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Estado de Minas

Vício em drogas começa cada vez mais cedo em Minas

Número de mineiros atendidos no serviço SOS Drogas que começaram a usar entorpecentes antes dos 12 anos cresce 55,7% em dois anos. Tratamento de crianças ainda é desafio


17/07/2012 06:00 - atualizado 17/07/2012 07:03

Dois adolescentes (ao centro) acompanham adultos que usam crack no Bairro Lagoinha: famílias desestruturadas contribuem para problema(foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
Dois adolescentes (ao centro) acompanham adultos que usam crack no Bairro Lagoinha: famílias desestruturadas contribuem para problema (foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
 

Dependentes químicos que buscam tratamento em Minas começam a usar drogas cada vez mais cedo. Os relatos de quem chega ao Centro de Referência Estadual em Álcool e Drogas (SOS Drogas) e pede orientação indicam que cresceu o grupo dos que experimentaram entorpecentes antes dos 12 anos (de 384 em 2009 para 598 em 2011) e na faixa entre 12 e 17 anos (de 1.283 em 2009 para 2.224 em 2011). Dos 3.136 atendidos no ano passado, dados compilados pelo SOS Drogas apenas este ano, 2.822 disseram ter tido a primeira experiência com as drogas até os 17 anos, o que representa 89,9%. Os menores de 12 anos correspondem a 19% desta fatia. Segundo especialistas, a tendência é de que as crianças se envolvam com drogas cada vez mais cedo. Entre 2009 e 2011, de acordo com o SOS Drogas, o aumento para essa faixa etária foi de 55,7%.

Sobre a escolha das drogas, a maioria ainda se aventura, de início, a experimentar álcool e cigarro. No entanto, aqueles que procuram orientação no programa ligado à Subsecretaria de Políticas sobre Drogas apontam o crack como uma das substâncias em uso mais frequente, principalmente se combinadas com outras. Do total de atendidos em 2011, 57% disseram usar crack, ou seja, 1,8 mil dependentes químicos.

As crianças chegam ao SOS Drogas muitas vezes levadas pelo Conselho Tutelar. O centro funciona como uma porta de entrada para acolher os dependentes com psicólogos e indicar o tratamento necessário. Assim como os adultos, crianças e adolescentes podem ser tratados ambulatorialmente, durante o dia, ou serem submetidos a internações de até 180 dias. O estado mantém, para isso, 970 vagas em 28 comunidades terapêuticas, mas nenhuma oferece tratamento específico para menores de 18 anos. Por determinação da Justiça, seis delas costumam receber os dependentes infantojuvenis, adequando o tratamento do menor à sua realidade. A maioria está no interior: Governador Valadares, Uberlândia, Muriaé e João Monlevade. Na Grande BH, Contagem e Nova Lima contam com essa estrutura.

“Não dá para tratar todo mundo junto porque crianças e adolescentes estão em formação e o ideal seria que estivéssemos preparados para trabalhar com esse universo crescente”, diz a psicóloga Érica Barezani, especialista em dependência química e diretora do SOS Drogas. “Com o crack, tudo fica mais difícil porque causa dependência nos primeiros contatos”, acrescenta.

Integrante do movimento “Mães contra o crack”, Dalvineide Almeida dos Santos conhece bem essa realidade. Ela conta que o grupo recebe relatos de mães que enfrentam o drama de ver filhos viciados cada vez mais cedo. “Há casos de crianças de 8 e 9 anos que trilharam o caminho do vício quando, por exemplo, perceberam em casa o uso e abuso do álcool e outras drogas por parte do pai, irmãos, amigos. Por causa dessa influência e de famílias desestruturadas, a criança vai para a rua mais cedo”, conta. “É comum começar pelo álcool. Daí para o crack, é um pulo. Para a criminalidade, é outro”, completa.

Infratores
A iniciação precoce no mundo das drogas também já é percebida pelos profissionais que lidam com menores infratores. A assistente social do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Silvana Melo Martins conta que, no momento, dois casos desafiam o poder da Justiça: duas crianças menores de 12 anos já viciados em crack. “Uma criança não tem condições de decidir se vai ou não fazer um tratamento para o vício. Mas não existe nenhuma unidade para a internação compulsória de crianças em Minas, apenas o chamado atendimento dia ou abrigo”, relata. “Não podemos colocar essa criança em medida socioeducativa porque que tem menos de 12 anos. É duro falar, mas não tenho o que fazer com essa criança”, admite.

Segundo a presidente do Conselho Municipal Antidrogas, 80% dos menores infratores levados por agentes de segurança para o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH) recebem do juiz ordem para cumprir medidas sócioeducativas voltadas para o tratamento de dependência química. Responsável pelo Núcleo de Atendimento às Medidas Sócioeducativas e Protetivas, Márcia Cristina Alves diz que o consumo de drogas cada vez mais cedo é um importante indicativo de desagregação social.

“A relação entre droga, experiência e prazer é inevitável, mas explorar isso tão cedo, principalmente associada ao crack, é uma grande mudança cultural e significa a desagregação social daquela criança ou adolescente. É preciso entender o que aconteceu nas famílias, nas comunidades, porque essa criança é a ponta disso”, afirma. Ela lembra que é possível intervir nessa realidade. “Essas crianças não podem viver sempre institucionalizadas, em abrigos ou comunidades. As famílias precisam participar dessa formação e da responsabilização”. (Colaborou Andréa Castello Branco)

SOS DROGAS
384
Atendidos em 2009 que usaram drogas antes dos 12 anos

598
Atendidos em 2011 que experimentaram entorpecentes nessa idade

55,7%
Percentual de aumento no grupo de atendidos que usou drogas antes dos 12 anos

 

Menos de 12 anos

Na capital, a prefeitura mantém o Centro de Referência em Saúde Mental Infantojuvenil (Cerami), que funciona 24 horas na Regional Noroeste. O gerente Wellington Domingues já recebeu uma criança com menos de 12 anos e admite que há uma infantilização do problema. “Já temos crianças de 12, 13 anos não só usando drogas como trabalhando para o tráfico. Recebemos crianças cada vez mais novas”, diz. A coordenadora de Saúde Mental da Prefeitura de Belo Horizonte, Márcia Parizi, também já ouviu relato dos técnicos do programa Consultório de Rua sobre a presença de crianças em grupo de viciados. “O pior relato foi de um usuário de crack de 7 anos”, conta.

No Centro de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), os funcionários serão capacitados por agentes do Centro Mineiro de Toxicologia para melhor atender aos depentendes infantojuvenis. Há 12 leitos para tratamento de transtornos mentais e atendimento ambulatorial, incluindo dependência, uso e abuso de álcool, crack e outras drogas, mas a procura é crescente, principalmente por causa das decisões judiciais.

“Somos o único hospital psiquiátrico de Minas e todo dia recebo ligações das secretarias de Saúde do interior para internar os menores aqui. Não temos vaga para tanta gente e precisamos conversar com o juiz para ele entender que muitas vezes não basta internar e deixar o menino sair seis meses depois”, opina a diretora Lílian Lima Albernaz.

Para o diretor geral do Instituto Raul Soares, Maurício Leão de Rezende, o vício precoce é um problema que deve ser atacado com mais intensidade. “As autoridades não estão preparadas para lidar com esse desafio, sobretudo na infância. Cerca de 90% dos dependentes que atendemos começaram a usar drogas na infância e na adolescência. E a tendência é aumentar”, prevê.

 

Danos irreversíveis

Fernando Neves, psiquiatra e professor da UFMG

 

“A droga tem um efeito excitatório que pode desencadear um processo de desgaste neurológico. A criança e o adolescente naturalmente são mais impulsivos e querem recompensas a curto prazo, por isso são atraídos mais facilmente pelas drogas. Nessa faixa de idade, o efeito comportamental é mais intenso, justamente porque potencializa o que na criança não está desenvolvido. Mas o uso continuado e a dependência prejudicam o desenvolvimento normal e causam efeitos irreversíveis. A droga destrói a região neural do córtex pré-frontal, responsável pela função executiva, de planejamento, raciocínio e resolução de problemas. É como se ela acabasse com o maestro que coordena a orquestra. Quanto mais novo é o usuário, há alteração de comportamento e personalidade, fazendo dele mais agressivo. Se ele tiver pré-disposição, poderá desenvolver ainda quadros de transtorno bipolar e até esquizofrenia”.

 


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