Jornal Estado de Minas

Conheça a história do tradicional Parque Guanabara de BH

As viagens eram exaustivas. Depois de semanas ou meses de trabalho em uma praça, toneladas de equipamentos eram desmontados, postos em caminhões e transportados até a próxima freguesia. Às vezes, o comboio balouçava por horas em estradas esburacadas de terra. Os brinquedos e barracas eram novamente armados, e as lâmpadas coloridas passavam a iluminar mais sorrisos. O esforço não era vão, mas Paulo Pereira Dias desejava estabelecer seu parque de diversões em algum local.



Uma cidade de nome sugestivo não lhe saía do pensamento. Na década de 1930, Paulo esteve de passagem por Belo Horizonte e se animou com o ambiente promissor e otimista da jovem capital mineira. “Ele dizia que tinha se encantado com o lugar, com o clima, os jardins, praças”, recorda seu filho Reynaldo Pereira Dias, hoje aos 51 anos. O pai precisou esperar até os anos 1960 para realizar seu sonho – e a decisão foi bem-sucedida. Hoje, o Guanabara Centro de Diversões é o parque permanente mais antigo em atividade de BH.

Ao morrer, em 1995, Paulo deixou em testamento a ordem para que Reynaldo, um de seus cinco filhos, passasse a administrar o Guanabara. Não foi esse, porém, seu único legado. “Ele gostava muito de conversar. Todo dia contava histórias do parque. Era até comum que repetisse algumas”, relata o atual diretor da empresa. De tanto escutar, o herdeiro tornou-se o principal guardião da memória do parque e narra tudo em detalhes, como se ele próprio os tivesse vivido.

Nascido em 1912, na cidade de Petrópolis (RJ), o habilidoso mecânico Paulo foi convidado para trabalhar em um parque
itinerante pertencente ao português Emílio Lourenço Dias. O grupo fazia excursões pelo estado fluminense. Com o tempo, tornou-se o braço direito do chefe e passou a acumular funções: além de cuidar da construção e manutenção dos brinquedos, era uma espécie de gerente da empresa. Autodidata, o mecânico começou a desenhar e projetar os equipamentos. Empreendedor, decidiu abrir o próprio negócio.



ITINERANTE

O Guanabara Centro de Diversões foi inaugurado em junho de 1951, em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Em sua primeira fase, a empresa também foi itinerante e visitava cidades de três estados: Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Durante uma temporada em Campos (RJ), em experiência que não se repetiria, o parque chegou a ter um teatro de variedades, em que se apresentaram artistas famosos, como o cantor Moreira da Silva e a atriz Patrícia Laura.
Em 1964, fixou na capital mineira. Primeiro, na Avenida Pedro II, no Carlos Prates. Três anos depois se mudou para o Padre Eustáquio e, no ano seguinte, foi parar no Bairro Nova Suíça. Era 1970 quando o Guanabara passou a ocupar o endereço atual, o privilegiado número 3.333 da Avenida Doutor Otacílio Negrão de Lima, na orla da Lagoa da Pampulha, a poucos passos da Igreja São Francisco de Assis.

CRISE Um dos piores momentos do Guanabara, segundo Reynaldo, ocorreu na primeira metade da década de 1980. Foi um reflexo da crise mundial do petróleo, que encareceu o preço da gasolina e transformou o divertimento em luxo inacessível para alguns de seus frequentadores. Em 1986, o negócio começou a se recuperar, mas, pouco depois, enfrentou outro aperto. Em 1998, já sob a direção de Reynaldo, a venda de ingressos despencou para 968 mil, muito abaixo dos 1,4 milhão vendidos no ano anterior. “O parque quase faliu. Tivemos que vender alguns terrenos que a empresa possuía”, conta o administrador.



O Guanabara também aqueceu o coração de um de seus funcionários mais antigos, o auxiliar de mecânica Dorvalino dos Reis, de 51. Foi ali que, em 1987, um ano depois de começar a trabalhar na empresa, Dorvalino conheceu sua esposa. Ele era atendente de uma barraca de sorvete e picolé. Ela, uma empregada doméstica que morava no interior e estava em BH acompanhando a família para a qual trabalhava. “A gente brigou antes de se conhecer”, brinca o homem. Foi assim: a jovem se aproximou da barraca, perguntou o preço de tudo e não quis comprar nenhum. Dorvalino se irritou. Depois, porém, os dois se entenderam tão bem, que se casaram e tiveram duas filhas.
 
RELÍQUIA

O Guanabara tem hoje 22 brinquedos, entre eles o Trem fantasma, Lagarta, Pistinha – todos planejados e construídos pelo fundador – e a roda gigante de 36 metros de altura. Um dos equipamentos mais valiosos é o carrossel, de marca Herschekk-Spillman, fabricado no início do século 20 nos Estados Unidos. “Chegou aqui como sucata e foi todo restaurado por meu pai”, diz o atual diretor.
 
LINHA DO TEMPO

1951
O Guanabara Centro de Diversões é fundado em Cachoeiro do Itapemirim (ES), como parque itinerante

1964
Se estabelece em Belo Horizonte, na Avenida Pedro II, Bairro Carlos Prates

1967
O parque se muda para o Bairro Padre Eustáquio e, no ano seguinte, para o Nova Suíça

1970
Passa a ocupar o endereço atual, na orla da Lagoa da Pampulha, bem em frente à igrejinha

1983
Enfrenta uma de suas piores crises financeiras, com queda de quase 50% na venda de ingressos para os brinquedos

2010
Inaugura a roda-giante, segunda maior do país, que custou, incluídos os gastos com transporte, cerca de R$ 3,5 milhões