Jornal Estado de Minas

Mãe denuncia racismo contra filha de 4 anos; aluna é xingada de "preta horrorosa"

De acordo com ela, menina foi ofendida por avó de garoto que se revoltou com o fato de o neto ter dançado quadrilha com uma criança negra. Polícia vai investigar o caso

Fátima diz que filha está se sentindo inferior por ser negra e que vai procurar atendimento psicológico para a menina - Foto: Euler Júnior/EM/D.A Press

“Quero saber por que deixaram uma negra e preta horrorosa e feia dançar quadrilha com meu neto.” Foi assim, segundo o que já foi apurado pela polícia, que a avó de um aluno de uma escola infantil particular em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, se referiu a uma menina de 4 anos, em um caso de crime de racismo que revoltou funcionários do Centro de Educação Infantil Emília e levou a mãe da criança a denunciar a mulher à políciaA diretora da escola foi acusada de não ter feito nada para impedir as ofensas racistas e ainda ter tentado abafar o caso.

O episódio ocorreu dia 10, mas somente ontem, apoiada pela organização não governamental SOS Racismo, a mãe da menina, a atendente de marketing Fátima Viana Souza, revelou detalhes do casoEla só ficou sabendo das agressões à filha porque a professora Cristina Pereira Aragão, de 34 anos, que testemunhou tudo, inconformada com a situação e com a falta de ação da diretora da escola, pediu demissão e procurou a família da menina para denunciar o que ocorreuOutra professora confirmou aos pais da criança a denúncia feita por Cristina

Fátima lembrou que a festa junina foi no sábado, dia 7, e que toda a sua família foi para prestigiar a meninaNa terça-feira, dia 10, a avó do garoto, de acordo com o que consta no boletim de ocorrência policial ao qual o Estado de Minas teve acesso, invadiu a escola aos gritos querendo saber por que deixaram uma “negra horrorosa” dançar com o neto dela“Minha filha presenciou tudo e foi chamada de preta feiaOs coleguinhas da sala ao lado escutaram e foram ver o que estava acontecendo”, disse a mãe, chorando“Minha filha ficou quieta num canto da sala e a professora a defendeu dizendo que a atitude daquela mulher era crimeMesmo assim, minha filha continuou sendo insultada”, disse Fátima

A mãe disse ainda que não foi informada do ocorrido

No dia, seu marido buscou a filha na escola e tudo parecia normalEla lembrou que naquela terça-feira a menina chegou perturbada da escola, não jantou e não conseguiu dormir“Achei que ela tivesse brincado demais e estava cansada”, disse FátimaNo dia seguinte, a menina vomitou na sala de aula e a diretora alegou para os pais que ela havia comido muitos salgados num piquenique da escolaA professora, que já havia pedido demissão, procurou os pais e contou o que havia acontecido

“Fiquei desesperadaFoi horrívelAcho que a minha filha vomitou de medoConversei com ela, que repetia o tempo todo que não fez nada, se sentindo culpadaO racismo contra um adulto é intolerável
Contra uma criança indefesa, pior aindaE eu não estava lá no momento para defender a minha filha”, lamentou Fátima, que vai tirar a menina da escola e quer que a agressora seja punida“Vou lutar na Justiça pela minha filha e por tantas outras crianças negras que passam pela mesma situação e não é feito nada”, disseFátima informou que vai providenciar atendimento psicológico para a filha“Ela está se achando inferior, que o bom é ser de outra cor”, concluiu.


Indignação e demissão

A professora Cristina contou ter ficado indignada com a falta de atitude dos responsáveis pela escola e pediu demissão“A diretora disse que não iria comunicar nada aos pais da menina, nem chamar a polícia, pois esse tipo de problema acontece em qualquer escola e que se fosse brigar com toda família preconceituosa não teria ninguém estudando na sua escola Fiquei revoltada e preferi me desligar da escola para não ser conivente com um ato criminoso”, disse CristinaEla acrescentou que tentou evitar que a menina escutasse as ofensas, mas a mulher apontou o dedo em seu rosto e a mandou ficar calada, afirmando que a professora recebia salário para dar aula para o neto dela.

O delegado da 3ª Delegacia de Polícia de Contagem, Antônio Fradico de Araújo, instaurou inquérito e vai intimar a avó do garoto, identificada apenas como Mariinha, e os demais envolvidos na ocorrência para prestar depoimentoA Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial de Contagem acionou os órgãos de defesa dos direitos humanos e também o Ministério Público Estadual, pedindo providências.

Agravantes

O advogado do SOS Racismo e professor de direito da PUC Minas, José Antônio Carlos Pimenta, esclarece que a pena para o crime de racismo pode chegar a nove anos de prisãoMas, no caso da menina ofendida em Contagem, a Justiça pode considerar injúria racial, que tem pena de no máximo três anos“Mas há dois agravantes nesse caso e a pena pode aumentarO crime foi cometido dentro de uma escola e a vítima é menor de 18 anos”, disse o advogadoA responsável pela  escola também pode responder civilmente, pois ela tinha o dever legal de proteger a menina, analisou o advogadoA diretora, do Centro de Educação Infantil Emília, Joana Reis Belvino, foi procurada pelo EM, mas se recusou a comentar o casoA polícia não forneceu informações que permitissem identificar e localizar a mulher denunciada por racismo.