Jornal Estado de Minas

Velho Chico tem afluentes secos, esgoto e sedimentos

Luiz Ribeiro
Dirceu, no meio do rio e com água na cintura: "Coisa do desmatamento" - Foto: Aparício Mansur/EM/D.A Press
O alerta do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco é percebido no dia a dia de cerca de 70 trabalhadores que aprenderam a tirar seu sustento da areia que se amontoa no leito do rio, na altura do município de São Francisco, no Norte de MinasCom pás e canoas, os areieiros trabalham praticamente no meio do rio, com a água abaixo da cintura, o que mostra o quanto o Velho Chico ficou raso no trecho.Um desses homens é Dirceu Nunes Souza, de 40 anos, que, mesmo sabendo que o sedimento representa seu ganha pão, lamenta a degradação ambiental: “Isso é conseqüência do desmatamento”.

Na manhã de sexta-feira, entre uma e outra pá de areia arrancada, Vandiro Carlos Alves da Silva, de46, contou que o assoreamento trouxe uma verdadeira transformação em sua vida e nas de outros tantos barranqueiros“Fui pescador por mais de 20 anosMas os peixes do rio diminuíram muitoPara sobreviver, tive que começar a tirar a areia do fundo”, relata Vandiro, que diz ganhar entre R$ 250 e R$ 300 por semana com a extração, ocupação abraçada por muitos de seus antigos companheiros de pesca.

A areia que suga a vida do Velho Chico espelha o que sofrem seus afluentesO Verde Grande, queabrange35municípios desde Bocaiuva, no Norte de Minas, a Malhada, na Bahia, está nessa lista dos assoreados.

Muitos dos pequenos córregos que ante so abasteciam pararam decorrer ou foram tomados por esgoto, de acordo com o técnico em meio ambiente José Ponciano Neto“A abertura desenfreada de poços tubulares, que reduz a quantidade de água subterrânea, os desmatamentos clandestinos e irrigação descontrolada provocaram o desaparecimento de mananciais, afetando bacias importantes, como a do Verde Grande”, afirma PoncianoAs consequências do assoreamento são visíveis no Rio Canabrava, afluente do Rio Verde Grande, em Montes Claros.

Atalho

Enquanto caminha pelo leito praticamente seco, o produtor Bento Queiroz da Silva, de 73 anos, fala com nostalgia de um tempo que, ele sabe bem, não voltará"Há uns 30 anos, já nadei muito neste rio”Mas o tempo passou e muita terra foi carregada para dentro do leito", dizO pequeno agricultor Matias Gonçalves Queiroz, de 67, manifesta tristeza semelhante ao andar pelo leito do Canabrava praticamente seco


“Antigamente, esse rio tinha tanta água que a gente tinha até medo de entrar nele”, recorda MatiasMas o Canabrava não é um caso isoladoO Rio São Domingos, outro afluente do Verde Grande, agora só “corre nas águas”, como o sertanejo se refere à estação chuvosaVazio, transformou-se em estrada.Acalha que levava água entre as cidades agora transporta gente.

Gente tristePelo leito seco, o agricultor Jonnathan Cleber Alvany, de 35, vai desde São Domingos, na zona rural, até o município de Francisco Sá“O homem tem que deixar a natureza sossegadaSenão, até as nascentes vão acabar”, alertaDirigente do Instituto Tabuas, o geógrafo João do Carmo, o João Balaio, que atua no Rio Tabuas, um dos afluentes do Verde Grande, aponta a construção sem critérios de estradas rurais como uma das causas do assoreamento de rios no Norte de Minas“As estradas vicinais são feitas de forma inadequadaQuando chove, a terra movimentada pela patrol vai toda para as nascentes e para os leitos dos rios.”