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Estado de Minas

Mineiro consegue licença-maternidade

Pela primeira vez em Minas, homem cuja mulher morreu 12 dias depois do parto consegue na Justiça direito a licença-maternidade para cuidar do recém-nascido em tempo integral


postado em 02/10/2012 06:00 / atualizado em 02/10/2012 07:12

Na mão esquerda de Alexandre Marques, viúvo aos 31 anos, duas alianças: no dedo anular, a dele, e, no mindinho, a da mulher, que faleceu devido a complicações pós-parto (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Na mão esquerda de Alexandre Marques, viúvo aos 31 anos, duas alianças: no dedo anular, a dele, e, no mindinho, a da mulher, que faleceu devido a complicações pós-parto (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)


Na mão esquerda, há duas alianças de ouro. No dedo anular, aquela que usa desde o casamento, quando jurou amor eterno até que a morte os separasse. No mindinho, está a que pertencia à mulher, que num golpe do destino contrário a todos os votos de felicidade ao casal morreu 12 dias depois de dar à luz o segundo filho. Com os olhos ainda sombreados pelas noites maldormidas, fundos, pelo choro diário, e opacos de saudade, o metalúrgico Alexandre Marques, de 31 anos, morador do Barreiro, Região Oeste de Belo Horizonte, tenta juntar os pedaços da vida, manter a cabeça fria e cuidar dos dois filhos, ambos meninos – um com pouco mais de 3 anos e o outro de quase três meses. Imerso num universo de desafios e tristezas, o jovem viúvo vai ter, pelo menos, 120 dias para pôr a casa em ordem e dar nova direção à família. Numa decisão inédita em Minas e segunda no país, a juíza federal substituta da 34ª Vara Federal, Ariane da Silva Oliveira, determinou que Alexandre tenha direito à licença ou salário-maternidade, benefício concedido apenas às mulheres, como o próprio nome diz, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Homem de poucas palavras e gestos comedidos, o metalúrgico procurou a Justiça depois de ouvir o conselho de amigos. “Quando minha mulher morreu, em 21 de julho, com apenas 23 anos, eu vi que a situação ficaria difícil. Fiquei perturbado, sem chão. Como é que eu poderia cuidar dos meninos, sendo um recém-nascido? Meus familiares trabalham, todo mundo tem suas atividades, não poderia ocupar outras pessoas”, diz Alexandre, passando a mão direita nas duas alianças das quais não pretende se separar nunca mais. Contando com a ajuda dos sogros, ele se mudou para a casa deles, na mesma região, e contratou advogados para ajuizar ação – a decisão saiu na quinta-feira, com efeito retroativo –, depois de tentar, sem sucesso, pela forma administrativa, no INSS.

Na tarde de ontem, Alexandre esteve no escritório dos advogados Ana Paula Moraes Carvalho, Simone Alves e Geraldo Moreira, que entraram com a ação. Ele leu a cópia da decisão da juíza, que destacando ser “o objetivo central da norma que disciplina o benefício do salário-maternidade a proteção da criança, que requer cuidados especiais nessa fase da vida e dedicação em tempo integral. De mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exatamente no ponto que trata dos direitos fundamentais, asseguram, à criança, a proteção à vida e à saúde, de modo a permitir-lhe desenvolvimento sadio e em condições dignas de existência”. E mais escreveu Ariane: “Em síntese, não obstante o benefício de salário-maternidade seja direcionado à mãe e à adotante, o pai preenche, no caso concreto, os requisitos necessários à sua concessão”.

Na conversa com o EM, não quis fotos nem a divulgação do nome dos filhos nem da falecida mulher para evitar exposição. “Estou sofrendo muito, amava muito minha mulher, peço a Deus para me dar forças e suportar a dor da perda. Era muito bonita”, afirma o metalúrgico, enquanto mostra, na tela do telefone celular, um retrato de dias felizes. O rápido instante de boas lembranças logo se desmancha, quando Alexandre fala da morte da mulher, que teve o bebê, de cesariana, na Maternidade São José, onde ficou internada três dias: “O laudo sobre a causa da morte ainda não saiu. Durante a gravidez ela ficou com pressão alta e o médico mandou suspender o medicamento. Sinceramente, não sei qual foi o motivo”, revela, com os olhos baixos e perplexos.

Dedicação total

Os únicos momentos de alguma alegria chegam quando o metalúrgico fala dos filhos: “Vou viver para eles. Essa licença vai ser importante para eu me organizar, o que significa encontrar uma casa nova para morarmos, pois ainda não consegui voltar à outra, e encontrar uma escolinha para o filho mais velho. Desde que a minha mulher morreu, ele não voltou lá mais. Tudo o que desejo é que eles sejam felizes, tenham saúde, felicidade e boa escola”. Ele explica que a empresa onde trabalha entendeu bem a situação e lhe concedeu o período de um mês de férias. Com o tempo da licença de 120 dias, Alexandre só retornará ao emprego em janeiro.

O viúvo vem ocupando todo o tempo com os filhos e cada dia se certifica mais de que ser pai e mãe ao mesmo tempo não é fácil. “A minha sogra ajuda muito, mas fico o tempo todo em casa com eles. Já sabia trocar fralda, por causa do primeiro filho, então estou mais experiente com o bebê”, revela, dizendo que o leite para o neném é fornecido pela Maternidade Odete Valadares. Os amigos sempre chegam para dar apoio, mas ficar fora de casa batendo um papo, em clima de descontração, está fora de cogitação. “Minha mulher e eu éramos mais caseiros, saíamos pouco, só mesmo na casa dos parentes. Agora, então, estou mais em casa ainda”, afirma o metalúrgico. Para ele, a situação que vive hoje jamais passou pela sua cabeça. “É difícil de acreditar, pois agora sou pai e mãe”, resume.

Medida protege o emprego

Advogadas Ana Paula Moraes Carvalho e Simone Alves impetraram a ação na 34ª Vara Federal e obtiveram a vitória para o cliente (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Advogadas Ana Paula Moraes Carvalho e Simone Alves impetraram a ação na 34ª Vara Federal e obtiveram a vitória para o cliente (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Os advogados explicam que o período de 120 dias tem o nome de “licença-maternidade”, sendo “paternidade” os cinco dias concedidos ao pai quando o bebê nasce. Na ação ajuizada, Ana Paula Moraes Carvalho, Simone Alves e Geraldo Moreira relataram que o metalúrgico Alexandre Marques não tinha quem o ajudasse a cuidar dos filhos. Sozinho – e trabalhando – seria impossível. “Por estar em dificuldades, inclusive financeiras, teve que ir, a princípio, para a casa da irmã. Como se tratava de família humilde e casa muito pequena, sem condições para abrigar muitas pessoas, ele foi para a casa dos sogros, também no Barreiro.

Segundo os advogados, desde que Alexandre terminou o período de férias, não tinha mais como voltar ao trabalho, pois não tinha com quem deixar os filhos nem condições de pagar uma pessoa para ficar com eles. “O autor não pode deixar de trabalhar, já que paga aluguel, despesas e ainda precisa garantir o sustento dos filhos. O fato de estar faltando ao trabalho poderá acarretar a perda de seu emprego por abandono, conforme prevê o art. 482, caput e alíneas da CLT, que entre os justos motivos para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador está a presença do abandono de emprego”.

Em 23 de agosto, pouco mais de um mês depois da perda da mulher, Alexandre compareceu ao INSS e requereu o benefício da pensão por morte, levando consigo uma solicitação para a concessão da licença e salário-maternidade previsto no artigo 71 da Lei 8.213/91. A juíza determinou que o INSS implantasse, a partir de 1º de setembro, o benefício equiparado ao salário-maternidade, com renda mensal calculada a partir dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (Cnis). O órgão federal, via assessoria de imprensa, informa que ainda não foi intimado sobre a situação e prazo de cumprimento da decisão.

Em Campinas, o primeiro caso

Em agosto, a Justiça Federal concedeu licença remunerada de 120 dias ao professor de enfermagem Marcos Melo, de 36 anos, de Campinas (SP) – nesse caso, a mãe da criança de um mês de idade se recusou a cuidar do bebê então com um mês de idade. Melo alegou na ação que, depois do término de um breve relacionamento com a mulher, foi surpreendido com a gravidez e com a recusa dela de cuidar do bebê porque isso prejudicaria a sua carreira profissional. O professor ofereceu abrigo e acompanhamento médico à gestante na casa dos pais dele, em Presidente Venceslau (SP), até o nascimento da criança. De acordo com a ação elaborada pela Defensoria Pública da União, depois do parto, em 9 de julho, a mãe não quis ver o bebê nem amamentá-lo. O professor conseguiu, então, a guarda da criança e, para poder assumir os cuidados com o recém-nascido, entrou com pedido no Juizado Especial Federal alegando que precisava de tempo livre para desempenhar essa tarefa. As decisões da Justiça Federal em Minas e São Paulo se referem a casais heterossexuais, havendo outra referente a um homem, numa união homoafetiva, que adotou uma criança.


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