Jornal Estado de Minas

NATUREZA ATROPELADA

Pó de asfalto causa doenças e revolta

Aglomerados urbanos também sofrem com rastro de poluição das rodovias

Mateus Parreiras

Floreni Lisboa mostra lençol sujo pela poeira preta gerada pelo grande movimento de veículos no Anel Rodoviário - Foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

A ajudante de serviços gerais Floreni Lisboa de Ávila, de 41 anos, começou o inverno aflitaO filho de 16 anos precisou duas vezes ser levado para o médico, com “peito cheio” e dificuldades para respirar“É essa praga de rodovia que passa aqui e não dá sossego com a poeira um dia só da nossa vida”, reclama a mulher, fazendo referência ao Anel Rodoviário que passa bem abaixo da sua área de serviço, no Bairro Madre Gertrudes, na Região Oeste de Belo HorizonteEla já não sabe mais o que fazerSe deixa a casa aberta, o pó entra e suja tudo Se a fecha, o filho tem longas crises e precisa ser medicado com urgência no posto de saúde local“É uma tosse daquelas de cachorro, uma coisa horrívelParece que o peito dele vai arrebentar”, descreve.

Os impactos da poluição que assoreia rios e o tráfego que vitima animais silvestres nas estradas não ficam relegados a essas longas distâncias que perpassam áreas de proteção ambientalGrandes aglomerados urbanos ligados por essas vias sofrem impactos que refletem na piora da qualidade de vida e da saúde das pessoas, como a ajudante FloreniDe acordo com o presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia da Associação Médica de Minas Gerais, Maurício Meireles Goes, as emissões de partículas sólidas saturam o ar e causam problemas em pessoas que têm bronquite, asma, enfizema pulmonar e outros tipos de doenças respiratórias“Temos visto que as pessoas que vivem em áreas poluídas, próximas de rodovias movimentadas, apresentaram agravamento ou descontrole dessas doenças

Pessoas com fatores genéticos expostas a ambientes poluídos pela fumaça veicular podem desenvolver doenças respiratórias que não tinham”, alerta.

A reportagem do Estado de Minas distribuiu três lençóis brancos novos a moradores de grandes vias que ligam o transporte rodoviário a BH e pediu para que as pessoas os estendessem em suas janelas e varandas por uma semanaAs peças brancas ficaram penduradas em residências da Via Expressa, em Contagem, na Grande BH, na Avenida Amazonas e no AnelA peça que se mostrou mais encardida foi a da casa da ajudante de serviços gerais FloreniOs fios que antes eram alvos ficaram cinzentos nesses sete dias“Aqui é assim mesmoA gente fica pensando como é que fica o nosso pulmão”, imagina

De acordo com Maurício Meireles Goes, as partículas sólidas despejadas pelas descargas de fumaça são inaladas e, no pulmão, acabam “filtradas”, formando uma barreira para proteger o organismo de produtos estranhos e tóxicos“Esses componentes provocam reações inflamatórias que culminam em piora de quadros já existentes ou em doenças”, afirma.

Até as recomendações comuns dos médicos ficam prejudicadas em casas em locais poluídos“É um paradoxoCostumamos recomendar que as pessoas fiquem em locais arejados
Só que se o paciente fizer isso, se expõe à poluição Se fechar, pioraSe abrir, piora tambémA solução é as pessoas saírem do local, afugentadas pela poluição”, admite o médico