Três assaltos a residências com reféns e morte em apenas duas semanas em dois bairros vizinhos, na Região Centro-Sul. A morte de Cecília Bizzotto é o desfecho trágico de uma sequência de assaltos no São Bento e no Santa Lúcia. Em outro ponto da cidade, houve mais um caso, ontem à tarde: um morador do Belvedere, também na Centro-Sul, foi rendido por três bandidos armados enquanto lavava a garagem de casa.
Quarta-feira passada, dois homens armados fizeram quatro pessoas reféns numa casa na Rua Fernando França Campos, no São Bento. Os suspeitos abordaram primeiro o jardineiro, que trabalhava na parte externa do imóvel, e depois o dono da casa, a mulher dele e outro funcionário. Eles ficaram sob o poder dos bandidos por mais de meia hora. A dupla fugiu levando aparelhos eletrônicos e joias.
Exatamente uma semana antes, no dia 26 do mês passado, 15 pessoas, entre moradores, empregados e funcionários que prestavam serviço no imóvel, ficaram sob a mira dos assaltantes numa casa da Rua José Batista Ribeiro, também no São Bento. Três homens armados com pistolas renderam a dona da casa e o filho dela, quando saíam do local, às 10h30. A ação dos criminosos durou aproximadamente uma hora e eles fugiram num Kia Sportage depois de roubarem R$ 8,5 mil, 500 euros, joias, eletrônicos e até roupas.
Abordagens
Durante essas ações, são feitas abordagens de motociclistas, veículos e pessoas suspeitas que estejam a pé. Também são feitas abordagens rápidas em semáforos e fechados quarteirões em busca de pessoas atitude suspeita. “Vamos deslocar esse mesmo conceito para áreas residenciais, focando em pontos da cidade onde o crime contra o patrimônio ocorre mais. Agiremos na Região Centro-Sul e em bairros de outras regiões. A polícia vai agir com repressão, buscando a prevenção, mas sempre respeitando o direito das pessoas”, afirma o comandante.
A outra medida tem caráter preventivo e consiste em destacar um “PM do bairro”. Cada bairro terá um policial responsável por fazer a articulação de uma rede composta por moradores e militares, que vão compartilhar informações, numa ampliação da Rede de Vizinhos Protegidos. “Não queremos transferir a responsabilidade para os cidadãos, mas queremos fazer uma grande rede de segurança. Tanto as ações de prevenção quanto as de repressão precisam de uma relação para gerar resultados melhores”, afirma o coronel Rogério Andrade.
Três perguntas para... Marcelo Bizzotto Pinto, irmão de Cecília
1- Como foi que tudo aconteceu?
Cecília estava dormindo sozinha na casa há alguns dias e nos pediu que a acompanhássemos porque estava insegura. Fomos buscá-la no final da noite no comitê (de campanha de Patrus Ananias) no Bairro Serra. Fomos direto para casa. Quando chegamos no portão da garagem vieram dois homens armados, muito agressivos. Encostaram a arma na cabeça da gente, mandaram a gente descer e disseram que queriam dinheiro.
2 - E depois?
Quiseram saber se mais gente chegaria na casa. Disseram que se chegasse mais gente, eles iam matar todo mundo. Nos levaram para dentro da casa. Enquanto vasculhavam tudo chegou um terceiro bandido. Eles ficaram nervosos quando dissemos que não guardávamos dinheiro na casa.
3 - Como sua irmã foi morta?
Um assaltante ficou com a gente na sala. Outros dois foram com a Cecília para cômodo do lado de fora, onde ela dorme. Passou um tempo e ouvi um único disparo e um grito. Sempre que me lembro desse grito, bate uma tristeza muito grande. Foi um grito de desespero. (Andréa Silva)
Um tiro na paz
Um novo assalto a residência na Região Centro-Sul de Belo Horizonte terminou em tragédia na madrugada de ontem. A artista plástica e atriz Cecília Bizzotto Pinto, de 32 anos, foi assassinada dentro da própria casa, no Bairro Santa Lúcia, durante a ação dos bandidos. O crime ocorreu por volta da 1h, na Rua Saturno, e chocou moradores. Foi o terceiro caso de roubo a residência na região num intervalo de apenas duas semanas. Os outros dois ocorreram no vizinho São Bento, onde moradores e empregados foram feitos reféns. Diante da série de crimes, a polícia prometeu “resposta” para a população.
Cecília, o irmão dela Marcelo Bizzotto Pinto e a namorada dele, Alexandra Silva Montes, chegavam em casa por volta da 0h num EcoSport quando foram rendidos por dois homens armados. Um terceiro bandido apareceu depois. As vítimas ficaram em poder dos assaltantes por aproximadamente uma hora. Nesse período, os assaltantes reviraram a casa à procura de dinheiro, joias e de um cofre. Os objetos recolhidos estavam sendo guardados dentro do EcoSport e de uma Pajero que também estava na garagem.
Alexandra contou à polícia que, em determinado momento, um dos bandidos subiu com Cecília para um dos quartos do segundo andar. Ela relatou ainda que, de repente, ouviu o homem perguntar à cunhada se ela estava ligando para a polícia. Na sequência, ouviu o tiro. Os assaltantes mandaram Marcelo abrir o portão e fugiram levando apenas os três telefones celulares das vítimas. Ele e a namorada saíram de carro à procura de ajuda.
O sargento Gilmar Vieira Murilo, da 124ª Cia. do 22º Batalhão, que atendeu a ocorrência, contou que a polícia recebeu uma chamada de alguém pedindo socorro, mas a ligação caiu. Os militares acreditam que era Cecília tentando avisar a polícia, de acordo com gravação da central da PM. Ainda segundo Murilo, depois da chamada uma equipe foi ao local, chamou pelo interfone e, como ninguém atendeu, os militares olharam pelo muro, de onde viram luzes acesas e janelas abertas. Nesse momento, um taxista abordou os militares, dizendo que um casal num EcoSport o havia parado pedindo o celular dele emprestado para ligar para o 190.
A PM decidiu arrombar o portão e, nesse momento, Marcelo e Alexandra chegaram dizendo que havia uma mulher baleada dentro de casa. A porta do quarto também precisou ser arrombada. Cecília já estava morta no sofá. O sargento acredita que os autores do crime já acompanhavam há algum tempo a movimentação dos moradores da casa.
Drogados
Familiares informaram que, de acordo com Marcelo, os bandidos estavam nervosos, olhos muito vermelhos e aparentemente drogados. Houve violência psicológica e muita ameaça e Cecília havia sido agredida fisicamente por um dos homens.
A atriz tinha um filho de 12 anos, que mora na França com o pai. Desde que voltou da Inglaterra, há aproximadamente um ano, onde fez um curso, ela vivia na casa do Bairro Santa Lúcia com os pais, que viajaram para Paris há cerca de uma semana. A expectativa é de que eles e o garoto cheguem hoje a BH. Na noite de anteontem, Cecília pediu ao irmão para acompanhá-la até em casa, pois estava com medo de ficar sozinha. Ela atuava na campanha do candidato à Prefeitura de Belo Horizonte Patrus Ananias (PT) e voltava de um encontro de trabalho. O velório será hoje de manhã no Cemitério do Bonfim.
Tristeza entre amigos e parentes
O meio cultural está em luto. Pelas redes sociais, revolta. Cecília era a típica artista que pautava a vida pelo trabalho e pela alegria de viver, segundo amigos e familiares. Sócia-fundadora da Companhia Lúdica de Atores, Ciça, como era carinhosamente chamada, criou com mais quatro atores o grupo que estudava Shakespeare. Atualmente, estava engajada na campanha de Patrus Ananias para a Prefeitura de Belo Horizonte, trabalhando com mídias sociais. Cecília se preparava para dois espetáculos, um deles como atriz e outro como assistente de direção. Ela era artista plástica e professora de teatro no programa Valores de Minas, na capital. Dedicava-se ao hobby mais recente e fotografaria ontem a última apresentação da peça Rei Lear, no Parque Ecológico da Pampulha. O evento foi cancelado. Em setembro, ela registrou as cenas da peça de sua companhia na Praça da Liberdade.
“Era uma figura alegre, mulher lutadora e muito viva. Ciça estava aberta a qualquer pessoa, era intensa em tudo o que fazia e tinha um lindo coração”, resume a sócia Beatriz França. “Nos conhecemos em 2001, quando a Companhia Lúdica de Atores nem tinha esse nome. Como morávamos perto, pegava carona com ela para os ensaios e ficamos próximas. Ela era uma das minhas melhores amigas, uma pessoa contagiante e inesquecível”, acrescenta. “O que fizeram foi uma crueldade . Uma estupidez que me dá nojo”, desabafa Beatriz.
Ator de Rei Lear e integrante da companhia, Leonardo Horta conversou com Cecília horas antes do crime. Segundo ele, ela estava animada. “Todo mundo está em estado de choque. Foi um crime brutal, violento, covarde. Fica a indignação de uma tragédia causada por um indivíduo que não deveria estar transitando entre nós. A Justiça precisa dar uma resposta à sociedade sobre isso”, afirma Leonardo. “Ciça era uma menina fantástica, era engajada politicamente, uma atriz talentosíssima, com um trabalho de qualidade ética inquestionável. Nós perdemos uma companheira excepcional, que fez muito pelo teatro, e o teatro mineiro perde uma pessoa que é difícil pensar que exista alguém que possa substitui-la”.
No exterior
A atriz viveu na França alguns anos e recentemente estudou um ano em Londres, na Inglaterra, onde passou a enfatizar seu trabalho na área de performance documental, com fotos e vídeo. Em 2009, com a peça A Ilha da magia, recebeu indicação de melhor atriz no Prêmio Usiminas-Sinparc. Dois anos antes, foi convidada pelo Centro de Estudos Shakespeareanos para criar uma performance da cena da loucura de Ofélia, personagem pela qual se apaixonou. Mãe de Arthur, de 12 anos, Ciça dava aulas semanais de teatro a cerca de cem adolescentes do programa do governo estadual Valores de Minas.
“Todos os alunos têm um carinho muito grande por ela porque ela tinha força, brilho e maestria para conduzir os jovens. Ciça tinha uma simplicidade grande e vaidade nenhuma”, comenta Mestre Nego Ativo, coordenador da área de música do programa, que trabalhava com ela.
Primo da atriz, José Bizzotto lamenta os reflexos da violência. “O que fica é o sentimento de falta, uma coisa abrupta que ninguém espera acontecer com um ente tão próximo e querido. E tristeza de saber que isso é reflexo da violência. Imagine o que esse cara não passou na vida para apertar o gatilho daquele jeito?”, questiona ele. “Ela era uma pessoa muito bonita e trabalhadora”.