Jornal Estado de Minas

Bacia do Rio Grande abriga o pior curso d'água do estado

Formada por emaranhado de afluentes que cortam 393 cidades, a bacia também ostenta os melhores indicadores de qualidade. Beleza de represas também contrasta com o lançamento de esgoto in natura

Junia Oliveira
Córrego Liso tem leito tomado por espuma produzida pela mistura de substâncias químicas lançadas por curtumes e indústrias, além do esgoto doméstico: nata tóxica mancha uma região de grande beleza natural - Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press


Andradas, Poços de Caldas e São Sebastião do Paraíso – Em meio à sombra de árvores frondosas ou serpenteando pela vegetação rústica do cerrado viajam as águas que se encontram para formar o caudaloso Rio Grande, divisa natural entre Minas Gerais e São PauloA bacia de mesmo nome abrange 393 municípios, proporcionando um espetáculo contraditório no lado das GeraisA região dominada pelo Grande concentra a maior quantidade de cursos d’água com indicadores de boa qualidade, mas abriga também o pior do estado, o Córrego LisoOs bons índices ocultam ainda uma realidade assustadora: embora belas paisagens dominem o cenário, o esgoto doméstico corre in natura para o leito dos rios em muitas cidadesE, nesse conflito entre a natureza e as agressões, perde também São Paulo, que recebe as águas sujas de Minas

Dois dos pontos mais críticos são Poços de Caldas e Andradas, no Sul do estadoEm Poços, a 470 quilômetros de BH, a expectativa é de que a estação de tratamento de esgotos (ETE) fique pronta ano que vemEnquanto isso, mais de 95% dos dejetos chegam ao Rio das Antas, na bacia hidrográfica dos afluentes mineiros dos rios Mogi-Guaçu e PardoDo total, apenas 15% são tratadosNa cidade turística, o problema é camuflado pelo relevo acidentado e salta aos olhos somente depois do ponto conhecido como Cascata das Antas

“Não temos problemas de alteração da qualidade, porque estamos perto da nascente
Toda a água de Poços nasce aquiA ruim vai para São Paulo”, afirma o secretário-executivo do comitê da bacia, Hélio ScalviSe em Poços interceptores impedem a matéria orgânica de circular pelo canal no Centro da cidade, na vizinha Andradas, o problema é escancaradoEm qualquer parte do município, canos de PVC e manilhões despejam o esgoto nos cursos d’água, deixando como rastro sujeira e odor insuportáveisNão é raro ver sacolas de lixo, garrafas PET e outros dejetos dentro do Córrego do Mosquito e do Rio Pirapetinga

A situação Rio Grande abaixo só não é pior por causa dos reservatórios das usinas hidrelétricas –16 ao longo da bacia De acordo com o secretário-executivo do Comitê da Sub-Bacia do Rio Pardo, do lado paulista, Carlos Alencastre, o problema gerado pelo esgoto mineiro carreado ao longo do Pardo, Mogi-Guaçu e Sapucaí-Mirim (esse na sub-bacia do Rio Sapucaí) acaba se diluindo nas barragens“As águas do Pardo na nossa região estão melhorando a cada anoO pessoal já está pescando dourado, que é um sinalizador de oxigênioEstamos muito otimistas em relação a ele”, diz
“Já o Mogi-Guaçu é o pior da nossa região, porque também poluímos”, completa

Partindo do exemplo da cidade de Mogi-Mirim, que inaugurou uma ETE no início do mês, a expectativa é ter, nos próximos quatro ou cinco anos, todo o esgoto do Mogi-Guaçu tratado“Na estiagem, ele chega a níveis críticos de poluiçãoNos últimos anos, a luz amarela se acendeu”, relata“Estamos buscando a universalização do tratamento e a criação do Comitê do Grande será um grande salto nesse aspecto, pois teremos uma visão maior dos locais mais problemáticos”, ressaltaO comitê federal será instalado no início do mês que vem e contará com representantes mineiros e paulistas

- Foto: ARTE EM

Descargas no Lago de Furnas

O tratamento de esgoto é preocupação não só de São Paulo, mas ponto comum nas sub-bacias do Rio GrandeNo entorno do Lago de Furnas, o desafio é não deixar o reservatório se degradar, pois o espelho d’água que atrai tantos turistas e enche a população de orgulho já acendeu o sinal de alertaA represa, apesar de não ser considerada poluída, também recebe alta carga de esgotoEm Carmo do Rio Claro, dejetos são despejados em vários pontos do Ribeirão Itapixé, que vai direto para o Rio Sapucaí, cujo significado, em tupi-guarani, é “rio que grita”Assim como o Grande, ele grita em vários municípios por socorro, já que seus afluentes estão visivelmente contaminados

Na região de Furnas, 12 municípios já têm R$ 52 milhões assegurados pela Fundação Nacional de Saúde para a construção de estações de tratamentoNo total, 27 cidades apresentaram projetos e esperam recursos para reverter um problema comum: despejar esgoto diretamente no lagoÉ o que ocorre em Guapé, onde auxiliar de serviços gerais Marcos Antônio Querino, de 36 anos, não se importa com o mau-cheiro, nem com o fato de pescar ao lado de um cano de descarga de dejetos“Já passou da hora de resolver issoE as pessoas também não colaboram: já tirei muita sacola de lixo de dentro da água”, diz, garantindo que, apesar de tudo, o peixe do lago ainda é bom.

No lado dos afluentes do Médio Grande, o esforço para a revitalização também é grande e 60% da população já conta com tratamento, segundo o presidente do comitê da bacia, Francisco Pereira LandiAlguns municípios estão na etapa de construção de ETEs, outros em fase de estudosO zoneamento ambiental do Médio Grande, que deve ser concluído até o fim do ano, é outro instrumento que fornecerá um raio-x completo da situaçãoSão 12 pesquisadores e 21 estagiários trabalhando em 23 municípios

Os números iniciais mostram o potencial da região e também o tamanho da atenção necessária para cuidar de um patrimônio de valor inestimável: já foram cadastradas 17,8 mil nascentes e 17.360 quilômetros de extensão de cursos d’água, numa área de 9.789 quilômetros quadrados.