Jornal Estado de Minas

Conheça a história da edificação de e onde se via toda BH

Demolida em 1965 para dar lugar ao terminal rodoviário, Feira Permanente de Amostras era o prédio mais alto da capital. Pedras expostas na época hoje estão no Museu das Minas e do Metal

Gustavo Werneck

Do alto do prédio dava para ver toda a cidade e os arredores - Foto: Arquivo EM - 1/1/40

No início, o terreno da Praça 14 de Fevereiro, hoje Rio Branco, no Centro de Belo Horizonte, abrigava o Mercado Municipal, dono de estrutura metálica importada da BélgicaA inauguração ocorreu em 1900, mesmo ano em que o prefeito Bernardo Monteiro começava a construção de um prédio para exposição permanente de produtos do estado, no quarteirão entre as ruas Ceará, Timbiras e avenidas Paraibuna (atual Bernardo Monteiro) e CarandaíNo entanto, a ideia, que vinha desde o início da fundação da cidade, não vingouO edifício ficou muitos anos no alicerce até ser cedido à Congregação dos Padres do Verbo Divino, que concluiu as obras e instalou ali o Colégio ArnaldoAlgumas salas foram destinadas à exposição, conforme tinha sido estipulado no contrato, mas como ninguém ia ver os produtos, a solução foi acabar com a mostra

A proposta de criar o espaço para divulgar as riquezas de Minas e atrair investimentos continuou de péAo assumir o governo de Minas, Benedito Valadares (1892–1973) se animou com a empreitada e designou o então secretário de Agricultura, Comércio e Trabalho, Israel Pinheiro (1896–1973), para comandar o projeto da Feira Permanente de Amostras, cujo prédio se tornou na época o mais alto de BHVários locais foram examinados, entre eles as praças da Liberdade e Rui Barbosa (Estação), além das ruas São Paulo com Tupis, Avenida Augusto de Lima, perto da Praça Raul Soares, e outrosDepois de muita pesquisa, os técnicos concluíram que o melhor local seria o começo da Avenida Afonso Pena, onde estava o Mercado MunicipalO local, que aos olhos do presente parece fadado à mutação, pois o atual terminal rodoviário deverá migrar em 2013 para o Bairro São Gabriel, na Região Nordeste, e o prédio vai virar um ponto para o transporte metropolitano, foi limpo e preparado para a edificação

A inauguração da Feira Permanente de Amostras ocorreu em 1935

Conforme reportagem do Estado de Minas, chegou gente de toda parte para conferir a novidadeAfinal, como prédio mais alto da capital, era possível, de sua torre, ver toda a cidadeNa festa de abertura, houve pompa e circunstânciaA praça se enfeitou, houve desfiles de bandas de música e, no final, o governador entregou o local aos comerciantes, agricultores e industriais de Minas “para que eles lá colocassem os seus produtos”

Na sua pesquisa “A participação do estado na modernização e economia de Minas Gerais: a exposição permanente de 1901 e a Feira Permanente de Amostras de 1935”, Felipe Carneiro Munaier, formado em história na PUC Minas e mestrando na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a feira catalogava, organizava e divulgava todos os setores da economia mineira ao abranger as atividades extrativas, comerciais, industriais, agrícolas e pastoris“As amostras ficavam expostas em estandes estabelecidos de acordo com cada região e o visitante conseguia ter em pouco tempo uma visão geral das possibilidades econômicas do estado.” Munaier revela que o prédio era uma vitrine de tudo o que se produzia em Minas e exibia esse potencial numa época em que a siderurgia engatinhava.

Em funcionamento por três décadas, a feira, segundo Munaier, contribuiu para acelerar o desenvolvimento econômico da capital e arredores “Estimulou, em especial, o crescimento da indústria de base, como a siderurgia, que tem por característica transformar o minério bruto em matéria-prima para as indústrias de bens de consumo”

Farol

Uma reportagem do EM mostrou que muitos moradores consideravam a obra um desperdício de dinheiro, creditando o projeto à onda de ufanismo que dominava a épocaMas a novidade contagiava, conforme matéria do jornal: “Um tremendo farol girava, sem parar, varando a noite de Belo HorizonteSua luz chegava até SabaráContam que, quando apareceu naquelas bandas, muita gente teve medo e se escondeu
Alguns diziam que o farol era para derrubar aviões noturnos em caso de guerra ou revolução Outra coisa famosa era o relógioEle tornou-se a hora oficial da cidade e as mães, quando queriam saber quantas horas eram, diziam logo: ‘Olha para a torre da Feira de Amostras’”

O certo mesmo é que, aberta diariamente, a feira dessa vez tinha “pegado” na cidadeE todo mundo sempre fazia questão de dar uma passadinha por lá para admirar a coleção de produtos minerais, peixes, animais empalhados e madeirasA visita quase sempre terminava no bar-restaurante, onde a moda naqueles tempos era tomar refrigerante com os filhosNão raro, o prefeito Juscelino Kubitschek (1902–1976) aparecia e saboreava um bom sanduíche Acompanhados dos professores, alunos do grupo escolar e do ginásio (atuais ensinos fundamental e médio) e de faculdades também eram presença constante para estudar os minérios, olhar sementes de plantas e animais e pesquisar o acervoUm elevador levava os visitantes à discoteca, ao estúdio da Rádio Inconfidência e ao palco da emissora, onde, à noite, havia programas de auditório com apresentação de grandes artistasEm 1941, o terreno de trás da feira passou a sediar a rodoviária de BH, a primeira do país

Epílogo

A história de glória começou a dar sinais de derrocada em 1956Nessa época ainda não havia o complexo de viadutos da Lagoinha e o trânsito começava mostrar a que veio: engarrafamentos e confusãoOs técnicos do governo planejaram a construção da nova rodoviária para o local e sacrificaram o prédio em estilo art décoA construção começou em junho de 1965 e o terminal só abriu as portas em 1971

Jean Nicolas, gerente de loja na Rua Curitiba, se lembra do prédio e seu relógio - Foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS Há 57 anos na capital e bom conhecedor da Região Central, o comerciante grego Jean Nicolas Stavrakas, de 71 anos, gerente de uma loja na Rua Curitiba, se lembra bem da Feira Permanente de Amostras e “da torre alta com o seu relógio”Simpático e cordial, Jean acredita que a “modernidade” acabou com o prédioNa manhã de quinta-feira, ele passou pela frente da rodoviária e lembrou de outros tempos“Era necessário aproveitar o espaço para construção da rodoviária e, assim, o edifício antigo foi demolidoA situação do trânsito mudava e o desenvolvimento exigiu a remoção”, afirma Stavrakas, que constituiu família em BH, mas sempre volta à terra natal para rever amigos e parentes


Saiba mais: onde está o acervo

Minerais, rochas, gemas, fósseis e meteoritos que compunham o acervo da Feira Permanente de Amostras formaram o embrião do Museu de Mineralogia Professor Djalma GuimarãesOs exemplares pertenciam ao estado, em particular à Secretaria de Agricultura, e foram cedidos pelo governador Rondon Pacheco (no cargo de 1971 a 1975) à Secretaria Municipal de CulturaO museu foi inaugurado em 12 de dezembro de 1974 no prédio da esquina da Rua da Bahia com Avenida Augusto de Lima, atual Centro de Cultura de BHA ampliação do acervo se deu por meio de doaçõesDe 1974 a 1979 foram recebidas 786 novas amostras, chegando ao total de 2.287.  Há 20 anos, a queda de uma parte do teto do edifício da Rua da Bahia provocou o fechamento do museu, reaberto em 2000 no prédio conhecido como Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, onde funcionou até dezembro de 2009Este ano, foram transferidas para o Museu das Minas e do Metal, reaberto em 2010


Linha do tempo

1900 – Prefeito Bernardo Monteiro inicia a construção de um prédio destinado à exposição permanente de produtos do estado, no Bairro Funcionários, mas ela fica só nos alicerces
1900 – Em 1º de outubro, é inaugurado, no início da Avenida Afonso Pena, o mercado municipal de Belo Horizonte, que funciona até 1929
1934 – Começa a construção da Feira Permanente de Amostras, no terreno do antigo mercado municipalO projeto era do arquiteto Raffaello Berti
1935 –A Feira Permanente de Amostras é inaugurada com festa e passa a atrair muitos visitantes
1941 – Em junho, a parte de trás do prédio da feira passa a abrigar a primeira rodoviária do país
1956 – Governo planeja a construção de nova rodoviária, no local da feira
1965 –Demolição da Feira Permanente de Amostras e início das obras da nova rodoviária
1971 – Em 9 de março de 1971, é inaugurada a rodoviária de BH