Catas Altas – Chegou ao fim o sofrimento de uma fêmea da espécie lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) que vive nas matas do Santuário do Caraça, a 120 quilômetros de Belo Horizonte, e que tem costume de receber carne das mãos dos padres ali residentes e estava com um tumor no pescoço. Na noite de domingo, depois de horas de espera, o médico-veterinário Jean Ciarallo, de Conselheiro Lafaiete, conseguiu capturar o animal silvestre e fez a cirurgia iniciada às 21h e concluída às 23h, numa sala da própria instituição religiosa. “Correu tudo bem e ‘Beta’ – como a apelidamos – está com ótima recuperação e será solta ainda hoje (ontem)”, disse Ciarallo. O veterinário, que fez todo o serviço de forma voluntária, aguardava pelo momento de salvar o bicho desde junho, quando recebeu autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para tomar as providências.
No feriado, Ciarallo chegou ao Caraça e, como tem feito nos últimos três meses, instalou uma unidade cirúrgica no centro de visitantes com toda a estrutura para operar a loba e retirar o tumor, do tamanho de uma manga e pesando 800 gramas. Na sala havia monitor multiparamétrico (para avaliar pressão, batimentos cardíacos, temperatura, nível de oxigênio etc.), medicamentos e outros materiais fundamentais para o sucesso do procedimento. Na tarde de ontem, descansando num cômodo perto da marcenaria, Beta rosnava e latia forte diante de qualquer aproximação. Como tem hábitos noturnos, tirava uma soneca, conforme destacou a coordenadora ambiental da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, a bióloga Aline Abreu.
A captura teve momentos emocionantes e de muita paciência, disse o veterinário, que teve, na empreitada, a ajuda da mulher Roberta, cujo apelido é Beta. “Foi ela quem, na verdade, capturou a loba, por isso a batizamos assim”, brinca Ciarallo. No domingo, por volta das 17h, o casal e o funcionário do Caraça, Weberton Fernandes, se posicionaram na marcenaria, na esperança de que o bicho se aproximasse e entrasse num cômodo localizado bem em frente. O local, que sempre recebe a visita da alcateia, funcionou como armadilha e tinha uma corda comprida amarrada à porta entreaberta, pronta para ser puxada. “Eram 20h, eu tinha ido jantar e Roberta ficou, no escuro, atenta aos movimentos. No momento em que a loba entrou no local para comer a carne e frutas que havíamos deixado, ela puxou a corda.”
“Foi durante o procedimento que vimos se tratar de uma fêmea, pois, até então, ninguém sabia o sexo devido à altura da pelagem”, disse o veterinário, explicando que Beta tem em torno de sete anos, mede um metro de altura e é saudável. “Estava limpa, apenas com alguns carrapatos”, disse o veterinário, mostrando o material congelado que será enviado para biópsia. “Ontem foi dia do veterinário e recebi este grande presente: poder salvar o símbolo do Caraça, um patrimônio de Minas”, comemorou o especialista.
Piercing
Mesmo com Beta deitada, era possível ver os grampos cirúrgicos colocados no pescoço, um cuidado a mais, além dos pontos, para evitar que, ao se coçar, ela se machuque. “Está com um piercing”, disse Ciarallo com bom humor. Segundo ele, a loba recebeu antibiótico, anti-inflamatório e anti-hemorrágico. “Fizemos a nossa parte, agora devemos deixar a natureza agir. É bom soltar o animal logo, para evitar estresse dele ao ficar preso muito tempo”, disse Ciarallo, que já operou mais de 2 mil animais, muitos silvestres (onças, lobos-guarás e outros) na Clínica Veterniária São Francisco, em Conselheiro Lafaiete, na Região Central. “Esse episódio foi importante para fortalecer a educação ambiental e mostrar a importância do cuidado com a fauna”, afirmou Aline. Para o padre João Donizete Dombroski, do Caraça, a cirurgia tirou um peso da consciência dos religiosos que ali vivem. “Estamos aliviados e felizes, pois o tumor estava sendo muito comentado. O veterinário trabalhou de boa vontade e só temos a agradecer, pois vale a pena fazer o bem.”
Ciarallo tomou conhecimento da situação do animal no início do ano, ao passar uns dias na pousada do santuário e presenciar o lobo machucado ao receber a carne das mãos dos padres, um costume de 30 anos. “Vi a ferida vermelha no pescoço e me preocupei. Fiquei sabendo, então, que o lobo estava desaparecido desde setembro de 2011 e reaparecido em janeiro. Pensavam até que ele tivesse morrido, devido ao ferimento. Me ofereci, então, como voluntário, para cuidar e notei, com o tempo, que o tumor só aumentava.” Em outras ocasiões, ele teve a companhia da médica veterinária Carla Sassi, especialista em fauna silvestre.
Exímio caçador
Quem já viu o lobo-guará recebendo o alimento da mão dos padres não consegue tirar a imagem da cabeça por longo tempo. Não só pelo ato tão curioso, mas também pela beleza do animal. De acordo com informações do Santuário do Caraça, o nome científico Chrysocyon brachyurus significa “animal dourado de cauda curta”. Guará, na língua tupi, quer fizer “vermelho”. Com efeito, o lobo-guará tem o corpo dourado, patas e pelos da nuca pretos e a cauda, papo e um pouco do rosto brancos. É branco também o pavilhão das orelhas, que se movimentam como um radar, captando todos os sons e movimentos.
O lobo-guará é encontrado do Sul da Amazônia ao Uruguai, excetuando-se o litoral, picos de altitude e a mata atlântica. É canídeo por ser família do cachorro, do cachorro-do-mato, do coiote, do chacal, da raposa e dos lobos europeu, norte-americano e canadense – o Canis lupus. E é o maior canídeo da América do Sul, porque a fêmea mede 90cm e o macho 95cm, aproximadamente – e da ponta do focinho até a ponta do rabo 1,45m. As patas são altas para facilitar o movimento nos campos, já que é um animal do cerrado.
Os pesquisadores dizem que o Chrysocyon brachyurus não é animal das matas fechadas, mas espécie campestre, que anda em estradas e trilhas e onde há campos com baixa vegetação. No Caraça, quem se dirigir ao Banho do Belchior, Pinheiros, Tanque Grande, Prainha, Cascatinha e Bocaina poderá ver com muita facilidade as pegadas do lobo-guará. São quatro dedos, sendo que os dois do meio são um pouco mais juntos, almofada e garras.
Estima-se que a espécie viva 16 anos, pese em média 25 quilos e ande 30 quilômetros por noite nas suas caçadas. Trata-se de um animal de hábitos noturnos, mais ágil ao entardecer e ao amanhecer. Durante o dia, fica descansando sobre a relva, deitando-se cada dia em um lugar, jamais em tocas. O Chrysocyon brachyurus é onívoro, portanto, come de tudo (pequenos animais e aves). “Ele continua caçando, independentemente da comida que nós oferecemos a ele. Essa comida não o deixa dependente dos padres. Dos pequenos animais, ele come rato, gambá, coelho, coelho-do-mato, preá, cobra, sapo; das aves, jacu, saracura e outras. Por sinal, precisa dos pelos dos animais e das penas das aves para facilitar os movimentos peristálticos, da digestão”, informa a coordenadora Ambiental da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, bióloga Aline Cristine Lopes de Abreu. A área tem 11,2 mil hectares. O lobo-guará come também frutas, como a fruta-do-lobo ou lobeira, pêssego, maracujá, goiaba etc. Além disso, é atraído por cheiros fortes, como o de frutas e comida apodrecendo, motivo pelo qual costuma revirar as lixeiras.
Hábitos solitários
O lobo-guará tem hábitos solitários, não vive em alcateia. Também não uiva – late. Territorialista, demarca a área com urina. O acasalamento ocorre em abril e maio. Os pesquisadores sabem disso, porque o tempo do acasalamento é quando o macho e a fêmea começam a andar juntos. A gestação vai é de 62 a 65 dias. Os filhotes, de um a três, nascem cinza-escuro e são colocados em buracos, às vezes de cupinzeiros, para ficar mais protegidos. Por dois a três meses são alimentados pelos pais, que regurgitam o que ingerem. Depois começam a fazer pequenas caminhadas com a fêmea, até que no quinto e sexto meses começam a aprender a caçar. A tradição no Caraça começou em maio de 1982, quando algumas lixeiras começaram a aparecer reviradas e derrubadas. O Irmão Thomaz falou ao padre Tobias, superior na época, que devia ser cachorro. Padre Tobias achou muito difícil, porque cachorro não subiria a serra com tanta frequência. Começaram a observar e descobriram que responsável era Chrysocyon brachyurus. “Aí começaram a colocar uma bandeja de carne em cada portão e elas amanheciam mexidas. Foram aproximando as bandejas da escada da igreja e por algum tempo os lobos foram alimentados lá embaixo. Até que resolveram subir com a bandeja. A bandeja subiu, o padre subiu, o lobo subiu!”, diz a bióloga Aline Abreu.
No feriado, Ciarallo chegou ao Caraça e, como tem feito nos últimos três meses, instalou uma unidade cirúrgica no centro de visitantes com toda a estrutura para operar a loba e retirar o tumor, do tamanho de uma manga e pesando 800 gramas. Na sala havia monitor multiparamétrico (para avaliar pressão, batimentos cardíacos, temperatura, nível de oxigênio etc.), medicamentos e outros materiais fundamentais para o sucesso do procedimento. Na tarde de ontem, descansando num cômodo perto da marcenaria, Beta rosnava e latia forte diante de qualquer aproximação. Como tem hábitos noturnos, tirava uma soneca, conforme destacou a coordenadora ambiental da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, a bióloga Aline Abreu.
A captura teve momentos emocionantes e de muita paciência, disse o veterinário, que teve, na empreitada, a ajuda da mulher Roberta, cujo apelido é Beta. “Foi ela quem, na verdade, capturou a loba, por isso a batizamos assim”, brinca Ciarallo. No domingo, por volta das 17h, o casal e o funcionário do Caraça, Weberton Fernandes, se posicionaram na marcenaria, na esperança de que o bicho se aproximasse e entrasse num cômodo localizado bem em frente. O local, que sempre recebe a visita da alcateia, funcionou como armadilha e tinha uma corda comprida amarrada à porta entreaberta, pronta para ser puxada. “Eram 20h, eu tinha ido jantar e Roberta ficou, no escuro, atenta aos movimentos. No momento em que a loba entrou no local para comer a carne e frutas que havíamos deixado, ela puxou a corda.”
“Foi durante o procedimento que vimos se tratar de uma fêmea, pois, até então, ninguém sabia o sexo devido à altura da pelagem”, disse o veterinário, explicando que Beta tem em torno de sete anos, mede um metro de altura e é saudável. “Estava limpa, apenas com alguns carrapatos”, disse o veterinário, mostrando o material congelado que será enviado para biópsia. “Ontem foi dia do veterinário e recebi este grande presente: poder salvar o símbolo do Caraça, um patrimônio de Minas”, comemorou o especialista.
Piercing
Mesmo com Beta deitada, era possível ver os grampos cirúrgicos colocados no pescoço, um cuidado a mais, além dos pontos, para evitar que, ao se coçar, ela se machuque. “Está com um piercing”, disse Ciarallo com bom humor. Segundo ele, a loba recebeu antibiótico, anti-inflamatório e anti-hemorrágico. “Fizemos a nossa parte, agora devemos deixar a natureza agir. É bom soltar o animal logo, para evitar estresse dele ao ficar preso muito tempo”, disse Ciarallo, que já operou mais de 2 mil animais, muitos silvestres (onças, lobos-guarás e outros) na Clínica Veterniária São Francisco, em Conselheiro Lafaiete, na Região Central. “Esse episódio foi importante para fortalecer a educação ambiental e mostrar a importância do cuidado com a fauna”, afirmou Aline. Para o padre João Donizete Dombroski, do Caraça, a cirurgia tirou um peso da consciência dos religiosos que ali vivem. “Estamos aliviados e felizes, pois o tumor estava sendo muito comentado. O veterinário trabalhou de boa vontade e só temos a agradecer, pois vale a pena fazer o bem.”
Ciarallo tomou conhecimento da situação do animal no início do ano, ao passar uns dias na pousada do santuário e presenciar o lobo machucado ao receber a carne das mãos dos padres, um costume de 30 anos. “Vi a ferida vermelha no pescoço e me preocupei. Fiquei sabendo, então, que o lobo estava desaparecido desde setembro de 2011 e reaparecido em janeiro. Pensavam até que ele tivesse morrido, devido ao ferimento. Me ofereci, então, como voluntário, para cuidar e notei, com o tempo, que o tumor só aumentava.” Em outras ocasiões, ele teve a companhia da médica veterinária Carla Sassi, especialista em fauna silvestre.
Exímio caçador
Quem já viu o lobo-guará recebendo o alimento da mão dos padres não consegue tirar a imagem da cabeça por longo tempo. Não só pelo ato tão curioso, mas também pela beleza do animal. De acordo com informações do Santuário do Caraça, o nome científico Chrysocyon brachyurus significa “animal dourado de cauda curta”. Guará, na língua tupi, quer fizer “vermelho”. Com efeito, o lobo-guará tem o corpo dourado, patas e pelos da nuca pretos e a cauda, papo e um pouco do rosto brancos. É branco também o pavilhão das orelhas, que se movimentam como um radar, captando todos os sons e movimentos.
O lobo-guará é encontrado do Sul da Amazônia ao Uruguai, excetuando-se o litoral, picos de altitude e a mata atlântica. É canídeo por ser família do cachorro, do cachorro-do-mato, do coiote, do chacal, da raposa e dos lobos europeu, norte-americano e canadense – o Canis lupus. E é o maior canídeo da América do Sul, porque a fêmea mede 90cm e o macho 95cm, aproximadamente – e da ponta do focinho até a ponta do rabo 1,45m. As patas são altas para facilitar o movimento nos campos, já que é um animal do cerrado.
Os pesquisadores dizem que o Chrysocyon brachyurus não é animal das matas fechadas, mas espécie campestre, que anda em estradas e trilhas e onde há campos com baixa vegetação. No Caraça, quem se dirigir ao Banho do Belchior, Pinheiros, Tanque Grande, Prainha, Cascatinha e Bocaina poderá ver com muita facilidade as pegadas do lobo-guará. São quatro dedos, sendo que os dois do meio são um pouco mais juntos, almofada e garras.
Estima-se que a espécie viva 16 anos, pese em média 25 quilos e ande 30 quilômetros por noite nas suas caçadas. Trata-se de um animal de hábitos noturnos, mais ágil ao entardecer e ao amanhecer. Durante o dia, fica descansando sobre a relva, deitando-se cada dia em um lugar, jamais em tocas. O Chrysocyon brachyurus é onívoro, portanto, come de tudo (pequenos animais e aves). “Ele continua caçando, independentemente da comida que nós oferecemos a ele. Essa comida não o deixa dependente dos padres. Dos pequenos animais, ele come rato, gambá, coelho, coelho-do-mato, preá, cobra, sapo; das aves, jacu, saracura e outras. Por sinal, precisa dos pelos dos animais e das penas das aves para facilitar os movimentos peristálticos, da digestão”, informa a coordenadora Ambiental da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, bióloga Aline Cristine Lopes de Abreu. A área tem 11,2 mil hectares. O lobo-guará come também frutas, como a fruta-do-lobo ou lobeira, pêssego, maracujá, goiaba etc. Além disso, é atraído por cheiros fortes, como o de frutas e comida apodrecendo, motivo pelo qual costuma revirar as lixeiras.
Hábitos solitários
O lobo-guará tem hábitos solitários, não vive em alcateia. Também não uiva – late. Territorialista, demarca a área com urina. O acasalamento ocorre em abril e maio. Os pesquisadores sabem disso, porque o tempo do acasalamento é quando o macho e a fêmea começam a andar juntos. A gestação vai é de 62 a 65 dias. Os filhotes, de um a três, nascem cinza-escuro e são colocados em buracos, às vezes de cupinzeiros, para ficar mais protegidos. Por dois a três meses são alimentados pelos pais, que regurgitam o que ingerem. Depois começam a fazer pequenas caminhadas com a fêmea, até que no quinto e sexto meses começam a aprender a caçar. A tradição no Caraça começou em maio de 1982, quando algumas lixeiras começaram a aparecer reviradas e derrubadas. O Irmão Thomaz falou ao padre Tobias, superior na época, que devia ser cachorro. Padre Tobias achou muito difícil, porque cachorro não subiria a serra com tanta frequência. Começaram a observar e descobriram que responsável era Chrysocyon brachyurus. “Aí começaram a colocar uma bandeja de carne em cada portão e elas amanheciam mexidas. Foram aproximando as bandejas da escada da igreja e por algum tempo os lobos foram alimentados lá embaixo. Até que resolveram subir com a bandeja. A bandeja subiu, o padre subiu, o lobo subiu!”, diz a bióloga Aline Abreu.