As alfaias (tudo que enfeita, incluindo os paramentos) e a prataria estão sendo preparadas com o maior capricho para a comemoração do tricentenário, diz o diretor do Museu de Arte Sacra de Ouro Preto, vinculado ao Pilar, Carlos José Aparecido de Oliveira“Nesse dia, não teremos flores na igreja, só a prata da casaTodo o acervo ficará sobre a mesa do altar-mor, durante as missas e demais cerimônias em honra à padroeira do município”, adianta Carlos José, que trabalha na paróquia há mais de 20 anosGuardião da memória, ele lembra que o jubileu é ótima oportunidade para que as pessoas conheçam a história da matriz que se confunde com a de Ouro Preto, antiga Vila Rica“Trata-se de um lugar único, com arquitetura belíssima e características muito próprias
O projeto e execução do entalhe são de autoria do português Francisco Xavier de Brito, que chegou a Vila Rica em 1741 e trabalhou no Pilar de 1746 a 1750, e, segundo estudos, teria sido mestre de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814)Outros entalhadores portugueses importantes trabalharam ali, entre eles Manoel de Brito e o mestre de obras Pedro Gomes ChavesJá as pinturas têm a marca de João de Carvalhares, Bernardo Pires da Silva, João Batista de Figueiredo e Manoel Ribeiro RosaAinda atuaram nesse espaço o entalhador Ventura Alves Carneiro, em 1751, no arco-cruzeiro, e José Coelho de Noronha (1754), autor do resplendor do trono, atualmente no coro.
Devoção
“Em 1705, nos arraiais que deram origem a Vila Rica, já se falava na devoção a Nossa Senhora do Pilar, que teria chegado à região com os bandeirantes”, conta o historiador Carlos José, explicando que o culto é originário da EspanhaFatos importantes tiveram o primitivo templo como palco, entre eles a posse, em 1711, do governador Antonio de Albuquerque, quando os arraiais se transformaram em Vila RicaNa mesma data, a imagem da padroeira foi entronizada e, no ano seguinte, o bispo do Rio de Janeiro, dom Frei Francisco de São Jerônimo – nessa época, a diocese de Mariana, à qual Ouro Preto está ligada, ainda não tinha sido criada –nomeou um pároco e autorizou a compra dos vasos sagrados (cálices, âmbulas etc.) e paramentos em quatro cores (vermelho, verde, branco ou amarelo e preto) para celebração dos sacramentos, além da presença de uma pia batismal “decente”
O tempo passou, a população cresceu, até que em 1728 a mesa administrativa das irmandades do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora do Pilar decidiram aumentar a igreja, que não comportava o número de fiéisDa mesma forma, o terreno se tornava pequeno para construção dos túmulos dos irmãosAs obras de ampliação começaram dois anos depois e ganharam uma inauguração que passou a história como a maior festa dos tempos coloniaisO Triunfo Eucarístico, em 1733, num tom quase operístico, misturou elementos sacros e profanos, num cortejo pelas ruas de Vila Rica
Tombada desde 1930 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Matriz de Nossa Senhora do Pilar recebeu obras de vulto nas décadas de 1940, 50 e 60, com troca de peças de madeira por concretoNo século 19, afirma o historiador, a maior parte dos elementos artísticos foi encoberta por tinta branca, o que só foi removido com as obras de restauro a partir dos anos 40O atual titular da paróquia, padre Marcelo Moreira Santiago, está certo de que o cargo é uma honra, mas também exige responsabilidade“Tenho um olhar de gratidão sobre todos aqueles que nos precederam em três séculos”, afirma.
Nesses tempos, merecem destaque outros dois momentos, um de alegria e outro de uma tristeza que ninguém esqueceO primeiro, em 1963, está na nomeação pelo papa João XXIII, da imagem como Padroeira PontifíciaPara o feito, a comunidade se uniu e mandou fazer uma coroa de ouro cravejada de pedras preciosas Dez anos depois, em 2 de setembro, ladrões levaram grande parte do acervo, incluindo a coroa da padroeira e peças usadas no Triunfo EucarísticoEram tempos de ditadura militar e o roubo virou assunto proibido de divulgação na imprensa por determinação do então Serviço Nacional de Informações (SNI)Até hoje, o crime não foi esclarecido nem as peças encontradasA funcionária da paróquia, Geralda da Purificação Gomes, lembra bem do episódio e do sofrimento do padre Simões, acusado injustamente e alvo de prisão“Os ladrões levaram um ostensório maravilhoso, que se transformava num cálice.”
Na saída
Uma hora depois da visita, o turista estrangeiro sai com os olhos brilhandoEle se dirige ao artista plástico Francisco Marcos Olímpio, examina mais uma vez a aquarela, leva o trabalho e sai feliz da vida subindo a Rua da Escadinha, que conduz ao Centro Histórico.