Depois de um dia inteiro de depoimentos sobre a denúncia de racismo contra uma criança de quatro anos numa escola de Contagem, a Polícia Civil (PC) deverá indiciar Maria Pereira Campos da Silva, de 54 anos, acusada de xingar a menina de “preta horrorosa e feia”, por crime mais brando, o de injúria qualificada. A mulher foi ouvida ontem, na 4º Delegacia de Polícia de Contagem, e negou ter menosprezado a garota. Apesar de acreditar na culpa de Maria, o delegado Juarez Gomes afirma que não há evidências que o leve a enquadrar o caso como racismo, já que a pequena D. não teria sido barrada ou impedida de fazer algo por causa de sua cor. Esse não é o entendimento dos advogados da vítima, integrantes do movimento SOS Racismo, que insistem que o episódio extrapola em muito meras ofensas.
Em 10 de julho, a criança teria sido xingada por Maria, avó de outro estudante, descontente de o neto dançar quadrilha com uma “negra, feia e horrorosa”. A professora Denise Cristina Aragão, de 34, pediu demissão e denunciou o caso aos pais da menina. Além da acusada, a PC ouviu ontem depoimentos da professora, da mãe da criança, a atendente de telemarketing Fátima Adriana Viana da Silva de Souza, de 41, e da diretora do Centro de Educação Infantil Emília, Joana Reis Belvino. A polícia também intimou outra testemunha, a professora Mirlene Alves de Oliveira, de 36, que deverá ser ouvida amanhã, às 10h40, e vai pedir ajuda do conselho tutelar e de órgãos de proteção à infância e à juventude para ouvir a vítima.
“Até agora, podemos concluir que ela não foi preterida ou barrada em algum ambiente em razão de sua cor. Os indícios nos mostram que a autora ofendeu a menina, caracterizando injúria com agravante de cor ou raça, em que a pena varia de um a três anos de reclusão e o pagamento de multa”, diz o substituto da 4ª Delegacia de Polícia de Contagem. No crime de racismo, a pena seria de três a cinco anos de reclusão. Durante mais de uma hora de depoimento, a acusada negou ter cometido qualquer ofensa à criança, a quem, diante da polícia, se referiu como “moreninha”, segundo o delegado. “As declarações da suspeita não ajudaram em nada e foram típicas de alguém que comete um ato mas não assume e divaga muito no depoimento”, afirma Gomes.
Sem advogado, Maria chegou sozinha à delegacia, ficou irritada com a presença da imprensa e negava a todo momento ser ela a acusada de ter xingado a criança. À polícia, disse que era a vítima. “Segundo ela, a professora estava usando a situação para tentar prejudicar a escola”, diz o delegado. A diretora da escola, Joana Belvino, estava acompanhada do advogado e também não quis comentar o assunto. De acordo com Gomes, Joana disse ter tomado conhecimento da denúncia de racismo quando foi procurada por jornalistas. “A diretora falou que não sabia que o desentendimento com a professora teria esse pano de fundo. Para a polícia, a situação de ter denunciado ou não o caso é irrelevante, pois ela não tem por lei a obrigação de notificar injúria”, afirma Gomes.
Uma equipe de advogados da Organização Não Governamental (ONG) SOS Racismo acompanhou os depoimentos e garante que o caso pode ser interpretado como racismo. “Durante a festa junina, há indícios de que a avó tentou impedir seu neto de dançar com uma garota negra se referindo à raça em geral e não injuriando uma pessoa. Dessa forma, no momento em que ela não queria que uma negra tivesse o convívio social em uma festa de escola, se caracteriza o racismo”, diz o advogado Amadeus Carlos Pimenta. Independente da conclusão ou do que for relatado no inquérito, o advogado informou que nos próximos dias vai entrar com uma ação penal por racismo além de mover também uma ação cível por danos morais contra a agressora pelas ofensas e contra a diretora pela conivência.
O QUE DIZ A LEI
O racismo é caracterizado pela Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que, em linhas gerais, diz que fica configurado o crime quando há impedimento ou negação de acesso, emprego, matrícula, hospedagem, entre outros, por conta de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito por conta dos mesmo fatores, da forma geral, também é considerado racismo. Segundo advogados, nesse caso a pena pode chegar a nove anos de prisão de acordo com as combinações de artigos. A injúria é tipificada pelo artigo 140 do Código Penal e a pena varia de um a seis meses de detenção ou multa em caso de ofensa da dignidade ou do decoro de uma pessoa. Também há o agravante da violência, que eleva a pena para a variação entre três meses e um ano de detenção, além da multa e punição pela violência. O último agravante diz respeito à injúria com elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Nesse caso, a pena varia de um a três anos de reclusão, além da multa.
PALAVRA DE ESPECIALISTA: GUSTAVO FREIRE, ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO PENAL
Criança sofreu desqualificação
“A postura do delegado ao considerar injúria e não racismo está corretíssima. O racismo objetiva principalmente a segregação racial e não houve nenhuma forma de segregação racial nesse episódio. No caso, foram comentários que atingiram a honra subjetiva daquela pessoa (a criança negra), mas não com o objetivo de separar raças, grupos étnicos ou religiosos. A injúria é toda forma de desqualificação de uma pessoa. E no caso dessa criança a desqualificação houve por meio da cor, mas não houve o objetivo de separar raças.”
Emoção no depoimento dos pais e professora
O depoimento da professora Mirlene Alves de Oliveira, 36 anos, será peça-chave para esclarecer se as agressões verbais dirigidas à pequena D., de 4 anos, poderão ou não ser qualificadas como racismo. A funcionária da escola particular de Contagem será ouvida amanhã pela Polícia Civil (PC), que afirma só poder configurar o caso como racismo se ficar comprovado que a criança tenha sido impedida de participar de algo em razão da cor. A professora, que estava presente na quadrilha, conta que durante a festa junina a acusada reclamou ao ver seu neto dançando com uma garota negra. “Imaginávamos que algo poderia acontecer pelo histórico de comentários dela. Houve apenas um comentário dela comigo e com a diretora, mas o pior foi na terça-feira, quando entrou gritando na escola”, diz Mirlene.
Durante a manhã de ontem, a emoção marcou o depoimento da professora e dos pais da pequena D., que ainda não conseguiu se recuperar do trauma. “Ela chora muito, sempre diz que ninguém gosta dela e que está passando mal. Sempre repete que não fez nada, achando que tem alguma culpa. Algumas palavras ditas pela avó do coleguinha estão na cabeça dela. O mais triste é que ela estava começando a entender sua identidade negra. Agora, acha que essas características são ruins”, diz a mãe. Questionado sobre o drama vivido pela filha, o pai, Ailton Cesar de Souza, perdeu o controle e começou a chorar, sem conseguir dizer uma palavra para expressar a indignação por tudo que a criança passou.
A professora Denise Cristina Aragão, de 34, também depôs à polícia e disse que os alunos estavam assistindo a um filme na sala de aula, quando a acusada Maria Pereira Campos da Silva, de 54, e o neto chegaram. “No portão, ela já começou a ofender a garota perguntando porque eu tinha deixado ela dançar com seu neto”, diz a professora. “Imediatamente a adverti, falando que a criança estava na sala. Ela não se importou, me mandou calar a boca, pois meu salário era para dar aulas.” Segundo Denise, só depois que Maria Pereira parou de xingar a menina, ela voltou a se aproximar, chorando muito. “Ela disse que não acreditava no motivo do meu choro”, completa Denise. A educadora diz ter conversado com a diretora e como viu que nenhuma atitude seria tomada, pediu demissão. “A diretora me disse que qualquer escola teria preconceito e se ela fosse reagir contra cada caso não teria alunos”, completa.
Em 10 de julho, a criança teria sido xingada por Maria, avó de outro estudante, descontente de o neto dançar quadrilha com uma “negra, feia e horrorosa”. A professora Denise Cristina Aragão, de 34, pediu demissão e denunciou o caso aos pais da menina. Além da acusada, a PC ouviu ontem depoimentos da professora, da mãe da criança, a atendente de telemarketing Fátima Adriana Viana da Silva de Souza, de 41, e da diretora do Centro de Educação Infantil Emília, Joana Reis Belvino. A polícia também intimou outra testemunha, a professora Mirlene Alves de Oliveira, de 36, que deverá ser ouvida amanhã, às 10h40, e vai pedir ajuda do conselho tutelar e de órgãos de proteção à infância e à juventude para ouvir a vítima.
“Até agora, podemos concluir que ela não foi preterida ou barrada em algum ambiente em razão de sua cor. Os indícios nos mostram que a autora ofendeu a menina, caracterizando injúria com agravante de cor ou raça, em que a pena varia de um a três anos de reclusão e o pagamento de multa”, diz o substituto da 4ª Delegacia de Polícia de Contagem. No crime de racismo, a pena seria de três a cinco anos de reclusão. Durante mais de uma hora de depoimento, a acusada negou ter cometido qualquer ofensa à criança, a quem, diante da polícia, se referiu como “moreninha”, segundo o delegado. “As declarações da suspeita não ajudaram em nada e foram típicas de alguém que comete um ato mas não assume e divaga muito no depoimento”, afirma Gomes.
Sem advogado, Maria chegou sozinha à delegacia, ficou irritada com a presença da imprensa e negava a todo momento ser ela a acusada de ter xingado a criança. À polícia, disse que era a vítima. “Segundo ela, a professora estava usando a situação para tentar prejudicar a escola”, diz o delegado. A diretora da escola, Joana Belvino, estava acompanhada do advogado e também não quis comentar o assunto. De acordo com Gomes, Joana disse ter tomado conhecimento da denúncia de racismo quando foi procurada por jornalistas. “A diretora falou que não sabia que o desentendimento com a professora teria esse pano de fundo. Para a polícia, a situação de ter denunciado ou não o caso é irrelevante, pois ela não tem por lei a obrigação de notificar injúria”, afirma Gomes.
Uma equipe de advogados da Organização Não Governamental (ONG) SOS Racismo acompanhou os depoimentos e garante que o caso pode ser interpretado como racismo. “Durante a festa junina, há indícios de que a avó tentou impedir seu neto de dançar com uma garota negra se referindo à raça em geral e não injuriando uma pessoa. Dessa forma, no momento em que ela não queria que uma negra tivesse o convívio social em uma festa de escola, se caracteriza o racismo”, diz o advogado Amadeus Carlos Pimenta. Independente da conclusão ou do que for relatado no inquérito, o advogado informou que nos próximos dias vai entrar com uma ação penal por racismo além de mover também uma ação cível por danos morais contra a agressora pelas ofensas e contra a diretora pela conivência.
O QUE DIZ A LEI
O racismo é caracterizado pela Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 que, em linhas gerais, diz que fica configurado o crime quando há impedimento ou negação de acesso, emprego, matrícula, hospedagem, entre outros, por conta de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito por conta dos mesmo fatores, da forma geral, também é considerado racismo. Segundo advogados, nesse caso a pena pode chegar a nove anos de prisão de acordo com as combinações de artigos. A injúria é tipificada pelo artigo 140 do Código Penal e a pena varia de um a seis meses de detenção ou multa em caso de ofensa da dignidade ou do decoro de uma pessoa. Também há o agravante da violência, que eleva a pena para a variação entre três meses e um ano de detenção, além da multa e punição pela violência. O último agravante diz respeito à injúria com elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Nesse caso, a pena varia de um a três anos de reclusão, além da multa.
PALAVRA DE ESPECIALISTA: GUSTAVO FREIRE, ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO PENAL
Criança sofreu desqualificação
“A postura do delegado ao considerar injúria e não racismo está corretíssima. O racismo objetiva principalmente a segregação racial e não houve nenhuma forma de segregação racial nesse episódio. No caso, foram comentários que atingiram a honra subjetiva daquela pessoa (a criança negra), mas não com o objetivo de separar raças, grupos étnicos ou religiosos. A injúria é toda forma de desqualificação de uma pessoa. E no caso dessa criança a desqualificação houve por meio da cor, mas não houve o objetivo de separar raças.”
Emoção no depoimento dos pais e professora
O depoimento da professora Mirlene Alves de Oliveira, 36 anos, será peça-chave para esclarecer se as agressões verbais dirigidas à pequena D., de 4 anos, poderão ou não ser qualificadas como racismo. A funcionária da escola particular de Contagem será ouvida amanhã pela Polícia Civil (PC), que afirma só poder configurar o caso como racismo se ficar comprovado que a criança tenha sido impedida de participar de algo em razão da cor. A professora, que estava presente na quadrilha, conta que durante a festa junina a acusada reclamou ao ver seu neto dançando com uma garota negra. “Imaginávamos que algo poderia acontecer pelo histórico de comentários dela. Houve apenas um comentário dela comigo e com a diretora, mas o pior foi na terça-feira, quando entrou gritando na escola”, diz Mirlene.
Durante a manhã de ontem, a emoção marcou o depoimento da professora e dos pais da pequena D., que ainda não conseguiu se recuperar do trauma. “Ela chora muito, sempre diz que ninguém gosta dela e que está passando mal. Sempre repete que não fez nada, achando que tem alguma culpa. Algumas palavras ditas pela avó do coleguinha estão na cabeça dela. O mais triste é que ela estava começando a entender sua identidade negra. Agora, acha que essas características são ruins”, diz a mãe. Questionado sobre o drama vivido pela filha, o pai, Ailton Cesar de Souza, perdeu o controle e começou a chorar, sem conseguir dizer uma palavra para expressar a indignação por tudo que a criança passou.
A professora Denise Cristina Aragão, de 34, também depôs à polícia e disse que os alunos estavam assistindo a um filme na sala de aula, quando a acusada Maria Pereira Campos da Silva, de 54, e o neto chegaram. “No portão, ela já começou a ofender a garota perguntando porque eu tinha deixado ela dançar com seu neto”, diz a professora. “Imediatamente a adverti, falando que a criança estava na sala. Ela não se importou, me mandou calar a boca, pois meu salário era para dar aulas.” Segundo Denise, só depois que Maria Pereira parou de xingar a menina, ela voltou a se aproximar, chorando muito. “Ela disse que não acreditava no motivo do meu choro”, completa Denise. A educadora diz ter conversado com a diretora e como viu que nenhuma atitude seria tomada, pediu demissão. “A diretora me disse que qualquer escola teria preconceito e se ela fosse reagir contra cada caso não teria alunos”, completa.