Jornal Estado de Minas

Uma residência é assaltada a cada dois dias em BH e moradores apelam para a fé

Com mais um roubo a residência, outubro atinge a média de um ataque a cada dois dias em BH. Últimas vítimas, irmãos rendidos na Pampulha se agarraram à devoção para superar momentos de pânico

Guilherme Paranaiba Jefferson da Fonseca Coutinho

  Com a padroeira que teve seu dia celebrado ontem, Claúdio relembra assalto: "Foi ela quem intercedeu por nós" - Foto: Alexandre Guzanshe/EM

Um ataque a residência a cada dois dias em Belo HorizonteÉ essa a média de outubro – mês em que seis casas já foram assaltadas em apenas 12 diasEm todas elas, bandidos armados fizeram moradores reféns, espalhando terror em bairros das regiões Centro-Sul, Leste e PampulhaConsiderados os últimos 30 dias, já são oito episódios de roubosO mais recente deles, registrado na noite de quinta-feira, no Bairro Braúnas, Região da Pampulha, foi o décimo em menos de três mesesDessa vez os criminosos surpreenderam um representante comercial que abria a garagemCom o irmão, que já estava em casa, ele foi mantido refém por cerca de 40 minutos.

Da calçada da casa, na Avenida Dora Tomich Laender, para dentro foram instantes de tensão e medoCom o portão enguiçado, bastou um minuto de desatenção para que o imóvel fosse tomado de assalto por três ladrões com capacetes de motoqueirosNa véspera do feriado, por volta das 20h30, os homens liderados pelo assaltante com pistola automática ameaçaram de morte a famíliaGuilherme Oliveira, de 34 anos, rendido quando voltava da mercearia, relata o terror: “‘Se você gritar, você morre’, ameaçaram, enquanto iam entrando como se conhecessem a casa”.

Na sala, o irmão Claúdio Oliveira, de 40, ouvia músicaAo ver o mais novo chegar com as mãos na cabeça, imobilizado, sentou-se próximo à imagem de Nossa Senhora Aparecida e apegou-se à fé, na véspera do dia da padroeira

“Não tenho dúvida de que foi ela quem intercedeu por nós”, consideraO vendedor conta que, instintivamente, reagiu segurando a mão do bandido para proteger, no bolso, a chave do Fusca branco de estimação“Ele levantou a arma para me dar uma coronhadaPeguei firme com Nossa Senhora e ele desisitiu”, ressaltaDepois de verem os cômodos ser revirados pelo trio, Cláudio e o irmão foram trancados no escritório, que teve a fiação do telefone arrancada“Eles poderiam ter feito o que bem entendessem da genteQuando você vê, sua vida está nas mãos deles.”

Guilherme não esconde o desgosto com a violênciaConta que em 2007 a família vendeu a casa no Bairro Alípio de Melo, na Região Noroeste, e juntou economias para comprar o novo imóvel“Sempre tomamos o maior cuidadoAdotamos uma série de medidas, como ter sempre alguém acordado, esperando por quem está para chegar.” Não adiantou
Os assaltantes levaram R$ 1 mil, além de aparelhos eletrônicos e relógio.

Diante de maleta com segredo, novo momento de tensãoOs ladrões insistiram pedindo o código“Dissemos que a gente não sabia, porque pertence ao meu pai, que estava viajando, mas eles insistiramVendo que a gente não sabia, pegaram uma faca e começaram a rasgá-la”, conta GuilhermeSobre a mesa da sala, diante da imagem da padroeira do Brasil, ficou a valise destruída, que não continha nada de valorO trio de capacete, sem moto, fugiu pelo muro dos fundos.

Do lado de fora, nas casas vizinhas, repercute o sentimento de impotência e revoltaEm um imóvel de esquina, a placa de “vende-se” é destaqueSão muitas nas cercaniasO vizinho de 17 anos que ajudou a socorrer os irmãos Oliveira, na companhia do pai, comenta que, pouco antes do assalto, falou com a mãe que estranhou os três homens a pé, subindo a avenida, com capacetes nos braçosO pai, de 36, conta ter socorrido policial em apuros a quatro quarteirões dali, no início do ano“Tentaram assaltá-lo e ele atirou na perna de um dos bandidosO outro conseguiu fugir.”

VERGONHA Vizinho de quadra, o artista plástico Fernando Pacheco é outra vítima na regiãoEnquanto aguardava a mulher buscar documento em um cômodo da casa, ele foi rendido e teve o carro levado, com tudo de valor que havia em casaInclusive o cão Winny – um pug, preto, de estimaçãoFernando lamenta a atual situação da Pampulha, patrimônio de Belo HorizontePara o artista, vizinho de integrantes da banda Pato Fu, a vulnerabilidade da região é um desrespeito à memória da cidade“Recebemos aqui pessoas de várias partes do mundoÉ um constrangimento ter que pedir para que nossos visitantes tomem cuidado ao chegar e ao deixar a rua”, lamenta.

Atrás das grades fechadas por cadeado de grosso calibre, Fernando acredita na retomada da região como referência culturalDiz com tristeza ver seus amigos artistas trocando BH por Nova Lima e por Brumadinho, na Região MetropolitanaCriticando a falta de segurança, cita a morte trágica da atriz Cecília Bizzotto“Você vê o meu vizinhoPor muito pouco não perdeu a vida nas mãos desses marginais, como aconteceu com a nossa amiga Ciça Bizzotto”Há 30 anos próximo à lagoa, Fernando Pacheco não perde a esperança de uma outra Pampulha, bucólica e cultural, “como nos tempos das árvores e dos passarinhos”.

População cobra direito à proteção


Enquanto a ação de bandidos que aterrorizam moradores da capital continua a desafiar a segurança pública de BH, a população pede ações rápidas e rigorosas para retomar o sossego e a tranquilidade, objetivos básicos de quem escolhe uma casa para viverO presidente da União das Associações de Bairros da Zona Sul da capital, Marcelo Marinho, diz que a prioridade é melhorar a situação da Polícia Civil, que tem poucas condições para identificar as quadrilhas“Os bandidos continuam agindo, porque sabem que não serão presosTemos que investigar para dar respostas rápidas à sociedade”, dizEle acredita que a precariedade também atrapalha os militares“As viaturas que poderiam estar patrulhando chegam a ficar horas na delegacia por conta de uma ocorrênciaEsse processo tem que ser mais célere.”

A onda de assaltos faz com que moradores retomem a defesa da instalação das guaritas de segurança, pois a presença de vigias treinados pode ser um fator a mais para inibir a violênciaApesar de a estrutura encontrar obstáculos na legislação, direitos constitucionais já serviram para embasar decisão favorável da Justiça de BH às guaritasEm 2008, a 4ª Vara da Fazenda Pública permitiu a colocação dos equipamentos na Rua Carraras, Bairro Bandeirantes, na Região da Pampulha, com base no artigo 5º da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do direito à vida.

A sequência de roubos a residências fez o comando das forças de segurança de Minas anunciar medidas para tentar frear o ímpeto dos bandidosEm reunião com a cúpula da PM, o secretário de Defesa Social, Rômulo Ferraz, garantiu o aumento do policiamento ostensivo nos bairros que estiverem sofrendo com a incidência dos assaltos e apostou no estreitamento das relações entre militares e a comunidadeO objetivo é ampliar a Rede de Vizinhos Protegidos e lançar até o fim do ano um policiamento mais personalizado, com a designação de um policial para cada bairro da cidade.

ESCALADA DO MEDO
17/7 Quatro bandidos armados invadem a casa de um engenheiro no Bairro Mangabeiras e dominam os moradoresO filho do dono do imóvel escapa e chama a PMQuatro suspeitos, um deles menor, são presos.

23/7 Homens armados assaltam residência na Rua Professor Carlos Pereira da Silva, no Bairro BelvedereCom as vítimas trancadas em um quarto, os ladrões levam joias, telefones celulares, televisores e computadores.

15/9 Dois homens armados fazem arrastão em prédio de três andares na Rua Rio Verde, no Bairro AnchietaDepois de render e trancar os moradores os criminosos fogem com dinheiro e objetos de valor.

26/9 Casa na Rua José Batista Ribeiro, no São Bento, é invadida por quatro homens armadosOs ladrões dominam a dona da casa e o filho dela e roubam dinheiro e joiasA polícia chega pouco depois e consegue prender um
dos ladrões.

3/10 Dois homens armados rendem um jardineiro em uma casa no Bairro São Bento, dominam mais cinco pessoas e levam joias, dinheiro, armas antigas e um aparelho de TV de 47 polegadas.

5/10 Três homens armados invadem uma casa no Condomínio Alphaville, em Nova Lima, rendem moradores, roubam objetos de valor e levam uma mulher de 58 anos como refémA vítima é libertada pouco depois, em outra região da cidade.

7/10 Três homens dominam a atriz Cecília Bizzotto, o irmão dela, Marcelo Bizzotto Pinto, e a namorada dele, Alexandra Silva Montes, quando as chegavam em casa, no Bairro Santa LúciaOs criminosos invadem o imóvel e começam a procurar objetos de valorUm deles, ao surpreender Cecília ligando para a polícia, atira duas vezes contra elaA vítima morre no local e os ladrões fogem levando três celulares.

7/10 Dois homens invadem casa no Bairro Belvedere, dominam a dona da casa, duas filhas dela e um empregado, fugindo com joias, dinheiro e aparelhos eletrônicos.

11/10 Dupla de assaltantes aproveita um portão aberto para invadir uma casa no Bairro Sagrada Família, Região Leste da capitalO dono, de 72 anos, estava fazendo o pagamento referente ao reabastecimento de gás da residência e foi mantido refém com a mulher, de 65, e o prestador do serviçoOs assaltantes contaram com a ajuda de mais duas pessoas e levaram R$ 1,7 mil, joias e celulares, além de R$ 150 do entregador de gás.

11/10 Três homens aproveitam a chegada de um representante comercial em casa no fim da noite de quinta-feira, no Bairro Braúnas, Região da Pampulha, para abordá-lo no momento em que abria o portão da garagemCom o irmão, que já estava em casa, ele é mantido refém no escritórioOs ladrões fogem com R$ 1 mil, videogames, celulares, um computador e uma câmera fotográfica