Outubro seria de festa no coreto da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo HorizonteÉ que o fim das obras de restauro do equipamento foi prometido pelas autoridades estaduais para este mês Mas quem passa por lá não ouve música, não aplaude a apresentação de corais nem se sente imerso no universo da cultura: o local está isolado por uma faixa de segurança, mantém uma placa anunciando serviços, e no mais, resta o silêncioInterditado desde novembro de 2010, o coreto tem uma nova data para ser reaberto ao públicoSegundo o presidente do Instituto Cultural do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural), Washington Mello, um dos parceiros do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) na recuperação do equipamento público, a expectativa é de que a intervenção comece ainda este mês, ficando pronto num prazo de 95 dias, a tempo de ser um dos marcos, mesmo tardiamente, da programação de cinquentenário do banco, ocorrida em setembroDessa forma, inauguração só mesmo em janeiro.
Há seis meses foi firmado, na capital, um termo de cooperação entre o Iepha-MG), BDMG Cultural e a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Anoreg-MG)Pela parceria, o BDMG Cultural ficou responsável pela elaboração do projeto arquitetônico – de R$ 12 mil – para a restauração, assumindo ainda a gestão do trabalho de execução dos serviçosJá os recursos financeiros são da Anoreg-MG, enquanto o Iepha se encarrega do suporte técnico, acompanhamento e fiscalização da obra, que deverá cumprir as exigências técnicas do instituto para o bem tombadoO custo total foi estimado em cerca de R$ 120 mil.
“O atraso decorreu de problemas burocráticosPara começar a obra, faltam apenas alguns detalhes técnicos, pois o projeto está pronto e os recursos assegurados”, disse, ontem, o presidente do BDMG Cultural, destacando que os maiores problemas estão na cobertura do coreto, devendo ser também contempladas as partes hidráulica e elétricaA contrapartida pedida pelo banco foi a garantia de que a realização de uma série de eventos culturais de pequeno porte, como as apresentações de seu coral – duas vezes por mês – possa continuar no lugar, como já ocorria há anos, até que a estrutura foi interditada pelo risco de desabamento, há quase dois anos
Preocupação
O atraso nas obras preocupa os defensores do patrimônio, moradores e pessoas que procuram a Praça da Liberdade para atividades culturais e lazer“Já entramos em contato com as autoridadesQueremos uma solução Trata-se de um monumento importante na vida da cidade”, diz o presidente da Associação dos Amigos da Praça da Liberdade, Aroaldo de MacedoEle espera que o coreto seja reinaugurado até 12 de dezembro, como parte das comemorações dos 115 anos de BH
Conforme o dossiê de tombamento do Iepha, o coreto foi erguido no centro da Praça da Liberdade em 1913Sua estrutura é de ferro, com base em alvenaria, e sempre foi espaço tradicional de cultura e lazerDurante décadas, aos domingos, ali se reuniam os moradores para apreciar as retretas promovidas pela Banda Musical do 1º Batalhão da Brigada Policial de Minas GeraisO Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça da Liberdade foi tombado pelo Iepha-MG, em 1977
Cinema vai à Justiça
O filme começou, interrompeu, mas agora pode caminhar para um final felizCaratinga, no Vale do Rio Doce, Região Leste de Minas, a 315 quilômetros de Belo Horizonte, não poderá continuar assistindo à demolição do Cine Brasil, inaugurado em 24 de julho de 1947 e um dos pontos de encontro, na cidade, de todas as gerações até a década de 1960As obras de derrubada do prédio estavam suspensas, em caráter liminar, devido a uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mas a prefeitura recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou o pedido.
O Ministério Público do estado, por meio do promotor de Justiça da comarca, Herman Araújo Resende, ajuizou uma ação, depois que o prefeito da cidade arquivou o pedido de tombamento do imóvel, mesmo com um processo em andamento no Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Caratinga (Compac)A prefeitura concedeu uma autorização para a distribuidora São Thiago Ltda., dona do local, fazer a demoliçãoA empresa já havia até começado a retirar parte do telhado e destruir a fachada do prédio
Em agosto deste ano, o juiz de Caratinga, Alexandre Ferreira, analisou o pedido do Ministério Público e determinou a suspensão do decreto baixado pelo prefeito da cidade, que arquivou o processo de tombamento do bem culturalDe acordo com informações do MPMG, também foi suspensa a licença que permitia a demolição do imóvelSe a ordem for descumprida, o atual proprietário do casarão e a prefeitura do município terão que pagar multa de R$ 5 milhõesInsatisfeito com a decisão, o município de Caratinga entrou com recursos no TJMG e no STJ, mas em ambos a liminar foi mantidaO Estado de Minas entrou em contato com a assessoria de comunicação da prefeitura e foi informado de que o prefeito e o secretário de Cultura estavam viajando, estando impossível o contato por telefone celular.
Arquitetura
Embora inaugurado em 1947, a tradicional sala de projeção de Caratinga teve a sua história inaugurada bem antes, conforme a pesquisa Cine Brasil: notícia velha, boa notícia”, juntada aos autos: “Em 15 de outubro de 1940, o grupo Circuito Cinematográphico Brasil incorporou o Cine Popular, na Praça Cesário Alvim, que passou a se chamar Cine Brasil (...)O negócio prosperou e o grupo investiu um milhão de duzentos cruzeiros (dinheiro da época) na construção do novo prédio...”, escreveu o jornalista local Leandro Braga
A abertura do cinema representou para a cidade a chegada do progresso, já que, na década de 1940, o Brasil, no apogeu do rádio, então o principal veículo de comunicação ao qual a população tinha acessoO projeto arquitetônico da edificação foi considerado uma inovação, reforçando a ideia de modernidadeO jornalista Leandro Braga relatou: “Não encontrei o nome de quem planejou a arquitetura do cinemaPerguntei a um arquiteto sobre o estilo da construção e ele disse remeter à art-déco, que, aqui no Brasil, foi uma espécie preparação para a arquitetura modernaO arquiteto chamou atenção para a influência de cada época e reparou que as janelas redondas do prédio do antigo Cine Brasil lembram escotilhas Na década de 1940, o que havia demais moderno em tecnologia eram os grandes navios transatlânticos, daí a influência”
Mineira quer Iphan sustentável
A nova presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema Machado, assume a direção da autarquia federal, em substituição ao também mineiro e arquiteto Luiz Fernando de Almeida, vendo o setor como “vivo e dinâmico, vinculado ao presente e não como algo guardado no passado”Dessa forma, ela pretende seguir em duas direções: manter a consolidação do instituto, que, segundo ela, está no caminho certo, e conduzir ações dentro do conceito da sustentabilidade “O patrimônio está em alta, deixou de ser apenas uma agenda pública para entrar no dia a dia da sociedade civil", diz Jurema, que esteve à frente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), entre 1995 e 1998, e depois atuou como diretora de Cultura da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em Brasília (DF).
A data da posse ainda não foi marcada, mas a expectativa é de que haja a transferência formal do cargo durante a entrega do Prêmio Rodrigo de Mello Franco, no próximo dia 24: “Estar à frente do Iphan é um desafio estimulanteNão é muito diferente de estar na direção de um órgão como o IephaA diferença é que agora a escala é muito maior, os processos são mais complexos, há uma grande diversidade”Mineira de Divinópolis, Região Centro-Oeste do estado, Jurema diz, sem bairrismos, que Minas merece uma atenção especial, pois tem muitos bens tombados pelo Iphan e três reconhecidos como Patrimônio da Humanidade pela Unesco – Ouro Preto, Diamantina e Congonhas
Ao citar as três cidades, ela reforçou, mais uma vez, que a “dinâmica vital” existente nos centros urbanos tombados“Ouro Preto é uma cidade viva, conseguiu manter um conjunto arquitetônico e monumentos importantes, situação bem diferente de São Paulo (SP), por exemplo, que perdeu, no século 19, grande parte do seu patrimônio edificado”, afirmaCerta de que a gestão é fundamental para ordenar o crescimento urbano e conduzir políticas públicas, Jurema acredita num sistema de gestão, com a participação de órgão de todas as esferas (federal, estadual e municipal)
Otimismo
Ela acredita que a escassez de verbas, um dos pontos assinalados por muitas comunidades, não é principal gargalo enfrentado pela autarquia federalHoje é fundamental o investimento na capacitação de mão de obra, formação de restauradores e outros profissionais da áreaJurema lembra que a participação das comunidades é essencial em todo o processo“O patrimônio exige um olhar sempre crítico e é assim que vamos caminharNão pode ter uma visão idílica, mas devemos estar sempre certos de que estamos lidando com algo vivo”, afirma
A indicação de Jurema para a presidência do Iphan animou representantes do setor do patrimônio no estado“Ela é da área, tem conhecimento técnico, entende de gestão e sabe das mazelas e necessidades do setor”, disse o presidente do Iepha/MG, Fernando Cabral, lembrando que está otimistaO coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico/MG, Marcos Paulo de Souza Miranda, ressaltou a experiência, por ter sido presidente do Iepha e sido uma das responsáveis pela implantação do ICMS Cultural“Uma profissional assim faz a diferença”, diz Marcos Pauloeficiência”.
Carreira em MG
Jurema de Sousa Machado (foto) é arquiteta urbanista formada, em 1980, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Iniciou a vida profissional em BH, no extinto Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Plambel), e foi diretora de Planejamento e Patrimônio de Ouro Preto, entre 1993 e 1994 Foi presidente do Iepha, atuando na concepção do Programa MonumentaEra coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil desde 2002A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), na quarta-feira, em substituição ao arquiteto Luiz Fernando de Almeida.