Depois de perderem o chão, famílias inteiras dos bairros Buritis e Caiçara, em Belo Horizonte, vivem na incerteza e ainda não conseguem vislumbrar um futuro sem pesadelos depois que tiveram de deixar seus apartamentosEntre tantos problemas, vivendo de favor ou aluguel, elas ainda juntam os cacos e se apegam à família e à fé para levar adiante processos judiciais morosos e desgastantes, na esperança de reaver ao menos parte do todo que virou poeiraAnna Luyza de Barros, de 36 anos, ao lado do marido, Cristian Llorente, de 39, e dos filhos, João Victor, de 11, e Bruno, de 4, afirma viver drama interminável desde que as trincas do Bloco 2 do Edifício Art de Vivre, na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, na Região Oeste de BH, lançaram na lama o sonho da casa própria no ano passadoA ação contra a Podium Construtora – que diz aguardar decisão da Justiça – já se desdobrou em dois processos de aluguel e ressarcimentoO prejuízo chega a R$ 800 mil“Nossa vida continua de cabeça para baixoÉ muito triste você não ter R$ 10Há dois meses não damos conta de pagar o aluguel”, lamenta.
Para Anna Luyza, o mais difícil é disfarçar dos filhos a angústia que amarga “A gente faz muito esforço para esconder a nossa fragilidade, mas eles sentemE sentem muitoO mais velho diz que vê a nossa tristeza e que a gente não merecia passar por isso
O marido, engenheiro, segundo Anna Luyza, passou a ir trabalhar a pé, em mais de hora de caminhada, por falta de recurso“Sonhamos com outra vida para a nossa famíliaPerdemos todas as nossas reservasNosso apartamento estava quitadoHoje, tentamos nos apegar aos mínimos sinais de alegria, em nossos filhos, para ter força e continuar”, revelaAnna Luyza conta que nos dois encontros que teve com o advogado da construtora ouviu que a culpa não é da empresa“Mas é, toda a documentação, as análises técnicas comprovam isso”, afirma.
O desassossego da ex-moradora do Art de Vivre é superado apenas pelo amparo dos pais, que a acolheram nos momentos mais difíceis Fortalecida, ainda que aos remendos, a família segue unidaA fala da dona de casa Anna Luyza é marcada por razão e sensibilidade
Apenas lembranças
O desdobramento está longe de chegar ao fim Cláudio não culpa quem ergueu o prédioEstá seguro de que o responsável pelo desabamento é a prefeitura, que, segundo ele, permitiu que a Rua Passa Quatro acumulasse problemas estruturais“Não sou perito, mas é o que tudo indica, já que os problemas da rua são conhecidos”.
A prefeitura rebate os moradores com a infomarção de que o edifício não tinha habite-seO projeto foi aprovado em 1991, mas não houve o comunicado do início das obras – ação obrigatória até 2010É como se, do ponto de vista técnico, o prédio não existisse.
Cláudio e os vizinhos pagam por perícia que pretende reunir provasSegundo o comerciante, o prejuízo, “fora danos morais”, ultrapassa R$ 300 mil Enquanto o processo segue lento, os moradores tentam pôr a vida nos trilhos“A última informação, há uns 20 dias, é de que o entulho está sendo periciado”, dizPara Cláudio, o mais triste foi ver o imóvel que livrou a mãe, de 88 anos, das enchentes de Raposos, na Grande BH, desabarA tragédia só não foi maior porque uma da moradora e quatro policiais salvaram 11 pessoas que estavam no condomínio momentos antes de a estrutura tombar, por volta da meia-noite.
Intimação demorada
O destino dos antigos moradores dos edifícios que desabaram na Rua Passa Quatro, no Bairro Caiçara, e na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, está na JustiçaNo caso do Caiçara, a prefeitura recebeu ofício no dia 18 para que fossem retirados os escombros do prédio para perícia detalhadaJá no do Buritis, todos os antigos condôminos aguardam a intimação feita pelo juiz Alexandre Quintino Santiago, da 16ª Vara Cível para a conclusão da períciaEnquanto isso, o advogado da Construtora Estrutura, que edificou o residencial Vale dos Buritis, Eduardo Coluccini Cordeiro, afirma que fez questionamentos sobre o laudo da perícia técnica elaborado pelo perito Eduardo Vaz de Mello“São quesitos suplementares que não foram respondidos ainda”, explica“Eles estão relacionados ao agravamento da situação do prédio e de toda a rua”, completa.
A advogada Maria do Porto – que morava no apartamento 302 do prédio que desabou no Buritis – acredita que o pedido da construtura seja manobra para ganhar tempo“Com isso estão aumentando o prazo e se recusam terminantemente a assumir a responsabilidade pelo ocorrido”, reclamaMaria conta que recebe R$ 1,5 mil da construtora por meio de liminar, assim como outros quatro antigos vizinhosEla reclama que o valor não é suficiente: “Moro em um apartamento semelhante ao que morava, e o aluguel é R$ 2 milÉ revoltanteE o processo ainda pode se prolongar por muito tempo”, lamentaApenas a fisioterapeuta Vânia Figueiredo não recebe o recurso, pois já tinha voltado a morar com os pais no Bairro Nova Suíça, quando o prédio desabou.
No caso do Caiçara, a advogada dos moradores Franciele Faria Bittencourt acredita que o ofício enviado à prefeitura para que o entulho fosse retirado é sinal de andamento no processo“O perito disse que pediria a remoção, até porque é uma questão de saúde públicaAgora vamos aguardar a intimação do juiz”, comentaMas o morador Helvécio José Tibaes se mostra mais desconfiado: “Fizeram uma obra complicada aqui na rua meses antes do acidenteHavia um problema de drenagem de água na região e ninguém quer ser responsabilizado”.
No início de maio, a Polícia Civil apresentou laudo apontando falta de rede de drenagem pluvial na via e nos dois blocos do edifícioNo final do mês, representantes da Copasa estiveram na Rua Passa Quatro para verificar a rede de águaA assessoria de imprensa da Defesa Civil não quis comentar os dois casos e se limitou a declarar que informações deveriam ser obtidas com a Justiça A Sudecap informou que já apresentou parecer e aguarda a decisão da juíza Riza Aparecida Nery, da 4ª Vara de Fazenda Estadual.