São Gonçalo do Rio Abaixo e Nova Era – Os R$ 4 bilhões anunciados para a execução da obra e a promessa de licitação em até dois meses escondem que o projeto de ampliação da BR-381-Norte, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, não será totalmente iniciado no prazo previsto. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) admite que apenas os lotes de um a oito farão parte da concorrência pública e os lotes nove e 10, que correspondem a uma variante de 45 quilômetros, entre São Gonçalo do Rio Abaixo e Nova Era, ficarão para depois. Na prática, o que será feito é simplesmente duplicar o traçado já existente, de 311 quilômetros.
Especialistas e membros de ONGs que representam usuários da via, vítimas e parentes de acidentados temem que a execução completa da ampliação, tida como solução para reduzir acidentes e melhorar o fluxo de veículos se arraste por anos, como ocorreu com o projeto inicial. Eles também destacam a necessidade de modernizar e refazer o traçado, eliminando as curvas perigosas, a principal causa dos desastres que deram à BR-381 o título de “Rodovia da Morte”.
Na avaliação do mestre em transporte e trânsito e professor da PUC Minas, Paulo Rogério da Silva Monteiro, a simples duplicação terá efeitos limitados. “Os acidentes frontais serão reduzidos com a separação do tráfego oposto. Mas, com o aumento da velocidade, as saídas de pista e colisões com objetos fixos tendem a aumentar. O fluxo pesado só será aliviado de forma satisfatória com a variante”, afirma.
Para o especialista, a duplicação será boa, mas não vai resolver totalmente a situação. “A população e os usuários têm de continuar a cobrar para que o bom não substitua o ótimo. Minas Gerais merece o projeto completo”, destaca Monteiro.
Dados divulgados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) comprovam o perigo que é viajar pela 381. No ano passado foram registradas 121 mortes em 2.459 acidentes no trecho Belo Horizonte-Governador Valadares. “A sinuosidade da rodovia requer habilidade e atenção maior. A inobservância de tais cuidados, aliada ao excesso de velocidade, é responsável pelos acidentes graves no trecho”, considera a porta-voz da PRF, inspetora Fabrizia Nicolai.
SEM CONSULTA
Segundo a policial, a corporação não foi consultada em nenhum momento pelo Dnit sobre a ampliação. “A PRF tomou ciência da audiência pública (que apresentou o projeto executivo para a rodovia em quatro cidades) via Diário Oficial da União, ou seja, não fomos formalmente convidados”, disse. “Entretanto, o superintendente regional determinou a presença de policiais rodoviários, pois trata-se, além da duplicação, da segurança viária em rodovia federal sob nossa circunscrição”. Neste ano, ainda segundo dados da PRF, a Rodovia da Morte apresentou a maior razão de mortes por acidentes, chegando à média de uma vítima a cada 16,9 batidas e atropelamentos.
A variante de 45 quilômetros foi concebida para desviar o tráfego de Governador Valadares, Ipatinga e Bahia, do fluxo de João Monlevade e Espírito Santo. Os acessos seriam feitos pelas cidades de Nova Era, na Região Central, e São Gonçalo do Rio Abaixo, no Vale do Aço. A nova estrada cortará morros e fazendas nesses municípios e em áreas de Itabira e João Monlevade, eliminando trechos sinuosos da via atual e o trânsito pesado das grandes cidades metalúrgicas. O trecho atual voltaria a ser a BR-262, sentido Espírito Santo e passando em João Monlevade.
Falta de informação preocupa
A variante de 45 quilômetros que vai desviar a BR-381 de João Monlevade, no Vale do Aço, por meio de acessos em São Gonçalo do Rio Abaixo e em Nova Era, não tem sequer projeto ou levantamento de impactos ambientais e arqueológicos. Estudos que são elementares e sem os quais o projeto executivo para construção não pode seguir. A informação é do Dnit, que tenta minimizar esse fato afirmando que, para compensar, a duplicação do traçado antigo seguirá em obras, independentemente dos estudos da variante, admitindo que não licitará o projeto completo de ampliação da BR-381. A reportagem do Estado de Minas onde será construída a variante. Os moradores desconhecem o projeto e se preocupam com os reflexos da obra em suas vidas. Além disso, temem a destruição do que consideram patrimônio arqueológico da região.
Descendentes de imigrantes ingleses e alemães, eles alegam que suas terras guardam resquícios de demarcações de terras feitas por escravos no século 18, chamados “valos”, e ruínas de estruturas esquecidas no campo, como antigos moinhos d’água e fundações de casarões dos primeiros imigrantes. Nenhum desses assuntos foi tratado nas audiências públicas feitas pelo Dnit.
No povoado do Cedro, na zona rural de São Gonçalo do Rio Abaixo, podem ser encontrados sinais dos sulcos feitos para demarcar terras no século 18. Há perfurações que cabem pessoas dentro. Valas mais elaboradas ainda apresentam o revestimento de pedras original, que foi assentado pela mão dos negros que trabalhavam nas fazendas. “A prefeitura está preocupada e parte desses valos foi levantada. Mas ainda não se sabe quantos são e onde estão todos. É preciso um trabalho grande para saber de todas as estruturas históricas”, alerta o secretário de desenvolvimento econômico de São Gonçalo do Rio Abaixo, João Vitor Dias.
A arqueóloga do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais, Martha Maria de Castro e Silva, considera que os valos, moinhos e outras ruínas, mesmo ainda desconhecidas, são importantes e merecem ser estudadas, além de isso ser exigido por lei. “Essa área é tradicionalmente ligada à mineração dos períodos colonial ao republicano. E pouco se conhece sobre esse nas áreas rurais. Como não há registros, restam as ruínas e vestígios para investigar a história”, destaca.
MAIS PROBLEMAS
O Dnit confirmou que no trecho de 72 quilômetros da 381, entre Governador Valadares e Belo Oriente, a duplicação será feita apenas nas proximidades das cidades de Periquito e Naque. Ao todo, 54 quilômetros da rodovia na região continuarão com pista simples. De acordo com o órgão, o fluxo de veículos nessa área é reduzido e não justifica o investimento para a duplicação da pista.