Nos tempos da vovó, dar à luz em casa era uma condição tão natural quanto a própria gestação. Décadas depois, na era da informática, de hospitais superequipados e de ultrassons em três dimensões, o parto em domicílio, em vez de se tornar peça do passado, virou alvo de debates acalorados que parecem longe de terminar. A prática foi parar em plenárias de entidades médicas e virou tema central do embate entre o corpo científico e movimentos favoráveis ao procedimento à moda antiga. Decisão recente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) de proibir no estado a participação de médicos nesse tipo de parto acirrou as divergências em todo o país. Em agosto, o assunto vai a votação no Conselho Federal de Medicina (CFM), que defende evidências científicas e técnicas como garantia de atendimento adequado à mãe e ao bebê. Minas Gerais é um dos primeiros estados a se pronunciar. Pelo menos por aqui, a decisão continuará sendo da paciente.
Pela decisão do Rio de Janeiro, além de não poderem participar de partos domiciliares, os médicos fluminenses ficam impedidos de prestar assistência pré-natal fora de unidades de saúde. Está vetada ainda a ação de parteiras e doulas (mulheres que dão suporte físico e emocional às parturientes) ou qualquer pessoa que não seja profissional de saúde, durante o parto em ambientes hospitalares. Para os casos de descumprimento, o conselho prevê punição com processo disciplinar e até mesmo cassação do registro médico.
Em Minas, plenária do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) votou pelo direito da paciente de ter um parto domiciliar e a chamar um médico para assisti-la. Mas a ponderação é clara, segundo o presidente da entidade, João Batista: “O médico só deverá fazer o procedimento no local onde houver segurança. Ele vai avaliar se o bebê tem condição de nascer em qualquer lugar ou se é preciso ir ao hospital. Vai comunicar à mãe e ela decidirá o que fazer, assumindo as consequências”.
A plenária do CRM-MG votou também sobre a participação das doulas – mulheres que dão suporte físico e emocional às parturientes – nos partos feitos em hospitais, com ressalvas. O médico deverá avaliar a necessidade de acompanhante a que a gestante tem direito, independentemente de ser doula. “Se os profissionais entenderem que a pessoa leiga não vai alterar o procedimento, tudo bem, pois há pessoas que, realmente, não têm a mínima condição de estar no local nesse momento”, afirma o presidente do conselho.
Na opinião de Batista, o que há de ser preservado é o parto seguro. “O direito da paciente de ter o filho em casa não pode ser tolhido e não podemos, de início, impedir o envolvimento do médico no procedimento. O problema é quando o parto deixa de assumir o caminho normal e passa a apresentar complicações”, diz. Nesses casos, o especialista afirma que qualquer manobra de emergência é muito mais bem-sucedida se a paciente estiver no ambiente hospitalar. “É muito fácil que as condições do parto mudem para uma situação de emergência e o tempo que a equipe médica tem para agir preservando a integridade da mãe e, principalmente, do bebê é muito curto. São minutos”, afirma.
Segundo ele, os médicos enfrentam dificuldades para a realização desses procedimentos de emergência até mesmo na maternidade, onde têm todo o aparato técnico. “Imagine então se essa complicação ocorre em casa e é preciso sair às pressas com uma paciente que ainda vai dar entrada em um hospital e não tem nem mesmo uma guia”, questiona.
A economia de tempo para resolver uma situação de risco pode evitar lesões na criança provocadas principalmente por falta de oxigenação cerebral. As mais comuns, cita o médico, são atrasos no desenvolvimento e paralisias musculares. “Se isso ocorre no hospital (falta de oxigênio no cérebro), podemos lançar mão da UTI e entubar o bebê. A chance de reverter o quadro é muito maior”, diz.
Natureza é sábia
Do outro lado, uma das que levantam a bandeira do parto em casa é a enfermeira obstetra Sybille Vogt. Há 25 anos, ela deu à luz o primeiro dos dois filhos. Os dois nascimentos ocorreram em casa, assistidos por um médico. Há mais de uma década, ela e outras quatro profissionais se reuniram para assistir quem deseja ter a mesma experiência. O grupo faz, em média, dois partos por mês, com toda a aparelhagem para socorro imediato em caso de complicações, garantindo a vida de mãe e filho até a chegada ao hospital, em caso de necessidade.
Porém, aderir à prática não é mera questão de vontade. Sybille afirma que há uma seleção rigorosa de controle de risco. A indicação é somente para gestantes de baixo risco, que não tenham hipertensão, diabetes, problemas renais, gestação com tempo inferior a 37 semanas ou maior que 42, entre outros aspectos. Para ela, a oposição do CRM ao procedimento é uma questão de formação profissional. “Eles não enxergam o parto como algo fisiológico, mas como algo sempre dotado de risco. É lógico que se pode morrer no parto, e isso ocorre também no hospital. Estudos mostram que a taxa de mortalidade é a mesma. Se virmos qualquer coisa fora do normal, vamos intervir e procurar o serviço hospitalar. A natureza é muito sábia e ela dá esses sinais”, afirma.
A enfermeira conta que, no mundo, partos fora dos hospitais representam menos de 3% do total de nascimentos. Mas acrescenta que a técnica é muito difundida em países da Europa, onde o próprio sistema público dá suporte à prática. Na Holanda, por exemplo, 30% dos partos são domiciliares. A Inglaterra também toma medidas para desospitalizar o procedimento. “A casa é o ninho da mulher, onde nos sentimos seguras e à vontade, e, por isso, mobilizamos toda a força que o corpo feminino tem para trabalhar nesse processo”, relata.
A psicóloga Letícia Dawahri, de 32 anos, teve Nicole, de 6, de parto normal e a caçula, Yasmim, de 4, em casa. Ativista da causa, ela se lembra da cena que motivou a decisão. “Quando minha filha nasceu, ficamos alguns segundos juntas, trocamos um olhar, e ela logo foi levada para as intervenções de rotina. Nas primeiras horas da vida ela estava longe de mim, chorando e assustada. Isso foi o mais forte para eu decidir fazer o parto domiciliar”, completa. “A mulher que resolve onde vai ter o filho tira o poder do médico. E esse profissional não está acostumado a ser confrontado.”
Pela decisão do Rio de Janeiro, além de não poderem participar de partos domiciliares, os médicos fluminenses ficam impedidos de prestar assistência pré-natal fora de unidades de saúde. Está vetada ainda a ação de parteiras e doulas (mulheres que dão suporte físico e emocional às parturientes) ou qualquer pessoa que não seja profissional de saúde, durante o parto em ambientes hospitalares. Para os casos de descumprimento, o conselho prevê punição com processo disciplinar e até mesmo cassação do registro médico.
Em Minas, plenária do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) votou pelo direito da paciente de ter um parto domiciliar e a chamar um médico para assisti-la. Mas a ponderação é clara, segundo o presidente da entidade, João Batista: “O médico só deverá fazer o procedimento no local onde houver segurança. Ele vai avaliar se o bebê tem condição de nascer em qualquer lugar ou se é preciso ir ao hospital. Vai comunicar à mãe e ela decidirá o que fazer, assumindo as consequências”.
A plenária do CRM-MG votou também sobre a participação das doulas – mulheres que dão suporte físico e emocional às parturientes – nos partos feitos em hospitais, com ressalvas. O médico deverá avaliar a necessidade de acompanhante a que a gestante tem direito, independentemente de ser doula. “Se os profissionais entenderem que a pessoa leiga não vai alterar o procedimento, tudo bem, pois há pessoas que, realmente, não têm a mínima condição de estar no local nesse momento”, afirma o presidente do conselho.
Na opinião de Batista, o que há de ser preservado é o parto seguro. “O direito da paciente de ter o filho em casa não pode ser tolhido e não podemos, de início, impedir o envolvimento do médico no procedimento. O problema é quando o parto deixa de assumir o caminho normal e passa a apresentar complicações”, diz. Nesses casos, o especialista afirma que qualquer manobra de emergência é muito mais bem-sucedida se a paciente estiver no ambiente hospitalar. “É muito fácil que as condições do parto mudem para uma situação de emergência e o tempo que a equipe médica tem para agir preservando a integridade da mãe e, principalmente, do bebê é muito curto. São minutos”, afirma.
Segundo ele, os médicos enfrentam dificuldades para a realização desses procedimentos de emergência até mesmo na maternidade, onde têm todo o aparato técnico. “Imagine então se essa complicação ocorre em casa e é preciso sair às pressas com uma paciente que ainda vai dar entrada em um hospital e não tem nem mesmo uma guia”, questiona.
A economia de tempo para resolver uma situação de risco pode evitar lesões na criança provocadas principalmente por falta de oxigenação cerebral. As mais comuns, cita o médico, são atrasos no desenvolvimento e paralisias musculares. “Se isso ocorre no hospital (falta de oxigênio no cérebro), podemos lançar mão da UTI e entubar o bebê. A chance de reverter o quadro é muito maior”, diz.
Natureza é sábia
Do outro lado, uma das que levantam a bandeira do parto em casa é a enfermeira obstetra Sybille Vogt. Há 25 anos, ela deu à luz o primeiro dos dois filhos. Os dois nascimentos ocorreram em casa, assistidos por um médico. Há mais de uma década, ela e outras quatro profissionais se reuniram para assistir quem deseja ter a mesma experiência. O grupo faz, em média, dois partos por mês, com toda a aparelhagem para socorro imediato em caso de complicações, garantindo a vida de mãe e filho até a chegada ao hospital, em caso de necessidade.
Porém, aderir à prática não é mera questão de vontade. Sybille afirma que há uma seleção rigorosa de controle de risco. A indicação é somente para gestantes de baixo risco, que não tenham hipertensão, diabetes, problemas renais, gestação com tempo inferior a 37 semanas ou maior que 42, entre outros aspectos. Para ela, a oposição do CRM ao procedimento é uma questão de formação profissional. “Eles não enxergam o parto como algo fisiológico, mas como algo sempre dotado de risco. É lógico que se pode morrer no parto, e isso ocorre também no hospital. Estudos mostram que a taxa de mortalidade é a mesma. Se virmos qualquer coisa fora do normal, vamos intervir e procurar o serviço hospitalar. A natureza é muito sábia e ela dá esses sinais”, afirma.
A enfermeira conta que, no mundo, partos fora dos hospitais representam menos de 3% do total de nascimentos. Mas acrescenta que a técnica é muito difundida em países da Europa, onde o próprio sistema público dá suporte à prática. Na Holanda, por exemplo, 30% dos partos são domiciliares. A Inglaterra também toma medidas para desospitalizar o procedimento. “A casa é o ninho da mulher, onde nos sentimos seguras e à vontade, e, por isso, mobilizamos toda a força que o corpo feminino tem para trabalhar nesse processo”, relata.
A psicóloga Letícia Dawahri, de 32 anos, teve Nicole, de 6, de parto normal e a caçula, Yasmim, de 4, em casa. Ativista da causa, ela se lembra da cena que motivou a decisão. “Quando minha filha nasceu, ficamos alguns segundos juntas, trocamos um olhar, e ela logo foi levada para as intervenções de rotina. Nas primeiras horas da vida ela estava longe de mim, chorando e assustada. Isso foi o mais forte para eu decidir fazer o parto domiciliar”, completa. “A mulher que resolve onde vai ter o filho tira o poder do médico. E esse profissional não está acostumado a ser confrontado.”