Papagaios – Interferir abruptamente nos costumes de um povo é tocar fundo no seu orgulho. Os europeus abusaram dessa invasão, por motivos econômicos e de expansão territorial, principalmente a partir do século 16, por meio de expedições marítimas, na África, América e Oceania. Mais do que perder bens e territórios é sentir a alma ferida. Essa recorrência histórica explica um pouco o sentimento dos moradores de Papagaios, Região Central de Minas, e de outros municípios que se viram, de repente, privados do sinal de recepção de TV aberta pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), sob a alegação de que os equipamentos de transmissão são irregulares, ou seja, instalados sem autorização do Ministério das Comunicações.
Silenciosamente, ao contrário das ruidosas invasões europeias, a Anatel, subordinada ao ministério, subiu o morro no qual Papagaios instalou suas torres de recepção de sinais de TV aberta e desligou os aparelhos. Deixou 15 mil cidadãos indignados com a indelicadeza e a interferência no seu hábito diário de acompanhar as notícias de Minas, notadamente do futebol, o romantismo e as tramas sequenciais das novelas. E as crianças, em férias, sem os programas infantis e os desenhos animados.
O mesmo sentimento é compartilhado pelos 5,5 mil moradores de Maravilhas, os 6 mil de Jeceaba tantos outros mineiros, pois o representante da Anatel no estado, José Dias Neto, disse em reunião com os emissários das TVs que a ordem veio de Brasília: fiscalizar as torres de 440 municípios do estado e lacrar os sinais que considerar irregulares. Os cidadãos não entram nessa questão legal, mas sim a forma truculenta como começou a ser feita, sem aviso às emissoras e às prefeituras, de forma ditatorial.
Como explicar ao pequeno Vítor, de 7 anos, quando, diante da casa do pai, Joadir Brito Lopes, de 42, em Papagaios: “Cadê o programa do Chaves? A TV sumiu de repente”. O irmão, o cruzeirense Carlos Miguel, de 12, está há mais de uma semana sem ver o Alterosa no Ataque, porque é fã da apresentadora, a ex-ábritra de futebol Ana Paula Oliveira. A mãe, Fabiana, está perdendo o desenrolar da novela Carrossel. “No dia em que o Adriano (personagem da trama) estava tendo um pesadelo, o sinal da televisão sumiu.”
Sacrifício
“Só pode ser briga política. Esse sinal estava aqui há mais de 20 anos, porque vieram desligá-lo agora, na época das eleições?”, pergunta Alex Sander, de 40, um dos empresários de Papagaios ligados à extração e ao comércio de ardósia. O mineral responde hoje por 60% da arrecadação do município. Só depois de lacrar o equipamento a Anatel enviou laudo ao prefeito Mário Reis Filgueiras (PDSB) informando o motivo. E ele propõe a união dos prefeitos e das emissoras em busca de uma saída: “Pode ser uma liminar com o objetivo de estabelecermos um prazo com Anatel para regularização do sinal”.
Barrados pela burocracia
A ideia do prefeito de Papagaios parece viável, mas não é tão fácil assim regularizar um sinal de recepção. O município precisa pedir às emissoras um projeto técnico, que custa hoje em torno de R$ 3 mil. Trata-se de um documento preparado por empresas de engenharia especializada em telecomunicação contendo os procedimentos para obtenção da licença, que é enviado ao Ministério das Comunicações. A autorização é publicada no Diário Oficial da União e o solicitante, a emissora de TV ou prefeitura do município interessado, instala o equipamento e passa a contribuir com uma taxa em torno de R$ 500 anuais recolhida pela Anatel.
Só que as emissoras alegam que há milhares de solicitações de instalação de receptores de TV analógica paradas nas gavetas do ministério. Assim, fica difícil responder a uma pergunta simples feita pelos moradores de Papagaios: “Quando o sinal será restabelecido?”. Também não há resposta para o lacre dos aparelhos sem aviso prévio, privando cidadãos de cidades de pequeno e médio porte sem opções de lazer além da tela da televisão. Ainda mais em Papagaios, onde os bares, restaurantes e lanchonetes, por força de lei municipal, fecham às 23h, impreterivelmente, de domingo a quinta-feira, o que explica em parte os baixos índices de criminalidade na cidade.
A TV era, até a semana passada, o único passatempo, além da leitura, de Vanessa dos Santos, de 14 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental. De repente, o sinal da telinha desapareceu. “Foi péssimo, em plenas férias fui privada de meus programas”. Apelou ao pai, funcionário de uma das empresas de extração de ardósia, e à mãe, doméstica. Eles abriram mão das economias e entraram na fila da loja de Marco Antônio Luiz da Silva, o Toni, de 33, que vendia no máximo quatro parabólicas por dia e hoje tem que se virar para atender entre 20 e 25 pedidos.
“Sou o único em Papagaios que vende e instala antenas. O cliente paga R$ 450 pelo aparelho e o serviço. E não estou tirando proveito da situação. O preço é o mesmo há quatro anos”, diz Toni. Quando ele chegou ontem com a antena na casa de Vanessa, no Bairro Edite Cordeiro, a garota abriu um largo sorriso. Acredita que o tédio de uma cidade pequena vai ser amenizado pela tela colorida da TV.
Esta é uma sorte que Marianes Alexandre, de 48, não tem. Ela roça pastos na zona rural e ganha apenas o suficiente para o sustento. Na fria noite de segunda-feira , estava agasalhada na porta de casa, no humilde Bairro Miguelão, esperando alguém para conversar. Na sala, mais fria ainda estava a TV, desligada e sem previsão de quando voltará a exibir a programação mineira que tanta falta faz à população. (AV)