da série Natureza atropelada, o Estado de Minas mostra a situação da cidade de Santa VitóriaA área de 484 mil metros quadrados no distrito de Chaveslândia foi reservada para abrigar empresas que construiriam silos, armazéns, esteiras carregadoras, linhas de processamento e portos para carregar balsasO que existe hoje é um matagal denso, com brejo e uma cachoeira que deságua no ParanaíbaNo local só funcionam uma extração de areia e uma horta comunitária
Enquanto do lado goiano as carretas despejam a produção agrícola nas balsas que seguem rio abaixo, na parte mineira as carretas precisam enfrentar quilômetros de estradas pelo estado até chegar à divisa de outros estadosRotina mais poluente e perigosa, que vitimou no último sábado o caminhoneiro Alfredo Ismael do Carmo, de 49 anosA carreta dele, carregada com 36 toneladas de farelo de soja, tombou às margens da BR-365, a menos de 10 quilômetros de ChaveslândiaA carga ficou esparramada na mata ao lado e o combustível no tanque, de cerca de 400 litros de diesel, fluidos de freios e lubrificantes, ficou enterrado no solo“As estradas aqui são muito perigosas e estreitas Minha barra de estabilização quebrouFui para o acostamento, mas a carreta não coube e tombouNa hora não pensei em nadaParecia um filme, que não era eu”, disse o condutor, aliviado por ter escapado ileso.
O EM entrou em contato com José Neto, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico de Santa Vitória, que estava em reunião e não atendeu mais aos contatos para responder por que o porto fluvial não saiu ainda do papelDe acordo com a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), “havia uma proposta de construção de um ancoradouro, com projeto de engenharia foi elaborado pelo DER-MG
Mexilhão vira praga
Num mergulho sob o barco da colônia de pescadores de Chaveslândia, Emerson Alves Borges, de 32 anos, colheu um punhado de conchinhas amareladas que estavam agarradas no cascoFora d’água, abriu a mão e mostrou os moluscos aparentemente inofensivos: “Essa é que é a praga que invadiu o nosso rio”Os chamados mexilhões dourados que infestam os cascos dos pescadores se espalharam pelo Rio Paranaíba vindo grudados nos cascos das barcaças que operam na hidrovia e são um dos piores efeitos negativos desse tipo de transporte.
Considerados praga pela Cemig, os mexilhões atingiram, em setembro do ano passado, as usinas de Jaguara e Volta Grande, no Rio Grande“Os animais têm larvas microscópicas que se fixam no metal de dutos resfriadoresCrescem e se reproduzem numa colônia que entope esses espaços”, afirma a bióloga da Cemig, Helem Regina MotaA infestação obriga a operação a ser parcialmente interrompida e trabalhos de limpeza e controle dos animais precisam ser feitos.
Em Chaveslândia os animais têm atacado principalmente os cascos metálicos dos barcos e prejudicado o desenvolvimento de peixes“Os mexilhões dourados não têm predador natural e se desenvolvem ocupando o lugar dos moluscos naturais da regiãoCom isso, os peixes perdem um alimento e o desequilíbrio prejudica todo o ciclo”, aponta a biólogaA construção da barragem também reduziu o número de peixes, dizem pescadores que trabalhavam antes de sua construção“Antes a gente pescava 170 toneladas de peixe Agora, não passa de 40 toneladasEsse rio tinha piau de 80 quilos, que você tinha de puxar a linha no braço que nem um novilho bravoNão tem mais isso”, recorda o pescador aposentado, Eurico Souza Barbosa, de 68 anos.
SAIBA MAIS: ORIGEM E EXPANSÃO DO MOLUSCO
O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), que invadiu rios do Brasil, Argentina e Paraguai, é um molusco bivalve (concha) proveniente das bacias hidrográficas da China e de países do Sul AsiáticoChegou ao continente americano no início da década de 1990 na água reservada no lastro dos navios que vêm desses países e se espalhou a partir dos portos do Rio da Prata e pelas hidrovias dos rios Paraguai, Paraná, Tietê, Grande e ParanaíbaTem grande capacidade de incrustação e rápida taxa de crescimento e grande força reprodutivaAs concentrações de colônias chegam a concentrar até cem mil mexilhões por metro quadrado Sem inimigos naturais, sua presença nos ecossistemas brasileiros vem provocando importantes danos ambientais e econômicos em tubulações domésticas, industriais e de usinas.