Apenas 101 dos 853 municípios em Minas tratam seus dejetos, de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam)Segundo o órgão, que fiscaliza a implantação das estações de tratamento de esgoto (ETEs), o estado tem capacidade instalada para limpar menos de 40% dos 2,3 bilhões de litros de dejetos gerados por diaCapacidade que, inclusive, está subutilizada, diante da dificuldade de levar o esgoto à estação.
Diagnóstico do Snissobre o assunto aponta que Minas trata somente um quarto (25,9%) do volume geradoO índice fica abaixo da média nacional de 37,8% e é o pior no SudesteDe acordo com a Deliberação Normativa 96/06, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), municípios acima de 20 mil habitantes, que reúnem 74% da população mineira, já deveriam estar tratando seus dejetos.
O último prazo para adequação venceu em março“O esgoto é o maior problema dos nossos riosA matéria orgânica é alimento para bactérias, que ser e produzem e diminuem o oxigênio na água, comprometendo todo o ecossistema
Se cidades como Sete Lagoas, Sabará e mais 750 nem sequer tratam seus dejetos, outras contam com equipamentos ociosos, à mercê do vandalismoÉ o que ocorre em Ribeirão das Neves, onde a ETE do Bairro Veneza, com obras paradas, já foi pichada e depredada por vândalosEnquanto a estrutura, com inauguração prevista para o fim do ano pela Copasa, se degrada, o esgoto continua a poluir o Ribeirão das Neves, tributário do Velhas, da bacia do São FranciscoMas é na Região Metropolitana de BH, ao longo dos ribeirões do Onça e Arrudas, que está o maior exemplo de quando um curso d’água vira canal de podridãoNa foz do Arrudas, em Sabará, na Grande BH, o caldo cinza revela a morte do curso d’águaHoje, os únicos ao cupar o ambiente são cágados, ratos e capivaras.“Não sei como sobrevivem”, comenta e mecânico de bicicletas Antônio José Peres, de 55 anos,quase a metade vividos no local.“
Sabará não trata o esgoto e BH diz que trataMas como é que a água fica desse jeito?”, questionaNão é exclusividade da Grande BHEm Governador Valadares, com 263,6 mil habitantes, no Vale do Rio Doce, o esgoto denuncia uma contradição comum em MinasO mesmo Rio Doce que abastece o município e outros, rio abaixo e acima, é o canal para onde jorram canos de descarga doméstica sem qualquer tratamento
SALTO O presidente da Feam, Ilmar Bastos Santos, ressalta que, na última década, o salto foi de 100 mil pessoas com tratamento de esgoto para 7,6 milhões, e que o estado destinará até o fim do ano R$ 2milhões apenas para a elaboração de projetos executivos de ETEs“Autuar somente não resolve o problema, estamos buscando dar apoio técnicoHá recurso disponível, mas faltam bons projetos.” Mesmo com os investimentos, o monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) sobre Índice de Qualidade da Água (IQA), que reflete a contaminação em decorrência da matéria orgânica e fecal, apontou, na piora última década.
A ocorrência de amostras com IQA ruim passou de 17% para 21% e do IQA bom, caiu de 31% para
17%“Isso se deve ao crescimento urbano e da populaçãoMas, se avaliarmos o salto do Produto Interno Bruto (PIB) e do número de habitantes, a piora não foi tão grandeTambém aumentamos nossa rede de monitoramento (hoje são 543 estações para analisar quatro índices) e,à medida que se amplia, há uma mudança nos resultados”, justifica a diretora de Pesquisa, Desenvolvimento e Monitoramento das Águas, Jeane Dantas de Carvalho
Depoimento
Velho Chico, santo Chico
RONEY GARCIA
Subeditor do Caderno Gerais
Atracado no porto de Pirapora,oGaiola solta seu gritoNão é mais o canto imponente que o Benjamin Guimarães entoava nas primeiras décadas do século 20, convidando passageiros a embarcar para uma viagem de 1.370 quilômetros rio abaixo, até Juazeiro, na BahiaSoa como um tipo de lamento, misto de vapor e nostalgia, que a embarcação, transformada em espécie de museu flutuante, usa para avisar sobre a próxima partida, para modestos 18 quilômetros cumpridos em três horasPode também ser interpretada como uma dolorida homenagem ao Velho Chico, que desde a década de 1920 serve de estrada agora cada vez mais curta ao vapor construído no Mississipi (EUA) em 1913.
Testemunhei um desses passeios,em 2011.Uma experiência inesquecível, sob vários - aspectos da bem azeitada máquina a vapor que move a embarcação ao encanto que emana do São Francisco propriamente dito.Mas a parte doída da viagem não demora a se denunciar: pode ser vista bem perto, nas chaminés de fábricas que cospem fumaça,sem parar na margem direita.Anévoa que encobre o leito desafia a perícia do timoneiro:o Gaiola precisa se safar entre obstáculos naturais, como as pedras do fundo, em um leito cada vez mais raso e entulhado de sedimentos e sujeira
O olhar que se volta para as famosas barrancas encontra manilhões vomitando sujeira nas águas, que deveriam ser sagradas como o nome que as batizaEm alguns pontos ainda preservados são os ranchos – nome genérico que serve para designar de casebres a quase mansões – que abrigam turistas, pescadores e ligações de esgoto cujo destino não é muito difícil de imaginar
Difícil mesmo é entender como o velho e maltratado Chico–açoitado desde a Serra da Canastra, varrido por redes e saqueado pela pesca predatória em Três Marias, agredido em todo o seu curso pelas descargas de córregos imundos – pode chegar vivo a Pirapora e ir além, transformando em mar verde-azulado o sertão da Bahia, em SobradinhoSó há uma explicação: o rio é milagroso.Milagroso como a fama de seu patrono, protetor dos animais e padroeiro da ecologiaO que se vê em sua calha, porém, pode ser interpretado como um alerta: a capacidade mágica do velho e santo Chico tem limiteE ele parece se aproximar perigosamente.