Na tentativa de escapar da violência, milhares de famílias estão caindo nos braços da clandestinidade em Minas, onde estima-se que dois terços do serviço de proteção particular sejam ilegaisEstimativa do próprio Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância (Sindesp-MG) dá conta de que são 28 mil profissionais habilitados, contra um exército de pelo menos 60 mil irregulares Desses, 70% estão concentrados em Belo HorizonteE não se trata de um serviço velado: eles podem ser facilmente identificados dentro de guaritas instaladas nas calçadas ou praças, controlando ruas tomadas por cones e cancelas ou, ainda, motorizados, vigiando o movimento das vias Na tentativa de inibir a criminalidade, diante de uma fiscalização ineficiente ou ignorada, moradores descrentes da eficácia do poder público se valem de empresas que na aparência são legalmente constituídas, ou simplesmente recorrem a quem faz da segurança um bico.
O limite da segurança privada são os muros de cada imóvel“Segurança patrimonial é intramurosNa calçada não pode, é crime, inclusiveEm área pública, só cabe a atuação dos vigilantes em caso de escolta pessoal ou de veículo, em todos os casos, com a devida autorização, concedida pela Polícia Federal”, adverte o presidente do Sindesp-MG, Edson Pinto NetoMesmo assim, basta uma volta por alguns bairros, especialmente os mais nobres, para perceber que a norma é solenemente ignoradaNa Região Centro-Sul da capital são várias as guaritas com placas indicando em letras garrafais que ali há segurança armada e eletrônicaAlgumas têm até câmera de vigilância e os vidros com película, para dificultar a identificação de quem está lá dentro
O aparato, além de irregular, segundo o sindicato do setor, não tem demonstrado eficiênciaFoi o que ficou evidente na Rua Comendador Viana, no Bairro Mangabeiras, Região Centro-Sul, onde bandidos armados invadiram uma casa e fizeram moradores reféns na semana passadaNa Rua Ministro Alfredo Valadão, no mesmo bairro, além da integração com a rede de vizinhos protegidos, da Polícia Militar, um vigilante se vale de um carro para fazer rondaDizendo tratar-se de orientação da empresa, ele não quis falar sobre suas atribuições
Na Rua Engenheiro Otávio Goulart Penna, também no Mangabeiras, o funcionário da guarita, instalada na Praça Raul Machado Rocha, presta atenção a todos os que passamCones fecham meia pista, facilitando a vigilânciaNa Praça Angelino Bruschi, o mobiliário bem equipado serve de abrigo para controlar o acesso à Rua João Camilo de Oliveira TorresEm todos os casos, além de ferir as normas que proíbem a segurança privada e fazê-lo à revelia da Polícia Federal, há desrespeito ao Código de Posturas do município, que proíbe guaritas em espaços públicos, como nas calçadas
O presidente da Associação de Moradores do Bairro Mangabeiras, Marcelo Marinho Franco, admite que as guaritas e o serviço de vigilância são uma tendência nas ruas mais ermas“Em áreas que não afetem o trânsito e em ruas sem saída funciona
Um professor de 60 anos que pediu para não ser identificado, morador do Bairro Mantiqueira, na Região Norte de BH, paga, mensalmente, R$ 15 a um vigia motorizado que faz rondasPara ele, legal ou não, o serviço é sinônimo de conforto e tranquilidade: “Meus filhos vão a festas e, quando chegam, ligam para ele, que checa a região e acompanha a pessoa até entrar em casaDiante de qualquer atitude suspeita, eu ligo para o vigiaLigar para a polícia? Para quê? Ela vai demorar a vir; ele chega na hora”.
O presidente do Sindesp-MG informa haver um disque-denúncia para casos de irregularidade envolvendo a segurança particular – (31) 3270-1300Para ele, a maior parte das pessoas prefere contratar empresas clandestinas por serem mais baratas“O poder público é conivente com a situação irregular, porque ele mesmo não consegue fiscalizar”, criticaHoje, o contratante do serviço clandestino só é responsabilizado caso o profissional cometa algum delitoMas projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília, quer tornar crime a própria contratação irregular.
Uma empresa regular deve ter licença anual de funcionamento concedida pela Delegacia de Controle e Segurança Privada (Delesp), da Polícia Federal, responsável pela normatização e fiscalização dos trabalhos do setor Entre outros itens, a PF verifica as instalações da firma, se os profissionais estão com curso de reciclagem atualizado e se foram feitos os exames psicotécnicos exigidos anualmente, além do porte de armas Apesar da atribuição, procurada para falar sobre a fiscalização aos serviços clandestinos de segurança, a PF não se manifestou
FIQUE SEGURO
Na hora de contratar
Pedir à empresa o certificado de autorização de funcionamento, válido por um ano e publicado no Diário Oficial da União (DOU)
No caso de segurança particular, exigir a carteira nacional de vigilância (CNV), emitida pela Polícia Federal.
QUEM CONSULTAR
Sindicato dos Vigilantes de Minas Gerais (31) 3270-1300
Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância (31) 3327-5300
as regras
A segurança particular só pode atuar dos muros de casas, prédios e condomínios para dentroGuaritas em áreas públicas não são permitidas.
O profissional de segurança está sempre ligado a uma empresa; nunca presta serviço individualmente.
O RISCO
O maior perigo de contratar serviço clandestino é abrir as portas a um aliado de criminosos, que se omita diante de roubos ou mesmo passe informações sobre a rotina dos moradores a assaltantes.
Fonte: Sindesp-MG
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Quando necessidade e ilegalidade se unem
A questão da segurança se apresenta como um risco duploNão se deve, de forma alguma, dar as mãos à ilegalidadeMas, quando se enfrenta uma situação na qual o poder público não se mostra capaz de garantir com eficiência máxima a proteção da população, quando o simples ato de abrir a garagem de casa se torna um drama, a opção surge como uma tentativa de sobrevivênciaSão pais querendo proteger os filhos, maridos querendo assegurar a tranquilidade das mulheres, pessoas preocupadas em chegar vivas em casaPior ainda é pensar que tantos impostos não são suficientes para garantir o mínimo: o direito de ir e virA segurança clandestina surge porque há uma necessidade de fatoDiante dessa constatação, há que se discutir uma forma que seja mais condizente com a realidade para regulamentar um setor que tende a subsistir enquanto persistir o clima de insegurança