De maneira discreta, sem divulgação, chegou ao fim, depois de 16 anos, a invasão de dois prédios na Rua Clorita, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte
Para os vizinhos dos imóveis ocupados, apelidados de Torres Gêmeas, a desocupação traz de volta o sossego e os faz sonhar com a valorização imobiliária e investimentos na melhoria das casas onde moramO entusiasmo se tornou maior depois que o Estado de Minas divulgou ontem, com exclusividade, a existência de um projeto que prevê a construção de um complexo arquitetônico estimado em R$ 2 bilhões no localA melhor notícia para eles é que o empreendimento pretende transformar as Torres Gêmeas em dois hotéis de luxo, além de criar um centro de entretenimento e um edifício empresarial que será o mais alto da América Latina, com 85 andares distribuídos em 350 metros de altura.
Angelina Henrique está reformando a sua casa e assegura que tranquilidade voltou de vez à Rua Clorita - Foto: Fotos: Jackson Romanelli/EM/D.A Press
A professora Angelina Henrique dos Santos Figueiredo, de 61 anos, mora na Rua Clorita e conta que reconquistou a paz depois de 16 anos de tormento“Fiquei tão animada com a desocupação que estou reformando a minha casaAcho que vai ser muito valorizado isso aqui”, disse AngelinaMas, para ela, a maior felicidade foi poder andar com tranquilidade pela rua“A gente não tinha sossego, pazNão podia chegar tarde da noite em casaEu vivia prisioneira dentro da minha própria casaHavia muita gente boa nos prédios, mas alguns eram perigosos”, disse.
A professora lembrou que, por causa da ocupação, a rua vivia cheia de policiais revistando suspeitos de crimes e também pessoas inocentes
“Toda hora chegava um carro da polícia com sirene ligada e havia muito tumulto Tinha muita briga entre os moradores dos prédiosEles não costumavam mexer com a vizinhança, mas, quando chegava gente de outros lugares para buscar drogas, dava muito medo”, conta a professora.
"Antes, era perigoso voltar do trabalho à noite e a polícia estava sempre por aqui, revistando as pessoas", lembra a subgerente Ariane - Foto: Fotos: Jackson Romanelli/EM/D.A Press
A subgerente de padaria Ariane Michelly Santos, de 22, também se sente aliviada“Antes, era perigoso até andar pela ruaJogavam objetos e sacolas de lixo do alto dos prédios e eu tinha medo de voltar do trabalho à noite”, disse ela, também lembrando a presença ostensiva da polícia na região“A PM fazia operação o tempo todo na rua, revistando as pessoas, e era muita gente estranha que vivia nos prédiosAgora, a violência deve acabar”, disse ArianeUm morador lembrou crimes ocorridos no local, como o assassinato de um traficante jogado de um dos prédios pelo rivalDois latrocínios cometidos em Santa Tereza, o de um comerciante e o de um estudante, foram atribuídos pela polícia a criminosos que se escondiam nas Torres Gêmeas.
Policiamento
A última família que ocupava as Torres Gêmeas deixou o local em 29 de junho, de acordo com comunicado enviado pela Polícia Militar ao juiz da 2ª Vara Empresarial do Fórum Lafayette, Sálvio ChavesNo ofício, a PM pediu providências à massa falida no sentido de evitar a reocupação dos imóveis
O juiz abriu vistas para a representante da massa falida e uma leiloeira contratou a Mirell Construtora para levantar 300 metros de muro, com 2,8 metros de altura, no entorno do imóvelAlém disso, policiais do Batalhão de Polícia de Eventos (BPE) são mantidos 24 horas no local, para não deixar ninguém entrar no prédio novamenteA assessoria de imprensa do Fórum Lafayette informou que a data do leilão da torre 2 está para ser marcadaO dinheiro, como no primeiro leilão, será usado para quitar dividas das empresas falidas que construíram o empreendimento.
A família que deixou o prédio 2 é a de Alicrenéia José de AndradeEla foi incluída no Programa Bolsa Moradia da PBH e se mudou para a Vila Ponta Porã, ao lado do Boulevard Shopping, na frente das Torres Gêmeas, do outro lado da Avenida dos Andradas, já no Bairro Santa EfigêniaDurante três meses, Alicrenéia vai receber R$ 500 para pagar o aluguelEla não fazia parte das primeiras famílias que ocuparam os dois prédios em 1980Passou a morar no local depois que o morador de um dos apartamentos morreu.
Memória
Falência das construtoras
Os dois prédios das Torres Gêmeas, com 17 andares cada um, começaram a ser construídos na década de 1970 pela ICC Incorporadora e pela Jet EngenhariaEm 1980, com muitos dos apartamentos já vendidos na planta, as duas empresas faliram e as obras foram interrompidasEm 1996, 171 famílias de sem-casa invadiram os prédios, começando uma ocupação que durou 16 anos e rendeu inúmeras disputas jurídicas.
Por várias vezes, a Justiça determinou a desocupação dos imóveis, mas liminares e ações de defensores dos direitos humanos impediram o cumprimento da determinação judicialA solução só surgiu em 2010, depois que um incêndio na Torre 1 comprometeu a estrutura do prédio e as 68 famílias que ocupavam o imóvel foram removidas para sua segurançaEm junho do ano passado, a Torre 1 foi a leilão e vendida por R$ 2,6 milhões
Em setembro do ano passado, 85 famílias que ocupavam a Torre 2 foram notificadas pelo Corpo de Bombeiros de que o imóvel seria interditado por decisão da 6ª Vara da Fazenda Pública EstadualA edificação não atendia aos requisitos mínimos de segurança contra incêndio e pânico previstos em leis estaduais
Segundo a Prefeitura, as famílias que ocupavam as Torres Gêmeas são atendidas pelo Bolsa Moradia e deverão ser reassentadas em definitivo em unidades dos programas habitacionais da PBHSão 171 famílias cadastradas, a maioria vinda das ruas e de situação de vulnerabilidade social antes da ocupação dos prédios.